Diniz Conefrey, como já o havíamos
dito noutra ocasião, é um autor que cultua sobremaneira a
transposição da matéria do desenho para primeiro plano, e não
somente o emprega como meio, veículo, transmissão de uma
representação. O corolário dessa tarefa encontra-se, talvez, no
momento em que a representação de dissolve totalmente no próprio
acto da gestualidade dessa matéria, lavrando imagens abstractas. Se
essa intensidade já se fazia prever em muitos dos seus trabalhos “de
representação”, nas “margens” expressivas do programa
central, quer na narrativa d'O livro dos dias quer nas
adaptações de alguns contos de Herberto Helder, no seu encontro com
o texto a máquina de emaranhar paisagens, desse mesmo poeta,
libertou-se por completo. Agora, nas peças que perfazem este volume
essa liberdade deu ainda outro passo, desfazendo-se de qualquer
matéria verbal que não os títulos individuais das “histórias”
ou a sua contextualização editorial, mas também por não perseguir
qualquer outra forma velada de organização narrativa. (Mais)
30 de junho de 2016
28 de junho de 2016
Kramer's Ergot no. 9. AAVV (Fantagraphics)
O acompanhamento diversificado e
saudável da banda desenhada enquanto disciplina artística e
criativa já informou os leitores atentos que não existem
possibilidades de criar categorias demasiado fechadas para
descrevê-la como um todo homogéneo. Criar hierarquias absolutas
para depois julgar objectos totalmente diferentes entre si é
insensato. Existem projectos que ganham predominância por serem
majestosas construções das estruturas específicas da visualidade
da banda desenhada, e outros em que é a qualidade narrativa que os
acaba por tornar incontornáveis. E existem variadíssimos graus de
equilíbrio entre esses elementos. Há títulos ainda que ganham
notoriedade pelo papel fundamental que terão tido na sua
circunstância histórica e outros que, na sua obscuridade face a um
público mais massificado, são gestos fulcrais na expansão da
expressividade estética da disciplina. Não podemos, por isso, estar
sempre à espera de “histórias”, “coerência”, “relevância”,
ou outro termo qualquer que actuasse com um poder suficientemente
explicativo. A Kramer's Ergot, enquanto antologia dos mais
diversos tipos de banda desenhada que revelam acima de tudo um prazer
quase epidérmico da criação, uma verve e naturalidade em auscultar
as possibilidades deste campo para se explorar o que bem se entender,
deve ser vista, com efeito, acima de tudo como um dos melhores pontos
de encontro de uma banda desenhada que se vive a si mesma sem a
preocupação de um sentido ulterior. (Mais)
26 de junho de 2016
Superman: American Alien. Max Landis et al (DC Comics)
Em outras ocasiões tivemos oportunidade de revelar
algum tipo de acompanhamento que fazíamos de séries mainstream de super-heróis em continuidade, o que ainda se mantém,
ainda que de modo menos visível do que se pensaria pelos textos aqui
publicados. Maior atenção, todavia, é dada a projectos que surgem como “one
shots” feitos fora dessa mesma continuidade, que dessa forma se permitem
explorar de modos mais interessantes as potencialidades das variações do
género. Foi o que aconteceu, por exemplo, com títulos de Batman ou dos
Vingadores. Apesar de termos iniciado igualmente uma abordagem de um outro projecto com o Super-homem, apenas agora surge a oportunidade de sermos mais
específicos. (Mais)
24 de junho de 2016
L'Usine. Yang Yu-Chi (Slowork Publishing)
Este livro com pouco mais de 20
pranchas é, apesar da sua natureza aparente, uma espécie de
diatribe contra uma natureza do mundo dos negócios globais e a forma
como esse capitalismo móvel deixa apenas um rasto de destruição
pela sua passagem a todos os níveis. Natureza aparente, dizemos,
pois poderá parecer uma pequena fábula para crianças, disfarçada
que está. (Mais)
22 de junho de 2016
Altemente # 1. Mosi (Comic Heart)
Este pequeno caderno da jovem autora Joana Simão, que assina
como “Mosi”, é, a um só tempo, caderno de viagem, diário de bordo, bloco de
desenhos e banda desenhada. Num formato claramente aparentado ao projecto Living Will, de André Oliveira e
artistas, promete vir a ter três volumes até à sua completude, mas não se trata
de forma alguma de um projecto comparável nem em termos de género nem de
ambição. (Mais)
21 de junho de 2016
Desolation.Exe. Berliac (Low Spirits)
Este pequeno fanzine do autor argentino
reúne cinco histórias que o autor havia divulgado nas mais díspares
publicações durante o ano de 2015, entre as quais a Kus! e a
Kovra # 6, de que falámos na altura. Diferentemente de
Playground, que tivemos também a oportunidade de ler com
atenção, e que se revestia de uma forma mais clara por interesses
que têm a ver com a expansão das capacidades estéticas, políticas
e teóricas da banda desenhada, esta antologia agrega uma espécie de
procura e criação sob o signo, quase obsessivo, de uma certa banda
desenhada japonesa dos anos 1960 e 1970 veiculada pela Garo. (Mais)
20 de junho de 2016
Amazzoni: Storie della progenitrice. Marra, Cremonesi e Venâncio (Passenger Press)
Tal
como havia ocorrido com Racconti indiani, este pequeno
livrinho faz parte dos muitos projectos da Passenger Press que tira
partido de toda uma possibilidade de colaborações cruzadas entre
idealizadores, argumentistas, designers e artistas. Inscrevendo-se no
campo da fantasia heróica, que o autor português Ricardo Venâncio
tem explorado ao longo da sua carreira (e esperam-se notícias de
mais do seu trabalho este ano), encontramos aqui a sua arte empregue
num território que lhe é mais familiar, logo mais completo. Tal
qual esse caso anterior, este projecto parece ser “idealizado”
por Christian G. Marra, quiçá no delinear basilar do universo
narrativo e das próprias personagens, mas o argumento desta separata
é repartido entre Alessandro Cremonesi e Ricardo Venâncio, se bem
que haja depois uma subsequente responsabilização pelos textos e
pelos desenhos por cada um dos autores respectivamente. (Mais)
18 de junho de 2016
Terminus. Rochette e O. Bocquet (Casterman)
É bem possível que esta seja de
facto a última paragem deste mecanismo. Um projecto que começou de uma forma algo
atabalhoada e mudou de mãos de uma forma singular, em relação ao que costuma
acontecer com outros projectos em colaboração ou de direitos nas mãos de
companhias, não pode deixar de ter configurações mutantes à medida que avança,
como já havíamos explorado quando da discussão dos volumes anteriores e da
adaptação cinematográfica. Remetemos, aliás, para esse texto, para uma
contextualização maior, focando aqui este volume somente. O problema é que
essas mutações não servem para reforçar os temas ou aprofundar o tratamento das
personagens, mas as de reescrever a própria natureza do projecto. E não necessariamente
como melhoria. (Mais)
17 de junho de 2016
V de Vingança. Alan Moore e David Lloyd (Levoir) - texto de apresentação
Foi hoje apresentado o primeiro volume da segunda colecção Novelas Gráficas, da Levoir e com distribuição pelo Público: V de Vingança, de Alan Moore e David Lloyd. Uma vez que tive o prazer de ter sido o tradutor desta obra para português europeu, pela primeira vez, fui igualmente convidado para estar presente numa sessão que teve lugar na Universidade Nova. Numa outra ocasião, falarei brevemente da colecção.
Tendo escrito um texto (em inglês, para incluir Lloyd de imediato no diálogo que se seguiu) que não terá outro fim senão o que teve, deixo-o aqui para memória futura ou para quem o desejar ler, com algumas notas adicionais. Não tem qualquer valor académico, sendo apenas um texto de ocasião, mas que tenta sublinhar alguns aspectos que me parecem significativos na releitura deste livro, passados mais de 30 anos.
As imagens empregues foram retiradas da versão original, para demonstrar um ponto assinalado no texto.
Os meus agradecimentos aos editores da Levoir, ao Professor Rogério Puga e a Dave Lloyd.
14 de junho de 2016
Sobressaltos. AAVV (Comic Heart/Europress)
Esta antologia nasceu de uma combinação
de toda uma série de esforços que encontrou aqui uma expressão
comum, mas não deixa de demonstrar essa mesma natureza desigual. O
factor espoletador foram os encontros Sustos às Sextas, promovidos
por João Castanheira e António Monteiro, que visam estimular a
discussão e pensamento em torno de temáticas associadas ao
sobrenatural, horror, terror, etc., nas suas mais diversas formas de
expressão. Desses encontros e a aliança com Bruno Caetano, no papel
de comissário e editor, já havia nascido uma exposição, Figuras
Clássicas de Terror, em que alguns autores portugueses criavam
representações gráficas de algumas personagens famosas da
literatura e cinema de terror, e figuras mitológicas, nas mais
diversas prestações. Caetano regressa aqui como co-editor (e também
argumentista), operando a selecção dos convites aos autores.
Juntando-se ao projecto, está Geraldes Lino, enquanto vigoroso
promotor de fanzines e projectos de banda desenhada. Há ainda o
facto editorial, que não é de somenos importância, agregando-se
José de Freitas. (Mais)
11 de junho de 2016
Le piano oriental. Zeina Abirached (Casterman)
Este livro coloca na linha da frente várias relações bicéfalas
entre objectos ou realidades que parecem distintas, mas cujo entrosamento faz
aceder a uma força maior, ou até mesmo a uma nova natureza. O bilinguismo. A
relação entre a música ocidental e a “oriental”. O próprio instrumento do piano.
A banda desenhada. E a história pessoal e familiar da autora.
Zeina Abirached é sobretudo conhecida pelos seus livros
autobiográficos publicados na Cambourakis, destacando-se Mourir partir revenir. Le jeu des hirondelles (que será lançado em
português brevemente integrada na nova colecção Novelas Gráficas da Levoir) e Je me souviens. Beyrouth, tendo tido nós
oportunidade de citar o trabalho dela em várias ocasiões, ainda que jamais
falado dos livros directamente. Nascida no Líbano, e de expressão francófona, a
autora tem procurado, como Edmond Baudoin, Marjane Satrapi, Étienne Davodeau, Marco
Mendes, Francisco Sousa Lobo, topedro, entre outros autores, a ir lavrando a
cada novo livro uma pequena pedra de um muro tão coeso como de construção
livre. Le piano oriental, apesar de à
primeira vista não o parecer, não apenas dá continuidade a essa construção como
lhe aumenta o escopo. (Mais)
8 de junho de 2016
Mate minha mãe. Jules Feiffer (Quadrinhos na Cia.)
A publicação deste título deveria
ter sido uma ocasião de maior atenção. Jules Feiffer é, afinal de
contas, um dos nomes importantes enquanto percursor da ideia de
pensar a banda desenhada como um veículo passível da discussão de
temas e histórias com repercussões emotivas, intelectuais e
políticas de modo tão intenso e genuíno como qualquer outra
linguagem artística. Não deixando jamais de ter sido um fã dos
clássicos norte-americanos (é seu o influente e percursor ensaio
The Great Comic Book Heroes),
ter sido aprendiz e “fantasma” de Eisner em The Spirit,
Feiffer construiria a sua fama como escritor (mesmo
que com imagens ou por
elas), capaz de navegar as estranhas águas das relações humanas,
das suas fantasias e irrequietudes, angústias e capacidade de
subversão em relação à moralidade vigente, produzindo livros de
aparência infantil (Tantrum,
Passionella), tiras de
banda desenhada (que publicou no The Village Voice,
coligidos em The Explainers),
o filme de animação Munro,
e filmes tais como Carnal Knowledge,
de Mike Nichols, e I Want to Go Home,
de Alain Resnais. (Mais)
6 de junho de 2016
Patience. Daniel Clowes (Fantagraphics)
O último livro de Daniel Clowes está
longe de conquistar o mesmo papel que obras anteriores do autor. Para
um nome que exerceu uma importância fundamental na banda desenhada
alternativa norte-americana e que em parte ajudou a alavancar uma
certa transformação social, a “mudança literária”, desta
mesma disciplina (lembremo-nos de dois gestos da sua recepção
crítica, aqui e aqui), Patience é uma obra desinspirada e
que demonstra alguma limitação na manipulação da sua matéria.
Até certo ponto, é como se se tratasse de um daqueles projectos
criados por obrigação contratual, mais do que por necessidade
intrínseca de criação. (Mais)
4 de junho de 2016
Colaboração no The Comics Alternative: Amadeo & Maladeo. R. O. Blechman (Fantagraphics)
Se Seth, com o seu pequeno guia de trouvailles, nos havia colocado na senda de todo um grupo de livros possíveis de angariar para um entendimento alargado da história da banda desenhada, de que o livro recentemente republicado de Don Freeman é um exemplo, ao mesmo tempo tornou-nos alertas para a produção de alguns dos artistas que discute. R. O. Blechman é um desses nomes, mais conhecido como cartoonista do que propriamente autor de livros de maior fôlego e coesão narrativa, para além do seu grande The Juggler of Our Lady.
A chegada deste (inesperado) Amadeo & Maladeo, uma espécie de fábula em torno da criação e a sua flutuante recepção por um público distraído e até mesmo imerecedor, é um momento curioso e intenso, em relação a um daqueles autores que mereceria maior celebração. Mas o público insiste em se distrair, de facto...
O texto que o lê encontra-se no The Comics Alternative, aqui.
Nota final: agradecimentos à editora, pelo envio da versão digital do livro.
A chegada deste (inesperado) Amadeo & Maladeo, uma espécie de fábula em torno da criação e a sua flutuante recepção por um público distraído e até mesmo imerecedor, é um momento curioso e intenso, em relação a um daqueles autores que mereceria maior celebração. Mas o público insiste em se distrair, de facto...
O texto que o lê encontra-se no The Comics Alternative, aqui.
Nota final: agradecimentos à editora, pelo envio da versão digital do livro.
2 de junho de 2016
Curso de banda desenhada na Nextart.
Serve o presente post para indicar que estão abertas desde hoje as inscrições para os cursos de Verão na Nextart, entre os quais se encontra um curso breve de introdução à linguagem, estruturas e criação de banda desenhada, ministrado por este vosso criado.
Caso estejam interessados, as portas estão abertas. Ou passem palavra.
Mais informações directas aqui.
Nota: imagem de Sérgio Sequeira (estudos para "Matias").
Caso estejam interessados, as portas estão abertas. Ou passem palavra.
Mais informações directas aqui.
Nota: imagem de Sérgio Sequeira (estudos para "Matias").