15 de outubro de 2005

Othello. Denis Deprez, d'aprés Shakespeare (Casterman)


Denis Deprez é irmão de Olivier Deprez e também participou, desde os primeiros números, na revista Frigobox, na qual foi desenvolvendo o seu estilo gráfico, muito diverso quer em termos de materiais quer em termos de plasticidade. Nesta sua adaptação – e vejam precisamente o texto sobre O Castelo do irmão Olivier sobre o que uma adaptação pode ou não ser – do Otelo de Shakespeare, a escolha de armas recai no que me parece ser a pintura. Sinceramente, confesso a minha ignorância se estamos perante algum uso complicado e misturado de aguarelas e pastéis, mas a falta de quaisquer linhas de contornos, lápis ou tintas negras, a aplicação portanto directa das cores, e as pequenas pinceladas que vão compondo todas as figuras e objectos de cada uma das vinhetas levam-me a pensar, de facto, no trabalho da pintura. Aliás, já havia sido este modo de trabalho anteriormente adoptado por Denis Deprez para o Frankenstein de Mary Shelley (na mesma colecção e editora). Mas ao passo que nessoutra adaptação – onde se mantendo os episódios e as personagens, se alteram os diálogos de forma a se chegar a um texto mais imediato e próximo dos leitores dos nossos dias – as cores se demoravam por paragens mais sombrias, aqui recaem em escolhas de jogos duplos: quase sempre cada vinheta apresenta duas cores principais, ora complementares, ora contrastantes (azuis, azuis e violetas, laranjas e/ou ocres e violetas, vermelhos e castanhos ou vermelhos e negros, violetas e rosas).
Porém, não perdendo o interesse em termos visuais, a obra no seu conjunto deixa algo a desejar... As referências visuais são de uma mesma família que nos recordariam, por exemplo, alguns dos trabalhos de Mattotti (Hopper, Bacon, os Impressionistas). Mas as vinhetas parecem perder as ligações necessárias para tornar a legibilidade num contínuo agradável. Deprez esforça-se por transformar cada “episódio” num conjunto organizado e coeso como se sob um código de cores (os tais diálogos), mas o corte é abrupto, talvez com a excepção das últimas partes, quando Iago fere Cassio, deixando um rasto de sangue que se espalha pelas divisões onde Desdémona será morta, sob engano, e a tragédia encontra o seu fim...
Aliás, a grande “diferença” em relação a Shakespeare é que o desenlace ofertado ao público com a prisão de Iago não se efectua neste livro. Iago foge e parece ter alcançado alguma liberdade, ou pelo menos alcançado uma questão suspensa, na única vinheta iluminada pelo sol ameno da manhã. Todas as outras são nocturnas, nubladas, escondidas atrás de uma neblina ora sufocante ora de tempestade, ou sob um tórrido sol... Sendo dele a voz narradora que nos acompanha (o que não é possível – ainda que discutivelmente – na peça do dramaturgo), há como que um peso maior, um protagonismo dado a Iago, o “mau da fita”, uma inversão, enfim. Só que essa inversão não é sentida em todos os processos do livro, e acaba por surgir como uma escolha, ainda que interessante, superficial e que não foi explorada até ás suas demais consequências.
Em relação a outros trabalhos, Denis sonda novos territórios, não estando próximo das anteriores experiências de um desenho rígido na Fréon/Fremok (na revista Frigobox, Les Nébulaires) nem das mais recentes colaborações, onde o seu expressionismo toma outro cariz.Posted by Picasa

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