tag:blogger.com,1999:blog-74987912024-03-18T18:56:43.070+00:00Ler BDUnknownnoreply@blogger.comBlogger1807125tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-18789462015314288752024-03-18T18:55:00.004+00:002024-03-18T18:55:57.059+00:00O Caminho do Oriente. Raul Correia e Edeardo Teixeira Coelho (Libri Impressi)<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlMWEtzsyJF-QigD89Me0CFVGJQ2b1zgcwdVOhmf1MXcNXoxLxz-5dW93oz5Jtl7_fmGclfGxBzBw02qa20udqfp9XmKsT_XGHg0GSqPbaIY-kd9vlPQyePPHvcBnxgUGnBzl2egysUum9A9sEIHApzxh9gRfk4zRDXtdjLxEMtJiWr4pkQF5EKw/s1024/Caminho%20do%20Oriente%20-%20capa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="741" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlMWEtzsyJF-QigD89Me0CFVGJQ2b1zgcwdVOhmf1MXcNXoxLxz-5dW93oz5Jtl7_fmGclfGxBzBw02qa20udqfp9XmKsT_XGHg0GSqPbaIY-kd9vlPQyePPHvcBnxgUGnBzl2egysUum9A9sEIHApzxh9gRfk4zRDXtdjLxEMtJiWr4pkQF5EKw/s320/Caminho%20do%20Oriente%20-%20capa.jpg" width="232" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Mais uma
vez, o trabalho de Manuel Caldas merece ser celebrado pela sua
incansável dedicação ao restauro (literal) da arte de grandes
autores de banda desenhada e (mais metafórico) da memória dessas
mesmas obras nos nossos dias. Este <i>post</i> curto servirá apenas
para alertar da edição d'<i>O Caminho do Oriente</i>, uma série
que foi publicada na revista portuguesa de banda desenhada <i>O
Mosquito</i><span style="font-style: normal;">, um dos títulos mais
importantes e de sucesso num tempo áureo, em termos comerciais,</span><i>
</i>na sua primeira série. Surge agora em formato livro, em capa
brochada, completa, ainda que num formato menor do que o original,
dificultando para alguns leitores míopes (wink, wink) a sua leitura
mais fluida. Mais, há aqui uma recepção muito pessoal, dado o
trabalho em curso em torno da adaptação de <i>Os Lusíadas </i>para
banda desenhada sob a minha responsabilidade. (Mais) <span><a name='more'></a></span></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Publicada
entre os anos de 1946 e 1948, <i>Caminho</i> encaixar-se-á em toda
uma série de categorias expectáveis e “apertadas” da banda
desenhada da época. Segue, enquanto lição central, uma estratégia
didáctica sobre o seu tema principal – a navegação até à Índia
da frota comandada por Vasco da Gama, cuja partida de Belém foi em
1497. É também, como outros títulos, uma celebração do “génio
português”, já que a Exposição do Mundo Português estaria
ainda avivada na memória, e tinha pautado toda a cultural popular e
dirigida aos mais novos durante o Estado Novo. É ainda uma promoção
do “Português Suave” nas suas relações coloniais,
naturalmente, pela forma como são retratados os outros povos, ora
como selvagens inimigos ora como amigos bonacheirões, mais ingénuos
e patetas que cândidos, e onde a “esperteza” do português
sempre funciona a nosso favor. Existem cenas mesmo que, vistas aos
nossos dias, são chocantes por constituirem crimes contra a
humanidade, crueldades hediondas, mas que nestas páginas no seu
tempo seriam entendidas como a “natural missão civilizadora” do
Portugal cristão e para cuja ideologia <i>estas mesmas páginas e
publicações</i> contribuiam enquanto indoutrinação social.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">O livro
possui um texto de António Dias de Deus, falecido em 2018, e quem
deixou a obra mais sólida da historiografia da banda desenhada em
Portugal. As suas breves notas, esclarecidas, cultas e com um vinco
pessoalizado, são uma nota positiva nesta edição. Consabidamente,
<i>Caminho</i>
baseia-se, em larga medida, na mesma “matéria” que Camões
utilizou para criar <i>Os
Lusíadas</i>, (surgindo por
exemplo a personagem fictícia Fernão Veloso, criada pelo poeta),
mas se a obra mais definidora da identidade literária portuguesa
empregou fontes eruditas, como os livros de Fernão Lopes de
Castanheda, João de Barros e Diogo do Couto, Correio teve a
“vantagem” de auscultar a obra conhecida como <i>Roteiro
da Primeira Viagem de Vasco da Gama à Índia</i>,
apenas trazida a lume no segundo quartel do século XIX, e usualmente
atrubuída a Álvaro Velho. É esse relato que vem criar, nas belas
palavras de Dias de Deus, esta “epopeia vista por baixo”. Esse
“baixo” é tanto social – a classe dos marinheiros, dos
soldados, dos homens a soldo, portanto, e não dos “varões
assinalados” do poema épico... - como etário, já que, e como
manda a lei destas publicações, todo o foco narrativo é feito
através do protagonista, o jovem inventado para a saga, Simão
Infante. Dessa forma cria-se igualmente um mecanismo de articulação
entre outras personagens mais patéticas, e que erram mais, e as
outras mais “alevantadas”, como o austero Gama. Não sendo
propriamente um mecanismo literário inovador (a honra poderia ser
atribuída a François Fénelon), o uso do tropo “perspectiva
infantil” para facilitar a leitura da grande viagem é <i>bem
trovata.</i></span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGDx-ADUuGmz5nDxEl9KcRS8b_cmk8BcnV4Jm0G7wWiGVkmM8cNf9hRUCeovi99iNR1E6yLDooUmA9NZf7Vy6C1DWvob8MA_5YZAd19prJvdW10PnLFAL_ezFZ24I8T1JmRG2NxrB6nLHuW0RBc9ZH3iyUQSR1rtTb_Zlfuaj6CCLoZmaJlrulWA/s1000/Caminho%20do%20Oriente%20-%20pg.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="699" data-original-width="1000" height="280" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGDx-ADUuGmz5nDxEl9KcRS8b_cmk8BcnV4Jm0G7wWiGVkmM8cNf9hRUCeovi99iNR1E6yLDooUmA9NZf7Vy6C1DWvob8MA_5YZAd19prJvdW10PnLFAL_ezFZ24I8T1JmRG2NxrB6nLHuW0RBc9ZH3iyUQSR1rtTb_Zlfuaj6CCLoZmaJlrulWA/w400-h280/Caminho%20do%20Oriente%20-%20pg.jpg" width="400" /></a></div><p></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Todavia,
apesar do tom nostálgico de reler esta prosa de Raul Correia (na sua
versão primitiva e original), há um sabor que <i>já passou</i>,
não para falar da própria estrutura de legenda pesada sob a
vinheta, em vez das estruturas mais fluidas da banda desenhada
moderna (mesmo na altura, já era um “sabor antigo”). Por isso,
“reler” talvez não seja o grande objectivo... Mas é sim o da
recuperação da linha de Eduardo Teixeira Coelho, das cores
singulares ou duplas que iam mudando de número para número e que
aqui se mantêm. Cores as quais, se no original se espalhavam em
manchas por vezes menos elegantes para vislumbrar a linha do artista,
aqui surgem como nimbos que a sublinham e destacam, na verdade.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Houve uma
edição anterior recente, com um trabalho de recoloração digital,
a qual, tendo os seus méritos, sobretudo de tentativa de
recirculação, trouxe um uso de cor contemporâneo, texturado, de
gradientes que, francamente, apagava por completo o trabalho burilado
de E.T. Coelho e, mais desvirtuava a capacidade da qualidade
arquivística da série. Tendo tido o privilégio de ver de perto e
até manipulado obras e esboços originais do desenhador, existem
aqui vinhetas que são autênticas pérolas de iustração realista,
composição heróica, e momentos de grande dramaticidade. Mas
igualmente figuras perras, atalhos menos felizes, histrionismos
desnecessários, e tropelias incompreensíveis, todas próprias do
“fabrico” comercial da época. A questão da cor, todavia, tem-se
igualmente passado com muitos trabalhos de recoloração recentes em
companhias como a Marvel, DC e outras norte-americanas, tal como
discutido com mestria por José Villarubia (<i>mini-masterclasses</i>
no Facebook, e de borla!).</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Regressando
a uma tecla tantas vezes repetida no Lerbd, esta é uma daquelas
edições que vem assegurar a “recuperação da memória”, e
estamos em acreditar que haverá matéria aqui de inquirição
histórica e política da produção da banda desenhada nacional,
contraste entre as condições de produção de então e hoje, formas
de escrever história e questões de beleza e estética na linguagem
desta arte.</span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-38346485091397795732024-03-08T09:16:00.006+00:002024-03-08T09:16:56.889+00:00Fernando Pessoa para todas as Pessoas - "MENSAGEM"<iframe frameborder="0" height="270" src="https://youtube.com/embed/0uhu4BcoW8A?si=GkvW5PfeSAMOzHHe" style="background-image: url(https://i.ytimg.com/vi/0uhu4BcoW8A/hqdefault.jpg);" width="480"></iframe><div><br /></div><div><span style="font-family: georgia;">Entrevista no programa de webrádio de Ricardo Belo de Morais , <i>Fernando Pessoa para todas as pessoas</i>, com a Susa Monteiro e comigo, a propósito da adaptação da <i>Mensagem </i>( Levoir ). </span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-72637060962462310822024-03-05T16:12:00.001+00:002024-03-05T16:12:37.087+00:00Sunny, vols 1 e 2. Taiyo Matsumoto (Devir)<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrbPTmbLaOTrCW-_jFNiYT6_csTJT2xxNRfO3WKhqtDgKCzKNyl_FW_vjfN3_CleJ5C_SGu5QP70YALHZIi6QVuly9evLdSlWC90oucNm3qiZ8SC6-Z4xnfBFrTkWgmS8nWx3LWm4h94cj_-336ZItT4wn8g5VTzy-_Ng-4bokyo0TdtguAmc8mw/s2992/Taiyo%20Matsumoto,%20Sunny%201%20e%202%20%20(Devir).jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2992" data-original-width="2992" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrbPTmbLaOTrCW-_jFNiYT6_csTJT2xxNRfO3WKhqtDgKCzKNyl_FW_vjfN3_CleJ5C_SGu5QP70YALHZIi6QVuly9evLdSlWC90oucNm3qiZ8SC6-Z4xnfBFrTkWgmS8nWx3LWm4h94cj_-336ZItT4wn8g5VTzy-_Ng-4bokyo0TdtguAmc8mw/s320/Taiyo%20Matsumoto,%20Sunny%201%20e%202%20%20(Devir).jpg" width="320" /></a></span></div><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">Há um
livro bastante influente, da área das Ciências Sociais da Ciência
e Tecnologia, de Sherry Turkle, que cunhou uma expressão, ou melhor,
um descritivo de um determinado tipo de obectos, a que ela chamou
“evocativos”. São estes objectos a que uma pessoa, de um modo
quase singular, muito pessoal, mas perfeitamente familiar para quase
todos nós, atribui uma tal significância cultural que espoletará
respostas emocionais, de memórias ou reflexões particularmente
fortes. Um papel, foto, bilhete, cartão que temos sempre na
carteira, uma concha ou bugiganga qualquer que temos sempre connosco,
um objecto foleiro que dispomos em casa, uma relíquia que estimamos.
Seja o que for, esse objecto existe não apenas como âncora de algo
do nosso passado, ou que reclamamos para nós, mas que se torna
igualmente um veículo das nossas próprias (auto-)narrativas ou de
conexões emocionais.<span><a name='more'></a></span></span><p></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: large;">Se se
acreditar, pelo menos nos seus traços gerais, na teoria
psicanalítica, essa descrição poderá recordar os chamados
“objectos transicionais”, conceito desenvolvido por Donald
Winnicott, e que diz respeito a algo que serve de “ponte”, num
estado de desenvolvimento infantil, entre o si e o mundo externo,
contribuindo sobremaneira para o bem-estar emocional enquanto se
cresce. A mais famosa ilustração desses objectos é, sem dúvida, a
“fralda” do Linus, dos </span><i style="font-family: georgia; font-size: large;">Peanuts</i><span style="font-family: georgia; font-size: large;"> de Shulz. Mas poderia ser
um brinquedo, um boneco de peluche, uma peça de roupa, etc. e, mais
uma vez, é um mecanismo de gestão entre a realidade externa e um
mundo interno, de fantasia.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgg_T111VPZDeVyyxifxeVdoR3hF_ceP8jrNxfPM2DpCyl3SDoriODaV38C-p7Eisn3wQs89mmSauGF6VqYu0NlqDZnAdWGMtgOkElYBNDoyE-qZVmYaiiJUiw0Sy1POX86IxTUlxdcWHLFojmEQLlJJu89XCf42P9dIoc5zq9N37LP8Xex-e0Xrg/s1280/Taiyo%20Matsumoto,%20Sunny%20poster.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="912" data-original-width="1280" height="285" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgg_T111VPZDeVyyxifxeVdoR3hF_ceP8jrNxfPM2DpCyl3SDoriODaV38C-p7Eisn3wQs89mmSauGF6VqYu0NlqDZnAdWGMtgOkElYBNDoyE-qZVmYaiiJUiw0Sy1POX86IxTUlxdcWHLFojmEQLlJJu89XCf42P9dIoc5zq9N37LP8Xex-e0Xrg/w400-h285/Taiyo%20Matsumoto,%20Sunny%20poster.jpg" width="400" /></a></div><span style="font-family: georgia; font-size: large;"><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: large;"><br /></span></p>O título
desta série de Matsumoto Taiyo diz respeito a um Nissan Sunny 1200,
um automóvel “morto”, abandonado num pequeno baldio ao lado da
Casa de Acolhimento Hoshinoko, na qual habita quase uma dezena de
crianças deixadas ao cuidado do estado, e os seus cuidadores. Cada
uma destas personagens tem uma personalidade forte, vincada, marcada
por comportamentos, medos, desejos, birras, gostos, respostas-chave,
e cujas características servirão para uma combinatória nas
relações entre eles mesmos e terceiros de fora desse círculo,
inclusive, quando possível, os progenitores que os visitam,
contactam, mas nunca recuperam de forma decisiva.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: large;">Leitores
do fantasioso e cross-genre </span><i style="font-family: georgia; font-size: large;">No. 5</i><span style="font-family: georgia; font-size: large;">, da novela de liceu
desportiva </span><i style="font-family: georgia; font-size: large;">Ping Pong</i><span style="font-family: georgia; font-size: large;">, ou da aventura de alta octanagem
</span><i style="font-family: georgia; font-size: large;">Tekkonkinkreet</i><span style="font-family: georgia; font-size: large;"> poderão ser levados a pensar, num repente, que
teríamos entre mãos mais uma longa novela relativamente fácil,
leve, e divertida, mostrando as desventuras de todo um rol de
personagens jovens </span><i style="font-family: georgia; font-size: large;">sui generis.</i><span style="font-family: georgia; font-size: large;"> O seu aparente realismo
revelaria uma ancoragem em situações de </span><i style="font-family: georgia; font-size: large;">slice of life</i><span style="font-family: georgia; font-size: large;">, mas
estaríamos num território relativamente seguro em termos da
complexidade das emoções. Afinal, crianças tão novas não poderão
transmitir uma ideia de finitude da vida, por exemplo, ou isolamento,
de um modo tão impactante quanto pessoas com mais experiência de
vida.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: large;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0AT4NQ4dJX8MXR9W6W4FtV73tvzY4YLQrvKDC4Vh9QybR_BylmONAUBxrIEvNvU2lLjed5FpvYp2qmAoa4N4YPKTLk9sV7SXMfw6GbYRYV6d5-VGx8fhSjM3YJ9Ylu-qMhMJPrCKBVSzKK9OAQrxUZ96ASKJxvGb0s1PVO1VWP2w_qWlRxypkQQ/s2992/Taiyo%20Matsumoto,%20Sunny%2003.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2992" data-original-width="2992" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0AT4NQ4dJX8MXR9W6W4FtV73tvzY4YLQrvKDC4Vh9QybR_BylmONAUBxrIEvNvU2lLjed5FpvYp2qmAoa4N4YPKTLk9sV7SXMfw6GbYRYV6d5-VGx8fhSjM3YJ9Ylu-qMhMJPrCKBVSzKK9OAQrxUZ96ASKJxvGb0s1PVO1VWP2w_qWlRxypkQQ/s320/Taiyo%20Matsumoto,%20Sunny%2003.jpg" width="320" /></a></div>Precisamente
o oposto tem lugar em <i style="font-family: georgia; font-size: large;">Sunny</i><span style="font-family: georgia; font-size: large;">. O facto de serem crianças
“abandonadas” - sem moralidade, aqui, até porque a maior parte
deles não apresenta uma clara </span><i style="font-family: georgia; font-size: large;">backstory</i><span style="font-family: georgia; font-size: large;"> que faça compreender
de modo total qual a razão de ali terem ido parar, mesmo que a
personagem de Sei possa servir de “filtro de apresentação” do
lar, as suas personagens, rotina e dinâmica – cria de imediato uma
situação que nos convida (obriga?) a escutar as suas palavras e
atitudes e pensamentos sobre essa mesma situação com atenção
plena. E o resultado é, quase sempre, mais que tocante, doloroso.
Quase todas elas são muito cientes da condição das suas vidas, são
inteligentes a ponderar sobre isso, e até a “defender-se”, mesmo
que em alguns casos (sobretudo Haruo; a cena deste a “confessar”
que a oferta dele ser adoptado por um realizador de documentários
televisivos é dolorosa [v. imagem]) essas reacções pareçam desajustadas,
violentas, displicentes, juvenis, etc. É apenas a raiva a encontrar
caminhos alternativos, estúpido!</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">Independentemente
da idade e da condição deles, e do grau de relação que têm com
os pais (alguns visitam os pais no trabalho, outros recebem os pais
em visitas ou encontros fugazes, outros apenas contactam por
telefone, outros vivem na sombra da expectativa de uma carta que
nunca, nunca chega), vemo-los não apenas a navegar os vários
matizes do abandono, do isolamento e da solidão (mesmo numa casa tão
cheia, mesmo com brincadeiras boas, mesmo com solidariedade mútua,
há sempre um espaço de absoluta solidão, como se soubessem que o
consolo humano, à la Stigerman, não encontrará satisfação
nenhures), mas a aceder, de quando em vez, a um espaço de fuga, um
escape, uma fantasia protectora: o Sunny. O carro, abandonado ele
também, sem “pai”, mas que lhes serve de porto de abrigo, sala
de leitura, ponto de encontro, palco de diálogos profundos, mas
igualmente de carro de corridas malucas, nave espacial, ou pura e
simplesmente canto para estar sozinho e pensar com os seus botões. O
Sunny é o objecto evocativo que todos partilham, criando o elo
principal entre as crianças – mesmo que seja invisível para elas,
mesmo que nunca o digam, não percebam sequer. Ele também é um
objecto transicional através do qual elas gerem as dores e
frustações dos seus crescimentos diferentes nesse afastamento
parental e aproximação geracional uns com os outros (e demais
personagens, desde o administrador, o sr. Adachi, ou o alienado
mental Taro, ou as lojas e ruelas e animais à volta da casa).</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-VFZLVFndHC5lb6f3PKNdXh7jEaLNVzexMjMpPCWamBsCukh9AAqpvJIkQ5uI80WSlX9QVvTub2VdM-Mhk7jRPQxvxPBFBKNo2j2N3KSUC1KLL1apwSRFdm8zbNorLmonyB7lKZTzWRouTnnqTqCGNwx9yyzMwu9sk_cMrkhTMNHYlImSTRwfBQ/s2992/Taiyo%20Matsumoto,%20Sunny%2001.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2992" data-original-width="2992" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-VFZLVFndHC5lb6f3PKNdXh7jEaLNVzexMjMpPCWamBsCukh9AAqpvJIkQ5uI80WSlX9QVvTub2VdM-Mhk7jRPQxvxPBFBKNo2j2N3KSUC1KLL1apwSRFdm8zbNorLmonyB7lKZTzWRouTnnqTqCGNwx9yyzMwu9sk_cMrkhTMNHYlImSTRwfBQ/s320/Taiyo%20Matsumoto,%20Sunny%2001.jpg" width="320" /></a></span></div><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">Alguma da
recepção mais popular sente-se frustrada na leitura destes volumes,
uma vez que não existe uma absoluta centralidade de um só
protagonista e depois a perseguição de uma unidade de acção na
narrativa. Com efeito, não estamos de forma alguma perante uma
estrutura aristotélica e centrada na “unidade”. Há, pelo
contrário, uma multiplicidade da atenção, em que cada capítulo
elege uma das crianças da Hoshinoki, focando-se nela de forma
singular ou em relações com outra ou outras personagens, para
criar, em cada qual, uma narrativa finita. Não quer isto dizer que
não se possam notar em elos de um capítulo para o outro,
consequências morais ou de emoções que ocorram num capítulo
desembocando na melhor compreensão dos eventos de um outro, mas sem
quaisquer tipos de – para já, nos dois volumes iniciais –
crescendo linear. Mas se os leitores lerem, não com a pressa da
totalidade, cada um dos relatos individuais de forma pausada, e
deixarem o impacto de cada capítulo ecoar nas suas mentes, e
corações, entenderão a potência fulminante de Matsumoto.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">Não
sabendo japonês, não entenderei qual é a subtileza da diferença
entre as palavras que são empregues no original e que criam uma
espécie de binarismo (num sentido de tensão de duas noções
distintas), e quem em português é traduzida, em ambos casos, por
“casa”. Mas o leitor compreende de imediato que existe uma
espécie de patina que cobre aquelas crianças que vivem na dita casa
de acolhimento Hoshinoko, e as outras com que dividem as aulas na
escola e que vivem com os seus pais. Ambos têm casa, mas essa noção
não diz respeito somente a um espaço com tecto, nem um nexo em que
co-habitam familiares (de sangue) ou até de uma relação de
amizade. É um traço na construção das suas identidades, é um
descritivo (não-dito) de quem são, e que os fundaciona.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSH8MEIj9HQu4ooWcjOa9OYNSMTLrSXWrHen6TOvJQ__OfPidWzOZcPIts-T56Jn1fOlqXCj8z5QjgR1PDlOxe7-Ousc0gEW9HJP7WNzIMA5Zk9F67KrTneCz-gOhHUpL1VyG4OQOo4N1EST9vWw0gKlO5WzJYiGM0dedFDNFPXQCfphYcs8zhsg/s2992/Taiyo%20Matsumoto,%20Sunny%2002.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2992" data-original-width="2992" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSH8MEIj9HQu4ooWcjOa9OYNSMTLrSXWrHen6TOvJQ__OfPidWzOZcPIts-T56Jn1fOlqXCj8z5QjgR1PDlOxe7-Ousc0gEW9HJP7WNzIMA5Zk9F67KrTneCz-gOhHUpL1VyG4OQOo4N1EST9vWw0gKlO5WzJYiGM0dedFDNFPXQCfphYcs8zhsg/s320/Taiyo%20Matsumoto,%20Sunny%2002.jpg" width="320" /></a></span></div><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">O desenho
de Matsumoto é um misto entre uma expressividade nervosa e um
minimalismo estilista, nesta série. Usando o que imagino ser canetas
de várias espessuras, aplicações de aguadas, e, nas páginas a
cor, ecolines e outras tintas em papel pardo, criando de imediato
texturas, o artista lança mão de técnicas diversas para criar um
permanente desequilíbrio e dinamismo nas cenas. A composição é
particularmente influenciada por autores europeus, tirando partido de
estratégias retóricas de diversidade do tamanho e distribuição de
vinhetas, por vezes mesmo multiplicando o seu número até às 6 ou 7
(o que não é muito comum na <i>mangá</i>), e até mesmo a
enquadramentos muito apertados, atenções “ambientais”,
diminuindo o tempo, sempre no intuito de criar espaço suficiente
para as emoções, pensamentos, choques, terem tempo de serem geridas
não apenas pelas personagens, mas pelo leitores também.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">Esta é
uma série de precisa de leitores alheios a estratégias de fantasia
fácil, ou <i>storytelling</i> com pressa de chegar ao <i>clímax</i><span style="font-style: normal;">.
Sunny apresenta-nos pequenos momentos, intervalos nas vidas destas
crianças, que estão já pejados de emoções em todas as perguntas
que fazem, em todos os gestos que cumprem, em busca de quem as oiça
e ame.</span></span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;">Nota
final: agradecimentos à editora, pela oferta dos volumes. </span>
</p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-52424000355069206162024-02-27T16:29:00.003+00:002024-02-27T16:29:35.515+00:003 Graus de Carequice - Episódio 78 - ESTANTES<div><iframe frameborder="0" height="270" src="https://youtube.com/embed/mht4vKl2j48?si=sJf40kg-__tmOTER" width="480"></iframe></div><div><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div><span style="background-color: white; color: #0d0d0d; white-space-collapse: preserve;"><span style="font-family: georgia;">Um programa sugerido por um dos nossos espectadores/ouvintes, falamos, de uma maneira menos controlada, sobre que livros desapareceram da nossa estante por os termos "emprestadado" a alguém, e que papel isso tem no nosso imaginário e forma de nos relacionarmos com as posses terrenas, para mais ditadas pela banda desenhada... Simples, né?</span></span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-32261964587921693312024-02-02T12:17:00.002+00:002024-02-02T12:17:18.394+00:003 Graus de Carequice - Episódio 77 - VIOLÊNCIA<iframe frameborder="0" height="270" src="https://youtube.com/embed/_Ar8xuFFaUk?si=GaXzHOg_5wtfiEfc" width="480"></iframe><div><br /></div><div><span style="background-color: white; color: #0d0d0d; white-space-collapse: preserve;"><span style="font-family: georgia;">O cansaço nota-se, mas nós vamos à lide. E a metáfora é lixada, pois sendo o tema a "violência", como conceito, é tão alargado que apetece morder os punhos. Mais uma vez, um slalom de ideias e referências. Por Santiago, à bulha!</span></span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-19478552888863698442024-01-29T14:02:00.002+00:002024-01-29T14:02:36.249+00:00Almada no fio do tempo. Carlos Guerreiro, Mariana Matos e Tiago Albuquerque. (Câmara Municipal de Almada)<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh19eUZBHyfUB6v3umzgaKn5YvYaVtw0735NifvsthxIf4awlaEaTdPSA4Y3e8k4dKcgh0EQUn0hKsyGW7q3QCLXOIt7vqEgVxWDXVpuWfz_IdshSpL1d6G-72MbBoTBasGJkK3puMxpsCFS2ga2jnTpKpRS9kV1nfwkwNX6KhWwIq0QJdit3YTLg/s2236/Guerreiro,%20Matos%20e%20Albuquerque%20-%20Almada,%20no%20fio%20o%20tempo,%20capa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2236" data-original-width="1662" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh19eUZBHyfUB6v3umzgaKn5YvYaVtw0735NifvsthxIf4awlaEaTdPSA4Y3e8k4dKcgh0EQUn0hKsyGW7q3QCLXOIt7vqEgVxWDXVpuWfz_IdshSpL1d6G-72MbBoTBasGJkK3puMxpsCFS2ga2jnTpKpRS9kV1nfwkwNX6KhWwIq0QJdit3YTLg/s320/Guerreiro,%20Matos%20e%20Albuquerque%20-%20Almada,%20no%20fio%20o%20tempo,%20capa.jpg" width="238" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Este é um
objecto ambíguo. Por um lado, é um livro que pretende apresentar-se
como um retrato dos cinquenta anos desde que Almada se tornou cidade.
É dessa forma que o projecto emerge, do ponto de vista editorial,
político e financeiro, no seio dessas mesmas comemorações. Por
outro, por graça dos seus autores, a sua matéria tece-se como uma
ficção em torno de um par de personagens, e tenta criar uma intriga
misteriosa, fantástica até, que se vai intercalando com momentos
conhecidos, importantes ou marcantes desses mesmos 50 anos.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">De uma
forma sucinta, o livro centra-se na vida de um jovem rapaz, Pedro,
que nasce em 1973 e vai vivendo em Almada até aos anos 1989, o
momento mais avançado na diegese do livro. Dessa forma, imaginamos,
estará próximo da vivência empírica do argumentista deste livro,
Carlos Guerreiro. Mas Pedro tem um elo com o seu tio Vasco,
relojoeiro, que a dado momento da sua vida desapareceu, coincidindo
quase com o fecho e desmantelamento do famoso farol de Almada,
posteriormente recolocado na ilha Terceira. Esse elo traduz-se
através do tropo do “objecto mágico”, no caso, um gnómon, que
é mapa, pista e chave do tal “mistério”, e este revela-se ser
uma “máquina no tempo”.<span></span></span></p><a name='more'></a><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFiTg2Ep6dXQ_nz7PA3nsPcsBoVsYu9zARXb25M-FkUKIPwNoVyC4s0m3hhYR4OD-Xy21n7cYtMPdVL2TOd-sF4bN4F8-xnsxasUYaFDnK0XjHXVv47VW07wS09rm8wp7FUiEdhMWCtlC8dKwTetxCjbs83lUzn0E8VYKqVx8zAqhr7VByXEMdhw/s2665/Guerreiro,%20Matos%20e%20Albuquerque%20-%20Almada,%20no%20fio%20o%20tempo,%202.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2665" data-original-width="1800" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFiTg2Ep6dXQ_nz7PA3nsPcsBoVsYu9zARXb25M-FkUKIPwNoVyC4s0m3hhYR4OD-Xy21n7cYtMPdVL2TOd-sF4bN4F8-xnsxasUYaFDnK0XjHXVv47VW07wS09rm8wp7FUiEdhMWCtlC8dKwTetxCjbs83lUzn0E8VYKqVx8zAqhr7VByXEMdhw/s320/Guerreiro,%20Matos%20e%20Albuquerque%20-%20Almada,%20no%20fio%20o%20tempo,%202.jpg" width="216" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Acompanhando
a vida de Pedro, dos seus pais, do tio, permite-nos uma visão
atomizada, não-centralizada, destas personagens. Mais, uma vez que
temos acesso a outros momentos da história de Almada, como a
inauguração do farol em 1886, ou o golpe de 1931 do reviralhismo
(não indicado de forma explícita), o narrador assume-se totalmente
como omnisiente, permitindo-lhe articular uma navegação temporal em
contínuo vaivém, mas infelizmente nem sempre de forma consentânea.
Há como que uma lista de tópicos necessários de “citar” (como
se pode entender pelo <i>blurb</i>
do livro), os quais todavia não se tecem numa organicidade interna,
precisa e necessária. Por outras palavras<span style="font-style: normal;">,
acaba por não se criar uma narrativa coerente e satisfatória em que
se “resolva” o </span><i>fio</i><span style="font-style: normal;">
indicado, nem o do tempo nem o da intriga.</span>
Mais, o fecho do livro aponta a uma putativa continuação “fora”
do livro, mas não assegurada e que, em relação ao livro que se
acaba de ler, diminuindo ainda mais a tal satisfação da intriga.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Pouco
menos de metade do livro (com umas 40 e poucas páginas) é ocupada
pela vida de Pedro, na sua infância, adolescência, primeira idade
adulta, e inclusive um nível onírico (ou de “visões”, que
contribui para o adensamento da intriga mágica). Isso permite criar
pequenos quadros de revivências, memórias que poderemos partilhar
enquanto leitores da mesma geração, quiçá mesmo com experiência
directa das mesmas esferas de eventos, pormenores, objectos, locais e
comportamentos. Aí, mais uma vez, roça muitas das “novelas
suburbanas” que tanto apreciamos. Mas parece-nos que este é um
problema na <i>natureza</i>
deste livro. Recordemo-nos de como discutimos <i>Vale
dos Vencidos </i>como sendo um
livro “de tese”, em que a dimensão romanceada era muito pouco
importante, e mais valia descortiná-lo como uma sucessão de quadros
diversos que vão contribuindo para um mesmo assunto central. Estamos
em crer que <i>Almada</i>
almejaria fazer o mesmo, criando uma “colagem” com os vários
momentos importantes da vida da cidade, mas como persegue ao mesmo
tempo um desejo narrativo, e tão concentrado na intriga central, que
acaba por não se resolver, cria uma confusão dessa mesma natureza,
e não se coalesce na sua identidade.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqavyfbA4KglEVUBCKYHb1MHofbCE69NiOdWhQMGKWtI98mcnzNBqefBJrMmtJ3OOhydSZC44TQZ5c-TZfW4D8RspVljIIz6cQrjud2pFSP_bfoNpWIrb0mBqL29CJ5hGn9oq5RAGB5OSwDDrvkwxCV7Dn_1NIea-7uGqHkpfF8_2e15skgv4zGw/s2834/Guerreiro,%20Matos%20e%20Albuquerque%20-%20Almada,%20no%20fio%20o%20tempo,%201.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2834" data-original-width="1636" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqavyfbA4KglEVUBCKYHb1MHofbCE69NiOdWhQMGKWtI98mcnzNBqefBJrMmtJ3OOhydSZC44TQZ5c-TZfW4D8RspVljIIz6cQrjud2pFSP_bfoNpWIrb0mBqL29CJ5hGn9oq5RAGB5OSwDDrvkwxCV7Dn_1NIea-7uGqHkpfF8_2e15skgv4zGw/s320/Guerreiro,%20Matos%20e%20Albuquerque%20-%20Almada,%20no%20fio%20o%20tempo,%201.jpg" width="185" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">A
prestação gráfica do livro é muito curiosa. Com desenhos
esboçados por Mariana Matos, uma nova artsta com que nos cruzámos
em contexto escolar, com quem já colaborámos e voltaremos a
colaborar, e depois burilados por Tiago Albuquerque, cujo “regresso”
à banda desenhada saudamos, o resultado final parece um casamento
final entre a figuração de um Al Hirschfeld, a bd dos anos 1980 de
um Max ou Jaime Martin, ou a bruteza do claro-escuro de um Keko, pelo
uso “achatado” das sombras, um contraste não-natural das linhas
e fundo, numa estilização marcante, e dentro um de trabalho de
composição de páginas suficientemente variado para criar dinâmicas
distintas. O grau de sofisticação flutua, de momento para momento,
mas parece-nos adequado às flutuações já discutidas da narrativa.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">O livro
tem ainda, infelizmente, alguns pequenos problemas igualmente de
gralhas e anacolutos, que mancha, de resto, um texto muito atento aos
diálogos reais, vivos, quase gravados na memória e experiência de
muitos de nós.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;">Nota
final: agradecimentos a CMA, pela oferta do livro. </span>
</p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-55395063284589642902024-01-28T16:07:00.003+00:002024-01-28T16:07:26.710+00:00Partir a loiça (toda). Luís Barreto (Chili Com Carne)<p style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="font-family: georgia; font-size: small;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><p style="height: 0px;"></p><p style="height: 0px;"></p><h3 style="height: 0px;"><span style="font-family: georgia; font-size: small;"><span style="font-family: georgia; font-size: small;"><div style="text-align: left;"></div></span></span></h3><p></p><div style="margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiD8_ECIl465NjCLlWHW59BMFxfLfF1k9-NE7vdfE7_fizo0wQS4EBFOoEg4w_GIxqDDrydAzkz55YmBJjCu2Vy8Tcm53y4thao1cPouyX7esyhRIbOekCzhCuf6O-1W_2_i0iQoBLGntajlnavIykjGoSsRs3PiJ1katVHgyd9gAbQ1eCccVx0wQ/s2463/Lu%C3%ADs%20Barreto%20-%20Partir%20a%20loi%C3%A7a%20(toda),%20capa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2463" data-original-width="1685" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiD8_ECIl465NjCLlWHW59BMFxfLfF1k9-NE7vdfE7_fizo0wQS4EBFOoEg4w_GIxqDDrydAzkz55YmBJjCu2Vy8Tcm53y4thao1cPouyX7esyhRIbOekCzhCuf6O-1W_2_i0iQoBLGntajlnavIykjGoSsRs3PiJ1katVHgyd9gAbQ1eCccVx0wQ/s320/Lu%C3%ADs%20Barreto%20-%20Partir%20a%20loi%C3%A7a%20(toda),%20capa.jpg" width="219" /></a></div></div></div><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Começo
por indicar que recebi um exemplar deste zine uma vez que fiz parte
do júri do concurso “Toma lá 500 paus e faz uma B.D.”, enquanto
sócio da Tinta nos Nervos, “bolsa” promovida pela editora, e de
que o autor foi o vencedor. Durante o processo, foram esgrimidos
argumentos sobre as obras concorrentes, e um dos pontos que
compreendi desde logo é que este projecto era a “cara” do
catálogo da Chili, ainda que compreenda a diversidade editorial
ofertada por esta plataforma (mesmo que alguns agentes mais
distraídos insistam que se trata da “mesma coisa”. É falso.).<span></span></span></p><a name='more'></a><p></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Essa
“cara” traduz-se aqui por uma atenção particular para com a
realidade urbana portuguesa, real, ancorada, e jamais transfigurada
em fantasias ou denominadores comuns que tentam domesticar a imagem
da(s) cidade(s) e das gentes de uma forma fácil de consumir, vulgo
“postal”. É algo que tem a imediaticidade da escrita diarística,
apesar das suas roupagens representacionais, uma recordação de algo
ainda quente na experiência, traduzido de forma simples, célere, e,
pasme-se, divertida. Se não é um “espelho da sociedade
contemporânea”, é um suficiente retrovisor e, como tal, talvez
sirva para não sermos ultrapassados.</span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span><span style="font-family: georgia; font-size: small;">Tendo
iniciado a sua vida no zine <i>Danny & Arby</i>, mais tarde
compilados pela CCC em <i>Lúcidos, Sãos e Determinados</i>, este
pequeno volume de 40 páginas dá continuidade às aventuras das suas
personagens, que podemos eventualmente acreditar tratar-se de
avatares do próprio autor e seus companheiros (“da penumbra”,
apetece acrescentar). Um pouco como o trabalho de Joe Matt, Chester
Brow e companhia nos anos 1990, ou mais recentemente as
transfigurações assumidas por Simon Hanselmann e a sua troupe de
desgraçados. Aliás, visual e estilisticamente, está mais próximo
desta última referência. Como escrevi na altura das decisões, isto
parece-me <span style="color: #222222;">“Regular
Show smokes dope”.</span></span></span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span><span style="font-family: georgia; font-size: small;"></span></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span><span style="font-family: georgia; font-size: small;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjU4dKNcSvMsgBNs_zQGSqkDUd7pBCP0b2SeY0CnRK2ic0WSNR5nN30IRY3klVCjThENA3PbhxXuGucxMejWoqROWAbCs_NpWKlvLOBmJzar4ym6Bk1lGJhQQPob2c1adpYpAg7zVgWXFNFgJPVBAsvG5oAvd8SF_bSd4K-xe4I-wui7OIOU14yrQ/s3361/Lu%C3%ADs%20Barreto%20-%20Partir%20a%20loi%C3%A7a%20(toda),%20tira.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1800" data-original-width="3361" height="214" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjU4dKNcSvMsgBNs_zQGSqkDUd7pBCP0b2SeY0CnRK2ic0WSNR5nN30IRY3klVCjThENA3PbhxXuGucxMejWoqROWAbCs_NpWKlvLOBmJzar4ym6Bk1lGJhQQPob2c1adpYpAg7zVgWXFNFgJPVBAsvG5oAvd8SF_bSd4K-xe4I-wui7OIOU14yrQ/w400-h214/Lu%C3%ADs%20Barreto%20-%20Partir%20a%20loi%C3%A7a%20(toda),%20tira.jpg" width="400" /></a></span></span></div><p style="margin-bottom: 0cm;"><span><span style="font-family: georgia; font-size: small;"><span><span style="font-family: georgia; font-size: small;"><br /></span></span></span></span></p><span><span style="font-family: georgia; font-size: small;">Arby,
Buddy, Danny, etc. apanham o comboio para a zona dos bares e clubes
(presumo que possa ser lido como uma deslocação de um subúrbio
qualquer para uma cidade qualquer, seja Lisboa, Porto ou Braga, mesmo
que haja modelos muito precisos e que, confesso, falhe em
identificar; neste aspecto, percebemos as afinidades com Nunsky e
Smith Vargas). Vão ver uma noite de concertos ao vivo, de várias
bandas (posso falar de “hardcore” como género e não
complicar?), de que são ora amigos ou membros. Para sorte nossa, o
zine tem um CD com duas faixas por cada uma das três bandas que toca
nessa noite, podendo mesmo ler as letras e ouvi-las na sua gloriosa
fúria sonora. E os Tinnitrus são uma espécie de “wetdream”
conceptual para mim. Fuma-se, bebe-se, flirta-se, dizem-se tantas
bacoradas como coisas mais sérias, sempre nas roupagens de uma
linguagem descomplexada, viva e verdadeira, mesmo que não seja
aquela que cultivemos (a.k.a., velhadas a escutar os putos).</span></span><p></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRMJLpSfyzwwLkBWmMHlj2z5akakm6JL5i2Y7sIxBOycnt95HghLl-CZBS2RPjjzv-XaK0QZp_It0KHwxLgEbBpny7PRu56-4c-U94QdiwergjgkYb7N2b44fasJJVOqQSkMu7g6Q4WysSQthZ3CZAaraB9mW-EOLul7xksxpjNYbpScSBlfjL9w/s2207/Lu%C3%ADs%20Barreto%20-%20Partir%20a%20loi%C3%A7a%20(toda),%20spread.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1603" data-original-width="2207" height="290" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRMJLpSfyzwwLkBWmMHlj2z5akakm6JL5i2Y7sIxBOycnt95HghLl-CZBS2RPjjzv-XaK0QZp_It0KHwxLgEbBpny7PRu56-4c-U94QdiwergjgkYb7N2b44fasJJVOqQSkMu7g6Q4WysSQthZ3CZAaraB9mW-EOLul7xksxpjNYbpScSBlfjL9w/w400-h290/Lu%C3%ADs%20Barreto%20-%20Partir%20a%20loi%C3%A7a%20(toda),%20spread.jpg" width="400" /></a></span></div><span><span style="font-family: georgia;"><p style="margin-bottom: 0cm;"><span><span style="font-family: georgia;"><br /></span></span></p>Há
relativamente pouco tempo, discuti a questão do meu próprio </span><i style="font-family: georgia;">Cthulhu
Sadino t</i><span style="font-family: georgia;">er apenas umas poucas deenas de páginas e alguém
mencionar que “poderia ser mais”. Mas o que quer isso dizer, “ser
mais”? Mais páginas? Para quê? Se um autor tem uma narrativa ou
significado burilado, deve transmitila na melhor forma que lhe for
adequada, e ser-se concentrado, directo e curto pode ser mais eficaz
e impactante, do que encher com “palha” durante páginas, só
para aumentar a sensação de que se está num território mais digno
(a “novela gráfica” ou o “álbum”). Este formato é ideal. A
partir do momento em que se liga, é sempre a abrir.</span></span><p></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Há
uma vivacidade nos desenhos de Barreto tipicamente zinescos, tão
verdes como com pêlo na venta. Fúria da esferográfica. Papéis
baratos que podem ser páginas de bd ou filtros manhosos para charros
partilhados. Compreendi todas as referências? Nem por sombras. Mas a
energia que nos passa a espinha quando ouvimos as baquetes a marcar o
tempo antes da explosão de um tema punk é uma expectativa que
atravessa este zine.</span></p>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-41786823099250788162024-01-22T15:17:00.003+00:002024-01-22T15:17:26.828+00:00Crítica a "Pobres Criaturas" (Y. Lanthimos, 2023) no Bandas Desenhadas.com<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2L2qV6a61C0CTisHdHeRHIunDtbf_Vtkr5WKtNaHJnHQOqDGO5kp258T_TRPcokc7wfCjefN4GtR1E_aiGaEw_SJrKmv9Vap_N8frsDpj5WLWed_eHIdPdSOWRRyGVEOD-si7yaBEzYRrKwcbyyQsRPyqwgfkLTU4bEsEm9jBcm4sYutz0toaTw/s1024/poor.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="717" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2L2qV6a61C0CTisHdHeRHIunDtbf_Vtkr5WKtNaHJnHQOqDGO5kp258T_TRPcokc7wfCjefN4GtR1E_aiGaEw_SJrKmv9Vap_N8frsDpj5WLWed_eHIdPdSOWRRyGVEOD-si7yaBEzYRrKwcbyyQsRPyqwgfkLTU4bEsEm9jBcm4sYutz0toaTw/w280-h400/poor.jpg" width="280" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;">A convite do Bandas Desenhadas.com, assisti à estreia do filme <i>Pobres Criaturas</i>, de Yorgos Lanthimos, e escrevi um texto longo sobre o filme, o livro e a sua prestação. Podem ler primeiro, que não revalo muito da intriga, mas posso influenciar o juízo de valor. Ou não, o que ainda bem para todos.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;">Podem aceder directamente <a href="https://bandasdesenhadas.com/2024/01/22/pobres-criaturas-critica-estreia-25-de-janeiro/">aqui</a>.</span></div><br />Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-1151766950369837362023-12-30T19:20:00.002+00:002023-12-31T12:54:44.210+00:00Vale dos Vencidos. José Smith Vargas (Chili Com Carne)<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1F1XWEpmpBVHdd_6t58UB_glWt3KcgUJEzTw0pyZasNnS6tSKY4UWQNvjFmyXaAGUM-GcZG0UA_01O1fKRkG8Bgme9-DHXbIfi982_zmF7rYRg5fEiNZRZ6Jxy8Ds6FIa0nCsAnqE3XCvPMhuKDSVosLwXs65LJe8A-Zt7UBb5wunrtWjhc-R1w/s800/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%20capa.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="574" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1F1XWEpmpBVHdd_6t58UB_glWt3KcgUJEzTw0pyZasNnS6tSKY4UWQNvjFmyXaAGUM-GcZG0UA_01O1fKRkG8Bgme9-DHXbIfi982_zmF7rYRg5fEiNZRZ6Jxy8Ds6FIa0nCsAnqE3XCvPMhuKDSVosLwXs65LJe8A-Zt7UBb5wunrtWjhc-R1w/s320/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%20capa.jpg" width="230" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">O
título do primeiro capítulo, “Brumário”, é todo um programa.
Não apenas se refere à época do Outono, de acordo com o calendário
da Revolução Francesa, como necessariamente recorda igualmente o
livro de Karl Marx sobre o golpe que veria a emergência do Segundo
Império, <i>O 18 de Brumário de Luís Bonaparte</i>, e que no fundo
poderá ser lido como uma aplicação da teoria da luta de classes
mas igualmente a análise da construção de figuras salvíficas e
quase-messiânicas a contrapelo a realidade social, económica e
política das acções dessas mesmas figuras. Se no caso de Marx se
refere a Luís Bonaparte, em <i>Vale dos Vencidos</i> essa figura é
a de António Costa. Quer dizer, parece o António Costa, enquanto
Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, mas não <i>é</i> o
António Costa. É “Pedro Gomes, Presidente da Câmara de Merídia”.
E no centro de Merídia há um bairro muito antigo, popular, que foi
sempre ocupado pelos mais pobres e marginalizados, subitamente
tornado apetitoso em termos de <i>real estate</i> para, palavra que
me causa cortiçonite no céu da boca, “empreendedores”. Esse
bairro é o <i>Vale dos Vencidos</i>, e este livro é a crónica da
sua gentrificação.<span></span></span><p></p><a name='more'></a><p></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Os
restantes capítulos, com as palavras “Ventoso”, “Germinal” e
“Termidor”, querem dar continuidade a uma clara temática, não
apenas alertando à passagem de tempo, não apenas à corrente
revolucionária e aos episódios ideológicos que a marcaram – do
radicalismo ao seu “temperamento”) mas a todo um legado literário
que se lhe dedicou. Com a força destas intertextualidades se
tempera, então, a absoluta inscrição numa visão <i>historicista.
</i><span style="font-style: normal;">Estamos no campo da ficção. </span>Há
uma pequena deslocação mínima de pormenores, nomes, elementos, que
tornam a matéria lida no livro como alegoria da nossa realidade.
Tudo isto torna-o um <i>roman à clef</i>, em que não há espaço,
rua, <i>venue</i> de concertos, loja ou restaurante, ou até mesmo
revistas, bandas e indivíduos que não fosse reconhecível como
tendo uma contraparte real, tal qual acontecia em <i>Os Companheiros
da Penumbra,</i> de Nunsky. E esse desvio compreende-se à luz de que
o que se pretende criar não será tanto um “j'accuse” dirigido a
indivíduos particulares, mas a todo um tecido que continua em vigor
na nossa cidade e sociedade: precisamente aquela fantasmática e
errónea esperança messiânica no empreendorismo capitalista como
única (ou sequer!) solução de problemas estruturais de um local e
suas comunidades.</span></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgckKcv25wopqP4TXkcqdqViAlf_bl7LX9jdO4g0RgeGkCUUewIDoFhMsTnWzH1bJflhOWcxV2Jkl4MOj5z-6RACdXq40ikWlH-7a4-tVQeiNHrflLlrka3cp982cOeDqIKOWv4bAxJ9T11_vY6KmHSvhKJCt3RNL-TO3GNXC_FvhyHx1gPe81u3g/s995/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%20Mer%C3%ADdia.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="995" data-original-width="670" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgckKcv25wopqP4TXkcqdqViAlf_bl7LX9jdO4g0RgeGkCUUewIDoFhMsTnWzH1bJflhOWcxV2Jkl4MOj5z-6RACdXq40ikWlH-7a4-tVQeiNHrflLlrka3cp982cOeDqIKOWv4bAxJ9T11_vY6KmHSvhKJCt3RNL-TO3GNXC_FvhyHx1gPe81u3g/s320/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%20Mer%C3%ADdia.jpg" width="215" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">O
vale em questão é aquele que se encontra ladeado pelas míticas
colinas de uma cidade que se quer reinventar como atraente a
interesses internacionais de uma “economia do mesmo”: turismo,
empresas multinacionais, cadeias de franquias, poisos para rápidos
“hubs” de comunicação, sem uma verdadeira vontade de tocar nas
vascas da realidade local. E o facto de ter sido aquele espaço para
o qual se escorraçaram e varreram os que perderam historicamente a
cidade na sua conquista, torna-os dos “vencidos”: a judiaria e a
mouraria, Alfama e Mouraria, mas também, séculos mais tarde, dos
simplesmente pobres, dos chungas e mitras da cidade, dos emigrantes
do Bangladesh, da China, da Índia, da Nigéria e outras paragens,
não necessariamente em harmonia Benetton, por mais que se o deseje
pela boa-vontade burguesa. E o período retratado é também claro: a
coincidência do magistério de Costa com o da intervenção da
Troika em Portugal, circa 2010-2015, com as suas consequências
sociais no país, mas igualmente as transformações operadas sobre
Lisboa, na viragem do que se tornaria <i>hoje</i>: recreio de
unicórnios, franquias e alojamentos locais. Se <i>Vale dos Vencidos</i>
fosse um grito de alerta, vem tarde, e agora serve de mais um exemplo
de Cassandra.</span><p></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Pois
esta é também uma crónica de uma experiência empírica real, de
uma associação de jovens interessados numa cultura abrangente,
contemporânea, viva e eléctrica, politizada conscientemente, criada
como um oásis num bairro que o acaba por recusar, integrado que ele
está numa narrativa da continuidade de poderes instituídos, mesmo
que sejam contra si. Falamos da Barbuda, mas essa palavra nunca
surge, tais como o nome de António Costa, ou o de Cavaco, ou o das
empresas municipais, etc. As pequenas vitórias dos pequenos poderes
são sempre mais difíceis de combater que as estruturas maiores, e
estas sustentam e garantem o seu poder com o apoio populista dos
primeiros, havendo como que uma quase-solidariedade entre ambos para
garantir a não-sobrevivência de movimentos verdadeiramente capazes
de trazer mudanças sociais e culturais. Entre a Cila dos poderes
governativos e a Caríbdis dos “locals”, é a morte anunciada de
um esforço que jamais se vinga.</span></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"><i>Vale
dos Vencidos </i>é tudo isto. Mas evitando a exatidão factual e
documental, <span style="font-style: normal;">o livro</span>
transforma-se numa presença bem mais fincada na realidade, mais
profunda, mais eficiente. Talvez.</span></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGR3wbsx7wMgR7mb9jt_h-Lt7NrcPzT8oTXkcvIipThzUOTUjLuLrPpnfzL65n_WosSac4e37z4g0EvcUq-Q7yBAKdNd2mxWM7b7Zb9r_ZvpqCqUC_KoT5QcGnVHIQIWjHVfljbVmePS_t6P5Wv4Pk3nGAZKGlGWCD6Nk8qJ6Kov7r2QegaClwdA/s1001/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%20d%C3%A9rive.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1001" data-original-width="670" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGR3wbsx7wMgR7mb9jt_h-Lt7NrcPzT8oTXkcvIipThzUOTUjLuLrPpnfzL65n_WosSac4e37z4g0EvcUq-Q7yBAKdNd2mxWM7b7Zb9r_ZvpqCqUC_KoT5QcGnVHIQIWjHVfljbVmePS_t6P5Wv4Pk3nGAZKGlGWCD6Nk8qJ6Kov7r2QegaClwdA/s320/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%20d%C3%A9rive.jpg" width="214" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Se
<i><a href="https://lerbd.blogspot.com/2017/09/colaboracao-no-du9-le-collectionneur-de.html">O colecionador de tijolos</a></i>, de Pedro Burgos, já tematizava a
questão da gentrificação de Lisboa (e outras metrópoles), e
possivelmente outros projectos, menores ou maiores, empregam pequenos
comentários ou retratos desta situação (permitam uma nota pessoal,
de muitas, já que <i>Como Flutuam as Pedras </i>tenta tematizar, via
intervenção realista num relato onírico, as distâncias internas a
uma mesma cidade na sua cena de “flashback”, repescando algo que
já havia explorado literariamente noutro trabalho), Vargas coloca-a
no centro absoluto da atenção. É muito menos importante a
dramaturgia pessoal das personagens envolvidas que a ideia central.
<i>Vale dos Vencidos</i> é, portanto, o equivalente ao <i>roman à
thèse</i>. Os seus fundamentos sustentam-se em instrumentos
linguísticos e semióticos, e menos genéricos ou retóricos. Daí
que se encontrem no livro de Smith Vargas poucos instrumentos
costumeiros na construção da banda desenhada regrada esteticamente
nos nossos dias – pelo mais prestigioso “pacote” do “romance
gráfico”, tais como a manutenção de uma absoluta consistência
estilística ou a composição de páginas com efeitos de
significação “extra”, a eleição de um arco narrativo
aristotélico ou uma clara “redenção” ou sequer “resolução”
de uma suposta crise, etc. - e uma maior liberdade circunstancial do
que é necessário mostrar. Ou seja, seria fácil criticar o livro
por uma certa falta de unidade, ou ter uma coerência titubeante, mas
queremos esgrimir o argumento que esse caos ou anarquia <i>é
necessário para a própria matéria política do que é discutido</i>.</span><p></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhy_pMPHnp8yPz7ZiO1SJXDB07rkdvx6aJYxPI4iv2yMZ_1m5CXameTT3pVIyZc2yzRQqxr6VKaLGCc77VDXYqNmkKnqz2ceiIrsnJP7BYkvxwM6_VPKY39Ka5cEFf4m3LhSGSToWXeK7piDHUBFvf69r0Fg2qbY-OnQfQEbREJGgJayP8zLs8giA/s1061/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%201496.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1061" data-original-width="661" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhy_pMPHnp8yPz7ZiO1SJXDB07rkdvx6aJYxPI4iv2yMZ_1m5CXameTT3pVIyZc2yzRQqxr6VKaLGCc77VDXYqNmkKnqz2ceiIrsnJP7BYkvxwM6_VPKY39Ka5cEFf4m3LhSGSToWXeK7piDHUBFvf69r0Fg2qbY-OnQfQEbREJGgJayP8zLs8giA/s320/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%201496.jpg" width="199" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Aliás,
o livro poderia ser lido “ao contrário”. Após a narrativa
principal, tem ainda algumas narrativas menores complementares à
principal, que lhe surgem como “notas”, de informações
desdobradas pela galeria de personagens que o são menos do que
tijolos a construir o muro da paisagem do bairro. Mas todas estas
peças são anteriores à narrativa principal, tendo sido publicadas
nas mais díspares publicações, e que foram ajudando o autor a
focar-se nas suas ideias de uma banda desenhada sobre esta matéria,
procurando estratégias muito distintas – colaborações com
escritores, adaptações de obras literárias ou filosóficas,
reportagens gráficas, etc. Estas peças contêm informações
“empíricas”, e poderão ajudar a criar uma leitura paralela que
reforça a cartografia dos eventos e intervenientes.</span><p></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Mas
ao mesmo tempo reforçam uma outra dimensão de <i>Vale</i>. O facto
do livro ser <i>texturado</i>, no sentido de não ter apenas uma
contínua linha narrativa a ser desenvolvida, como já indicámos,
com personagens na sua evolução e seus desdobramentos psicológicos,
alimentando sempre uma intriga central cujo tema se exponenciaria. A
atenção antes se estilhaça pelas mais díspares frentes; temos
acesso a momentos e eventos em locais dispersos, com personagens
distintos que jamais se cruzam (em termos actanciais, já que em
termos políticos estão sempre inter-implicados). Mas também a
própria matéria narrativa se interrompe com panfletos, notícias
televisivas, relatórios de agentes à paisana, vídeos do Youtube,
trocas de mensagens, artigos de blogs, já para não falar das
“histórias complementares” acabadas de citar.</span></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Alguns
dos leitores conhecerão Smith Vargas de outras paragens. Por
exemplo, actor, tendo sido quem protagonizou o magnífico filme,
realizado colectivamente mas com Pedro Pinho ao leme, <i>A Fábrica
de Nada</i> (2017), o qual se apresentava como uma mescla entre o
retrato documental, o realismo social e o musical metatextual. Não
sabemos que grau de intervenção terá Smith Vargas na <i>écriture</i>
desse filme, mas essas matérias complementares e texturizantes são
também presentes, de modo claro, neste livro. Além disso, a
produção do autor, enquanto criador de banda desenhada, tem estado
associada a movimentos activistas particularmente associados às
lutas pela habitabilidade e a inclusão social na pólis, em todos os
seus sentidos. Veja-se (ou revisite-se neste volume) a sua
participação na <a href="https://lerbd.blogspot.com/2012/08/buraco-1-4-aavv.html"><i>Buraco</i> # 4</a>, dedicado ao projecto Es.Col.A,
ou a sua rubrica “Mapa Borrado” (que tivemos oportunidade de
reunir na exposição <i>SemConsenso</i>, de 2015, precisamente
dedicada a banda desenhada e ilustração que se engajava
directamente com a “coisa política” nas suas dimensões mais
vincadas) ou a breve peça de <i>Mundo Crítico</i> (que também, se
nos permitem, facilitámos no nosso trabalho de edição para esse
título).</span></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Procuremos
nós a convergência destes pontos. Se se considerasse toda a
narrativa – no seu absoluto conjunto – de uma perspectiva
musical, observa-se como uma das <i>texturas</i> trazidas a lume é a
da música, mais especificamente das canções ou outras dimensões
sonoras. Se algumas nos parecem existentes, confessemos a nossa
ignorância se o são de facto ou se inéditas (e fictícias). Mas o
livro apresenta um grupo variado de canções, atrevemo-nos a dizer,
“completas” na sua performance: a banda de Inácio (de que não
ouvimos as letras, apenas temos acesso visual ao concerto e às
críticas de um blog), uma performance feminista, uma canção no
Youtube, o fado “Meia Laranja”, o rap <i>Gaf</i> em crioulo, mas
também a peça dos títeres e a performance durante a visita do
Presidente da República ao Bairro. Tudo isto poderia ser visto como
a dimensão não apenas musical mas <i>de musical </i>(enquanto
subvertendo a lógica de género literário)...</span></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgb0eYAa8GiiQzv5ZBoHcUN_bw2YvmtlWJupe08164xhoGnYZmPpEyvD68lcYVDgU4SiAKVxMCgbrGQUcbXy07YzgJwuXiqiioWwZRHS-C1NFsdfUgIk_QejmC-vPkQ0Vfow73KKzo_iZ1Zf61ovwUXx8ohhcQqYc0hJTXGys2lU_loVVmfCB5aFg/s941/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%20Shifat.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="941" data-original-width="670" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgb0eYAa8GiiQzv5ZBoHcUN_bw2YvmtlWJupe08164xhoGnYZmPpEyvD68lcYVDgU4SiAKVxMCgbrGQUcbXy07YzgJwuXiqiioWwZRHS-C1NFsdfUgIk_QejmC-vPkQ0Vfow73KKzo_iZ1Zf61ovwUXx8ohhcQqYc0hJTXGys2lU_loVVmfCB5aFg/s320/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%20Shifat.jpg" width="228" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Mas
leremos apenas o livro como documento de algo passado em relação a
um aspecto específico? Ou podemos lê-lo como arremesso de
pensamento mais lateral e abrangente? Sobretudo no início do livro,
em que um dos putativos protagonistas (pois há vários), Inácio,
vem dos subúrbios para o centro de Lisboa (e pouco importa se vem do
Cacém, de Santo António dos Cavaleiros, da Póvoa de Santa Iria, da
Ramada, ou outras paragens, pois todas elas acabam amalgamadas, sem
identidade, no epíteto de “subúrbio”, como se fossem baptizadas
tão-somente pela sua relação com o centro urbano da cidade – o
que não iliba as forças camarárias em torno das de Lisboa dos seus
próprios comportamentos políticos!), as composições das páginas
são propositadamente confusas, com as linhas direitas do cimento,
vidro e aço de prédios modernos, e as ruínas de bairros
degradados, gruas, viadutos inconclusos. E devido à aglomeração
das linhas distintas do artista, ora grossas ora mais finas (frutos
de aparos, pincéis, tintas diferentes?), sempre com um grau de
nervosismo gráfico, recorda por demais o Gébé, sobretudo <i>L'An
01</i>, a mais politizada de todas as bandas desenhadas do autor
francês (e que resultaria numa versão cinematográfica, que terá
ecos aqui também). A tactilidade e materialidade das linhas,
todavia, é de maior grau em Smith Vargas, evitando assim a um
programa de observação distanciado, contemplativo (a raiz
etimológica de “teórico”) e mergulhando numa aproximação
física, de choque, de percepção imediata e implicada com o corpo.</span><p></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">A
dado momento, um dos membros da associação queixa-se de que a
campanha já tem “imagens a mais”. Mas num projecto de banda
desenhada, nunca há imagens a mais, por mais distintas que elas
sejam entre si. E são-no, pois Smith vacila entre desenhos mais
expressivos a abordagens mais esquemáticas e até “abonecadas”,
desenhos mais céleres e outros mais burilados, e mais uma vez
recordando-nos um registo livre e solto de muitos autores politizados
franceses da geração <i>Charlie</i>. Mas nunca estão a mais se
considerarmos que o seu papel, aqui, não é tanto o de alimentar um
programa de representação clássico, ideal e ilusório mas –
sobretudo nos momentos claramente não-narrativos, mas “cumulativos”
- antes o de providenciar como que símbolos de impacto emocional e
psicológico sobre o espectador, a tal proximidade material para que
a qualidade das imagens “borradas”, “riscadas”, contribuem.</span></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8XNjmA2NZCCUCquor9SLlcjMGU2TmitCljTMeYByIt9jqsfCEvl-yi9vl-sOjzdKJPFYnOCBe3M3pR7OFyR79zfuvKgcZ72xJe2fGd9fElYodzU6qHYetUgJysSxHj1l_Pt7pg-r089brmeqtXcILiXSujzDnXqcN_ueeEmugCFwPZ12BGmiA4Q/s944/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%20Manifesto%20e%20coopting.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="944" data-original-width="670" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8XNjmA2NZCCUCquor9SLlcjMGU2TmitCljTMeYByIt9jqsfCEvl-yi9vl-sOjzdKJPFYnOCBe3M3pR7OFyR79zfuvKgcZ72xJe2fGd9fElYodzU6qHYetUgJysSxHj1l_Pt7pg-r089brmeqtXcILiXSujzDnXqcN_ueeEmugCFwPZ12BGmiA4Q/s320/Jos%C3%A9%20Smith%20Vargas%20-%20Vale%20dos%20Vencidos,%20Manifesto%20e%20coopting.jpg" width="227" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">E
há intervalos de representação que se prestam ao onírico, ao
devaneio, à visão de Deus, ao esquema, e são tudo elementos
concorrentes para erguer a força da variedade do se apresenta. É
portanto a vários níveis que esta busca se estrutura por caminhos
divergentes, linhas de fuga que jamais se resolvem num nó único que
se tornaria o coração dramatúrgico e temático do livro e, assim,
reflecte a própria resolução das crises apresentadas: isto é, a
sua ausência, pois apenas se verificam derrotas sucessivas. Um dos
momentos mais marcantes dessa derrota é quando o mural que mostra um
manifesto, associando as Comunas de Paris aos movimentos
contemporâneos, é entendido por um guia como tão-somente parte
integral da gentrificação da área, o cunho “artístico” que dá
um toque exótico à área, para seu consumo imediato. É como tirar
<i>selfies</i> à frente de um mural revolucionário, para postar no
Instagram (derrota e tema explorados numa imagem “irmã” ao
trabalho de Vargas, criada por Marco Mendes há uns anos). Nesse
sentido, esta narrativa vem aliar-se aos textos colectivos que
criaram a <i>Buraco</i> # 4 em torno do projecto da Es.Col.A, mas
também à crónica transfigurada da Biblioteca do Marquês que
Amanda Baeza criou com <i><a href="https://lerbd.blogspot.com/2013/10/varios-titulos-amanda-baeza-vvee.html">Our Library</a></i>, e que discutimos no nosso
<i>Visualising Small Traumas</i>.</span><p></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Num
ponto primitivo do projecto, esteve para se chamar <i>Móraria</i>.
Nas redes sociais dos nossos dias, a Mouraria e zonas circundantes,
tem sido alvo de sistemáticos retratos distorcidos e aproveitados
quer por forças políticas organizadas de extrema-direita quer
instrumentalizadas por cidadãos mal-informados, cegos e racistas.
Sobretudo os focos nos imigrantes, nos momentos em que mais juntos
estão – ao rezar nas mesquitas, quando se juntam para uma festa,
numa refeição. E quanto mais “escuros” e mais afastados do
consenso da “Cristandade aberta e democrática” (uma das mais
incríveis petas alguma vez pregada por poderes institucionais), pior
o retrato fica. Um pequeno antídoto pode encontrar-se num recente
livrinho, <i>Martim Moniz. Como o desentalar e passar a admirar</i>,
de José Ferreira Fernandes. Mas aqui no <i>Vale</i> há outros que,
por mais concentrados que sejam, são bem mais eficientes. Na
colaboração com Miguel Caldas apresenta-se uma palavra (e
imagem!) de ordem, ao retratar-se um único prédio em que vivem
pessoas de origens, crenças e tons de pele variadas (uma espécie de
narrativa à la Eisner actualizada com uma visão mais progressista).
Nela, a palavra “tolerância” é varrida em nome de algo de maior
valor e valorização: “aceitação”. Seja essa o signo de <i>Vale
dos Vencidos</i>, mas jamais como sinónimo de “resignação”.</span></p>
<p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;">Nota
final: agradecimentos à editora, pela “troca” de títulos.</span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-79697250092169365632023-12-21T10:27:00.000+00:002023-12-21T10:27:02.244+00:00"Webs of Self, Webs of Meaning" (artigo na RLEC)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgc4-k7hpG70fQddTwcSa2xdetb5RpOxJIStVo8vKbREN_Tu5HAXHfeG3xAkJzi9dWv9ue27FMHImFvg5eEThKow0o5H537EmNHM4mDHYbhE9ZemCTcNhmpntcn3dyOW5VVPcxPKypkp7EH253PhvZfoTwRfzj2XhbnlDpV7EBl0MDiMUJfdJNmmQ/s1610/Imagem.png" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: georgia;"><img border="0" data-original-height="1610" data-original-width="1143" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgc4-k7hpG70fQddTwcSa2xdetb5RpOxJIStVo8vKbREN_Tu5HAXHfeG3xAkJzi9dWv9ue27FMHImFvg5eEThKow0o5H537EmNHM4mDHYbhE9ZemCTcNhmpntcn3dyOW5VVPcxPKypkp7EH253PhvZfoTwRfzj2XhbnlDpV7EBl0MDiMUJfdJNmmQ/s320/Imagem.png" width="227" /></span></a></div><span style="font-family: georgia;">Serve o presente post para indicar tão-somente que um artigo académico meu acaba de ser disponibilizado no último número da <i>Revista Lusófona de Estudos Culturais</i>, da Universidade do Minho. Um número dedicado à representação das mulheres na banda desenhada ibero-americana, há dois artigos dedicados à produção nacional, um sobre a antologia <i>Nódoa Negra</i>, sobre o qual também havia escrito (ver <a href="https://lerbd.blogspot.com/2019/03/colaboracao-com-mundo-critico.html">aqui</a>) e o meu.</span><div><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div><span style="font-family: georgia;">Intitulado "<b>Webs of Self, Webs of Meaning. Three Female Fragmentary Portraits in Post-Digital Print Comics</b>" (em português, </span><span style="font-family: georgia;">"</span><span style="background-color: white; color: rgba(0, 0, 0, 0.87); font-family: georgia;">Teias do Eu, Teias do Significado. Três Retratos Fragmentários Femininos na Banda Desenhada Impressa Pós-Digital"; não adoram títulos académicos?), é uma leitura de trabalhos das autoras Ana Margarida Matos, Ana Matilde "Hetamoé" Sousa e Joana Mosi, utilizando um foco argumentativo muito específico - as "contra-estratégias" de Peter Wollen - para auscultar os modos distintos de cada uma delas, mas igualmente o que as une e diferencia de outros autores (homens e mulheres, aqui pouco importa o género), nacionais e internacionais. </span></div><div><span style="background-color: white; color: rgba(0, 0, 0, 0.87); font-family: georgia;"><br /></span></div><div><span style="background-color: white; color: rgba(0, 0, 0, 0.87); font-family: georgia;">Foi escrito originalmente em inglês, e depois traduzido para português. </span></div><div><span style="background-color: white; color: rgba(0, 0, 0, 0.87); font-family: georgia;"><br /></span></div><div><span style="background-color: white; color: rgba(0, 0, 0, 0.87); font-family: georgia;">Ficam os agradecimentos às editoras, tradutora e revisores, que ajudaram a que o texto ficasse muito mais legível. </span></div><div><span style="font-family: georgia;"><span style="background-color: white; color: rgba(0, 0, 0, 0.87);"><br /></span></span></div><div><span style="font-family: georgia;"><span style="background-color: white; color: rgba(0, 0, 0, 0.87);">Poderão aceder directamente aos artigos <a href="https://rlec.pt/index.php/rlec/article/view/4644">aqui</a>, carregando depois os pdfs.</span></span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-36275810880373479602023-12-13T18:47:00.002+00:002023-12-13T18:47:33.536+00:00Damasco. Lielson Zeni e Alexandre Sousa Lourenço (Brasa)<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjC_bzqTjEUMOQQsLcEm5tyr7iR_zgmcRqaiAHs7ryd3aezsqlHzrPspkRo3CoBtz_UtPtgzTCp2T0bsJgpO6-MUPJYA9WIeJ3WvZVoHy5WBZcaz457NXkNAIjnW5uKgx4DVBkCB-9aArYLzIc4A7WXL_yDn84gcTDRNA-dox9cYQvgdbVRf5fFFQ/s1800/Lielson%20Zeni%20e%20Alexandre%20Sousa%20Louren%C3%A7o%20-%20Damasco,%20capa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1800" data-original-width="1177" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjC_bzqTjEUMOQQsLcEm5tyr7iR_zgmcRqaiAHs7ryd3aezsqlHzrPspkRo3CoBtz_UtPtgzTCp2T0bsJgpO6-MUPJYA9WIeJ3WvZVoHy5WBZcaz457NXkNAIjnW5uKgx4DVBkCB-9aArYLzIc4A7WXL_yDn84gcTDRNA-dox9cYQvgdbVRf5fFFQ/s320/Lielson%20Zeni%20e%20Alexandre%20Sousa%20Louren%C3%A7o%20-%20Damasco,%20capa.jpg" width="209" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Se
considerarmos a banda desenhada como não somente nos mostrando um
mundo (diegético) mas a própria forma como esse mundo é construído
(a formação discursiva) e a materialidade deste é tornada opaca –
isto é, não se trata somente de uma plataforma transparente para a
diegese mas a própria superfície que se torna significativa –,
que estratégias de constructibilidade (<i>constructedness</i>)
são visíveis em <i>Damasco</i>?
A resposta é dada por uma grande diversidade de estratégias visuais
e de composição. Alterações do registo do desenho, a cor
diminuta, a variedade da composição das páginas (criando como que
“secções”, como veremos), a remediação de outros modos
gráficos (videojogo, jogo de tabuleiro, manual de instruções,
infografia, etc.). Mas qual a razão para tamanha des/estruturação? <span><a name='more'></a></span></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"><i>Damasco</i>
tem como protagonista Saulo. A associação à epifania do tardio
seguidor de Jesus, Saulo de Tarso, e a terra onde viria a ser curado
da cegueira dupla, da visão e do coração, não é de todo
inocente. Mas não nos parece que haja uma vontade de inquirir em
demasia a questão cristológica ou da construção da fé cristã
como a entendemos hoje. O que estará em jogo é o <i>desvio</i>.
O desvio que coloca Saulo no caminho “certo”, mesmo que esse seja
o do abandono da identidade anterior. Tampouco será a possibilidade
de uma leitura social da cidade em questão, São Paulo (!), que
poderá estar a ser transfigurada numa Damasco, mas cujas hipóteses
interpretativas terão de ser deixadas para pessoas que a conheçam
(o livro propõe, no final do volume, duas leituras distintas;
Eduardo Nasi indica esta associação, mas não a explora).</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"><i></i></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><i><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDWE3-b6PoS-j_0xufUA3YO-VIecGt6WlwYZkBn6k1V-RPFaF2iplMXvTlcSfHy18vg-M-iChdJoweG92EIN3RxDFrHSvSJq6lLDn5wVY05nhNdKaOZ_8QzDXFbji0Qc0Hu_3rZOkUt8HVYO1EWTi-o7mLwjZdfnS7T-OnbG7UxSQ2hsFfeQPO9A/s704/Lielson%20Zeni%20e%20Alexandre%20Sousa%20Louren%C3%A7o%20-%20Damasco,%201.png" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="704" data-original-width="493" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDWE3-b6PoS-j_0xufUA3YO-VIecGt6WlwYZkBn6k1V-RPFaF2iplMXvTlcSfHy18vg-M-iChdJoweG92EIN3RxDFrHSvSJq6lLDn5wVY05nhNdKaOZ_8QzDXFbji0Qc0Hu_3rZOkUt8HVYO1EWTi-o7mLwjZdfnS7T-OnbG7UxSQ2hsFfeQPO9A/s320/Lielson%20Zeni%20e%20Alexandre%20Sousa%20Louren%C3%A7o%20-%20Damasco,%201.png" width="224" /></a></i></span></div><span style="font-family: georgia;"><i>Damasco</i>
acaba por se tornar a crónica de um irreparável medo da idade
adulta. Pelo momento em que determinados compromissos, escolhas ou
opções se vêm impor, procura-se um atraso, ou mesmo uma negação
dessas decisões. Se falamos em <i>opções</i>,
e isso é tornado matéria visível nas páginas não apenas na
diegese normal – Saulo joga um videojogo – mas igualmente numa
das suas transformações superficiais – parte da vida é
apresentada como videojogo –, é porque os autores desejam mostrar
que esses caminhos são “jogáveis”. Porém, o grande desafio, ou
libertação do protagonista, é que a condição de jogabilidade se
torna ela mesmo não um sinal de liberdades e potencialidades, mas de
uma obrigatoriedade que, por isso, se torna desejável negar em
absoluto.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">A
sequência inicial mostra os mesmos eventos repetidos três vezes,
com a mesma composição de página, distribuição de micro-acções
em vinhetas idênticas, nas mesmas posições, ainda que pequenas
diferenças de grau – tempos – em cada trecho. Isto permite que
se possa ler de uma forma complexa, que toma em conta aquilo que
Groensteen chama de “redes compactas”, na sua teoria da <i>tressage</i>,
ainda que neste caso estas redes atravessem várias páginas.
Poderíamos ler cada vinheta aparentada como uma pequena sequência –
a descoberta da mancha na camisa, as conversas diárias dos colegas,
sempre mudando, sempre ficando na mesma, o trabalho em si, a
deslocação em São Paulo e o seu tempo cambiável, etc. De novo, a
ideia de iteração “jogável”, em que se poderá ou não seguir
os mesmos caminhos previstos, e o incremento da prova superada a
caminho de putativos níveis superiores.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Ainda
reforçando essa ideia, antes de Saulo ser propriamente revelado nas
suas relações humanas – com a sua namorada Raquel, que parece ter
começado a passar mais tempo no seu apartamento, o seu gato, a
existência de uma banda musical e, por isso, de interesses criativos
mais profundos do que a necessidade do emprego rotineiro -, ele surge
como uma espécie de agente autónomo e automático, com um propósito
diminuto mas que, por isso mesmo, não se desviará dele. Uma acção
pura de repetição. Um resultado livre de variações. Todavia, a
sequência seguinte, naquelas revelações, vai demonstrar e fazer
emergir toda essa espuma variável e cambiante de afectos, de
recursos transformadores, de relações.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUWPNjbjOY-L4WzpPZDWlqnIfCfg56y4GwE9eD6qXlLrJL01dOiQ8bgQHQOxMS_UOUH4YZY6R0XiQ4W9GJpK6YqfjgvIrKY5BxMRKSmXxaBGBDyqEMnGqTusW0TT3jIwTQOk_j9U1gZhGZW8kYB_rMnfrSZJc7O_yxBfuWIWPbJbDgPGoTgR66yA/s700/Lielson%20Zeni%20e%20Alexandre%20Sousa%20Louren%C3%A7o%20-%20Damasco,%202.png" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="700" data-original-width="465" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUWPNjbjOY-L4WzpPZDWlqnIfCfg56y4GwE9eD6qXlLrJL01dOiQ8bgQHQOxMS_UOUH4YZY6R0XiQ4W9GJpK6YqfjgvIrKY5BxMRKSmXxaBGBDyqEMnGqTusW0TT3jIwTQOk_j9U1gZhGZW8kYB_rMnfrSZJc7O_yxBfuWIWPbJbDgPGoTgR66yA/s320/Lielson%20Zeni%20e%20Alexandre%20Sousa%20Louren%C3%A7o%20-%20Damasco,%202.png" width="213" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Os autores
acabam por deixar cair a intriga naquele tipo de dicotomias algo
unidimensionais de “cigarra-formiga”, do trabalho rotineiro,
tornada anedota suprema quando a sua função profissional é
confundida com a de outro, e nada disso importa para o funcionamento
da empresa. Nesse aspecto, estamos algo longe de uma exploração
realista mas quase uma alegoria desse medo, que passa por uma
representação fantasmática, de cartão da “realidade do trabalho
adulto”; ou <i>adulting</i>, na linguagem actual. Mas, e se
entendêssemos isto de uma outra forma? E se prevíssemos esta
rotina, entendida como “chata”, “aborrecida”, “prisão”,
precisamente como o fluxo heraclidiano que parece ser citado a dado
momento? Por outras palavras, será que “não se passa nada”
(para citar Greice Schneider, no seu livro fulcral sobre todo um rol
de produção de banda desenhada contemporânea de ficção
literária) ou será antes ela a própria <i>eventualidade</i>, a
<i>super-presença</i>, que tem lugar?</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Na
verdade, a relação de Saulo com os elementos em seu torno, desde as
pessoas às suas actividades paralelas, parecem estar sempre numa
equação algo absolutista, como se a grande opção fosse ter de
abandonar uma em nome de outra. Não o seria, se Saulo fosse
verdadeiramente adulto, e conseguisse compreender a síntese
necessária, que alguns poderão ver, e considerar de modo negativo,
como “compromisso” (“Tem de se comprometer”, diz Raquel, logo
no início; e mesmo que seja noutro sentido, a resposta jamais
chega). Para Heraclito, existia mudança permanente, moção,
movimento, transformações, e a fixidez não era senão ilusão.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Talvez
seja esse frenesim que leva com que o próprio livro – a lavra da
escrita de Zeni, e o trabalho visual de Lourenço, numa
indestrinçável colaboração multiplicadora da verve criativa –
leve a que ele seja co<span>mposto por
</span><span><i>secções</i></span><span>,
que se diferenciam pela atenção sobre os protagonistas – se num
momento parece ser somente sobre Saulo, há uma parte que se divide
num </span><span><i>paralell editing</i></span><span>
em que seguimos Saulo e Raquel, mas a forma como as vinhetas se
afastam entre si nas páginas são sinal de um outro afastamento
entre as personagens – e as tais alterações de estilo, registo e
composição visual.</span></span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhg3aJl7dQOminh04m86Dk0tD-_vcX2P6m-ZPIIJGe6y0igDj-BztZkYq1oGRcJqxrhUcZ5uw-3A98ljRIfEv_yDz1CSdRc0zdv_pxs8urOOQEl5ZMs77KVOIn6n3cK13mJAcBRboIDgmnHaYdH_VAqhwHZzGkddhQl8d_lkzOTTM3L017u4lfmxQ/s934/Lielson%20Zeni%20e%20Alexandre%20Sousa%20Louren%C3%A7o%20-%20Damasco,%20spread.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="700" data-original-width="934" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhg3aJl7dQOminh04m86Dk0tD-_vcX2P6m-ZPIIJGe6y0igDj-BztZkYq1oGRcJqxrhUcZ5uw-3A98ljRIfEv_yDz1CSdRc0zdv_pxs8urOOQEl5ZMs77KVOIn6n3cK13mJAcBRboIDgmnHaYdH_VAqhwHZzGkddhQl8d_lkzOTTM3L017u4lfmxQ/w400-h300/Lielson%20Zeni%20e%20Alexandre%20Sousa%20Louren%C3%A7o%20-%20Damasco,%20spread.jpg" width="400" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;"><br /><span><br /></span></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">No momento
pós-epifania de Saulo, que jamais é dramatizado, mas vai surgindo
gradualmente e se vai “decompondo” em pequenas acções, uma das
secções revela várias pilhas de livros. Por um lado, recorda-nos
as peças de Fabrice Neaud, “Petit
archivage d'une culture quotidienne”, que foi saindo na revista <i>Ego
comme x</i> nos anos 1990, mas se
para esse autor francês se tratava de uma construção, uma
inscrição e presença na tessitura de todos os dias, para esta
personagem da novela gráfica brasileira, ela é sinal de dissolução:
venda, dádiva, fuga que, em última instância, afecta o próprio
Saulo, física e espiritualmente.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Voltemos à
<i>tressage</i>.
De acordo com Eric Laurier, a banda desenhada ultrapassou a
insistência das suas formas mais primitivas na “sequencialidade
para considerá[-las] como 'narrativas plurivectoriais' e como os
seus arranjos textuais e visuais podem expressar uma 'causalidade
emergente'”. Assim, a leitura de <i>Damasco</i>
não pode ser feita de modo linear, mas recorrente, recursiva e
combinatória, não apenas para desvendar o coração da “intriga”
- a razão da fuga e dissolução de Saulo – mas igualmente o que o
mecanismo do livro nos permite retirar das suas muitas texturas. A
<i>tressage</i>
de Groensteen implica uma mais-valia de significado na combinação
de cada um dos seus elementos e, até, a uma plurisignificação
recompensada por essas mútliplas leituras cruzadas, atentas à forma
íntima da sua formação. Não basta pensar apenas nos
“acontecimentos”, ou “história”, mas nos impactos que
estabelece quer no mundo diegético – a “epifania” das
personagens – quer no do leitor – a redescoberta dos modos de
criar significado nas nossas vidas, relações, responsabilidades e,
sim, sem medo, compromissos.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;">Nota
final: agradecimento aos autores, pela disponibilidade do projecto.</span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-26978820771932798442023-12-05T14:00:00.002+00:002023-12-05T14:00:15.284+00:00Cthulhu Sadino. Pedro Moura, Marco Gomes, Daniel Maia, et al. <p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgF2bfleSqpZKXwdx6qv8cmam1eq4riIzPG8w7SKDymv_iMIqs7GJ9uzIfcpUl9ZrWUSQJDIVNkVXMfKcQNyerOOJQvDnrQ0P_Qgu5G9bFbObcrxdy9LGnMCe1HfPt9w79rZozNxgz3qAlbPOEF7YRAuanzfoCC7G5KPzvbfNey1PlqI_wqIa3rEQ/s1176/Cthulu%20Sadino,%20capa%20(Jo%C3%A3o%20Lemos).jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1176" data-original-width="815" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgF2bfleSqpZKXwdx6qv8cmam1eq4riIzPG8w7SKDymv_iMIqs7GJ9uzIfcpUl9ZrWUSQJDIVNkVXMfKcQNyerOOJQvDnrQ0P_Qgu5G9bFbObcrxdy9LGnMCe1HfPt9w79rZozNxgz3qAlbPOEF7YRAuanzfoCC7G5KPzvbfNey1PlqI_wqIa3rEQ/s320/Cthulu%20Sadino,%20capa%20(Jo%C3%A3o%20Lemos).jpg" width="222" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Serve o presente <i>post </i>para dar notícia da existência e disponibilidade do<i style="font-weight: bold;"> Cthulhu
Sadino</i><i>. </i>Agora que a exposição chegou ao fim, a publicação passa a ter uma existência própria. Este <span style="font-style: normal;"><span style="font-weight: normal;">é
um</span></span> projecto de
banda desenhada deste vosso amigo, para o qual contou com a camaradagem, paciência e talento dos artistas Daniel Maia e Marco Gomes. É um projecto leve, bem-humorado, espero eu que divertido, e que conta com duas linhas artísticas bem distintas mas espectaculares, complementares e que são justificadas pela narrativa.</span><p></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Que é Chtulhu Sadino? Bom, descrevi como "paretimologia", em primeiro lugar, porque no fundo responde àquela pergunta que nunca ninguém fez mas tinha no fundo da mente: quem e porquê se desenvolveu a receita do choco <i>frrito </i>em Setúbal? Se reza o mito que essa terra foi fundada pelo neto de Noé, Túbal, haverá alguma relação? Que segredo se esconde na felicidade desse aparentemente simples mas magnífico prato? E é mesmo apenas uma receita? Só? Ou está relacionada com algum ritual antigo? A calçada de Setúbal mostra mesmo ondas, ou serão antes tentáculos misteriosos? No brasão de Setúbal, são mesmo peixes no campo do mar? O tamanho em relação ao castelo não bate certo? Serão monstros marinhos? E aquela vieira em cima, é mesmo uma concha ou é um polvo estilizado com um tentáculo a mais? Muita coisa por explicar, este pequeno compêndio tem as pistas todas... Quando Túbal e os seus intrépidos companheiros chegam à baía do rio Sah-Dom, vieram para ajudar a população de uma ameaça dos fundos dos mares, cuja origem remonta ao avô Noé, no Dilúvio...<span></span></span></p><a name='more'></a><p></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"><i><b>Cthulhu
Sadino </b></i>é um projecto de
banda desenhada, apresentando-se como um clássico <i>comic
book</i>, formato norte-americano
(26,50 x 18,50 cm; num só caderno agrafado) de circulação popular.
22 páginas de história, a preto-e-branco e capas as cores. Uma
narrativa de ficção historiográfica que mistura mitos bíblicos,
temas lovecraftianos, aventuras de acção, e vulgarização da
gastro-historiografia nacional.</span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4Wbucy_NAKPfSy5FFu6BgfTHDKMYo658uKqRuuledlJATFySQHGRPQZLrS_GEuDh11IOJXzDTGdZYM8tyQVLyw_Rg1C-KVwNjDgFfTC8Ki6u3J5q3uQVTp98JOo_oB-7fdqfsCJE_gRk9QGlGlZHMRoQv0q3J_JcHwHaMW7fxt-9XSUYal9I9NA/s1044/Cthulu%20Sadino,%20pg%201%20(Marco%20Gomes).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1044" data-original-width="728" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4Wbucy_NAKPfSy5FFu6BgfTHDKMYo658uKqRuuledlJATFySQHGRPQZLrS_GEuDh11IOJXzDTGdZYM8tyQVLyw_Rg1C-KVwNjDgFfTC8Ki6u3J5q3uQVTp98JOo_oB-7fdqfsCJE_gRk9QGlGlZHMRoQv0q3J_JcHwHaMW7fxt-9XSUYal9I9NA/w279-h400/Cthulu%20Sadino,%20pg%201%20(Marco%20Gomes).jpg" width="279" /></a></div><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Escrito
por Pedro Moura. Desenhado por Marco Gomes (presente de Túbal) e Daniel Maia (flashback de Noé). Legendado
por Cláudia Loureiro. Capa de João Lemos. <i>Pin-up</i>
de Bertho Horn. Desenho de fronstispício de João
Sequeira. Design de Playground. Edição montesinos. Apoio e patrocínio da Câmara Municipal de Setúbal. </span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Esta publicação foi apoiada por, e integrou, a <span style="font-size: small;">Festa da Ilustração </span><span style="font-size: small;"><i>É Preciso Fazer um Desenho? </i></span><span style="font-size: small;">de 2023, e os originais estiveram em exposição </span>Museu do Trabalho Michel
Giacometti, em Setúbal, entre 7 de Outubro e 30 de Novembro. Tenho de indicar uma errata na publicação e acto de contrição público: onde se lê no final da publicação "Alberto Giacometti", deverá ler-se "Michel Giacometti". As nossas desculpas ao museu. Novas cópias estão corrigidas. Sei bem a diferença entre os dois autores, mas no melhor pano... </span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh072ElJke0CNzwGEeP8KX3kyJzDSK9P4GCCYjs_s50pQ8rfIXZ36LDHbid2qDKIPyFzxOmAMCJl1Hk-cw6uGmuF7xAqP_sCxuwNYBM8Cjdo__xdxm_08CinwfFSl-izo8bkEWEgu2hI08etxWk8rbFQ2J3Xp6IxXEETn-YJnQv7DFtpV0OHvahTw/s1005/Cthulu%20Sadino,%20pg%20(Daniel%20Maia).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1005" data-original-width="728" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh072ElJke0CNzwGEeP8KX3kyJzDSK9P4GCCYjs_s50pQ8rfIXZ36LDHbid2qDKIPyFzxOmAMCJl1Hk-cw6uGmuF7xAqP_sCxuwNYBM8Cjdo__xdxm_08CinwfFSl-izo8bkEWEgu2hI08etxWk8rbFQ2J3Xp6IxXEETn-YJnQv7DFtpV0OHvahTw/w290-h400/Cthulu%20Sadino,%20pg%20(Daniel%20Maia).jpg" width="290" /></a></div><br /><span style="font-family: georgia;"><br /></span><p></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Trocam-se cópias por 7 discos do vil metal, em numerário de 1 cada, emitidos por instituições competentes e fiduciárias, com entrega pessoal. Por posta restante, pony express ou corvo, já não dá. Correio serve? </span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"><span style="font-size: small;">Para os interessados, contactem-me por aqui ou via Instagram </span><span style="font-size: small;">@</span><span style="color: navy;"><span lang="zxx"><a href="https://www.instagram.com/pedrovieiradmoura/"><span style="color: black;"><span style="text-decoration-line: none;"><span style="font-size: small;">pedrovieiradmoura</span></span></span></a></span></span></span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"><br />
</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"><br />
</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><br /></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="color: navy;"><span lang="zxx"><span style="color: black;"><span style="text-decoration: none;"><span style="font-family: georgia; font-size: small;"><span style="font-weight: normal;"><br /></span></span></span></span></span></span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-34413174100334244632023-12-04T14:54:00.001+00:002023-12-04T14:54:11.590+00:00Resposta a Ilan Manouach.<span style="font-family: georgia;">Nota brevissima. Uma vez que lancei a presença do texto de Manouach sobre "machine learning" ou "cognição sintética" e a banda desenhada, no site Bandasdesenhadas, eis a resposta de Hugo Almeida:</span><div><span style="font-family: georgia;"><a href="https://bandasdesenhadas.com/2023/12/04/para-que-escrever-uma-resposta-ao-artigo-de-ilan-manouach-se-a-resposta-se-pode-escrever-a-si-mesma/">aqui</a>.</span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-59901982781170871402023-11-30T09:27:00.005+00:002023-11-30T09:52:42.254+00:00Volta. O Despertar dos Gigantes de Gelo. André Oliveira e André Caetano (Polvo)<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5rK9NQYhoxTabjAuHYYn8Ia68tfHVqbK5uHC3-pjW2EuqEoNTWAQ1fH9aYkpIIcK6lHzAN4cidYcJI6vopgk0X3b0cdR-wNX4GM3EsRXMDAYuiyYwyOJecQAzUv5CmZtqc8TcConKsbkmzoqycXrqYQkfviggMynvF134cYAxG5ps7WuOyOLrGg/s2000/Volta%202,%20capa.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1388" data-original-width="2000" height="222" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5rK9NQYhoxTabjAuHYYn8Ia68tfHVqbK5uHC3-pjW2EuqEoNTWAQ1fH9aYkpIIcK6lHzAN4cidYcJI6vopgk0X3b0cdR-wNX4GM3EsRXMDAYuiyYwyOJecQAzUv5CmZtqc8TcConKsbkmzoqycXrqYQkfviggMynvF134cYAxG5ps7WuOyOLrGg/s320/Volta%202,%20capa.jpg" width="320" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">A amnésia
do protagonista, Campeão, é possivelmente um mecanismo <i>ben
trovato</i> para esta saga em
particular, uma vez que permitirá que haja uma significativa
diferença de tom e géneros de volume para volume, quase até ao
ponto da incoerência, mas que depois num cômputo final e global se
subsume de novo a uma lógica interna claríssima. Este segundo
volume tem a vantagem de poder estar ancorado nos elementos
partilhados no primeiro, que podem ou não ser herdados como pequenas
pistas esclarecedoras, mas ao mesmo tempo tem a desvantagem de
aumentar a incertidude dessa mesma visão global, ainda não atingida
aqui.<span><a name='more'></a></span></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Com
efeito, se no primeiro <i>Volta.
O Segredo do Vale das Sombras </i>tínhamos
uma breve camada de fantasia, que desarrumava a aparente
contemporaneidade da história com uma vila e rituais secretos (numa
lógica próxima ao filme The<i>
Village</i>, mas sem as
pirotecnias histriónicas e a emoção desabrida), e a sua criatura,
n'<i>O Despertar dos Gigantes do
Gelo</i> há um amplexo directo e
celebratório no reino da fantasia. Existem tropos que farão
recordar os leitores de muitos outros textos – os <i>Eddas</i>,
romances e derivados da <i>high
fantasy</i>, contos folclóricos,
etc. - mas que servem para adensar o caldo em que o Campeão se
encontra. Aparentemente, ele parece recordar (parte?) da sua memória,
de uma vida anterior, mas esse desvendamento apenas nos torna ainda
mais densa e impenetrável a sua putativa resolução, tornada ainda
mais complexa pelo aparente, mas falso, epílogo a esta aventura.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Neste
episódio do que se adivinha ser uma trilogia (mas que possivelmente
poderá dar frutos paralelos), focamo-nos num espaço circunscrito
onde se digladiam duas tribos antagónicas. Por um lado, temos um
povo humano, mas que se decora com características animais (de toda
a sorte de aves e mamíferos, mas também tarântulas), e que vive em
segredo da sociedade “normal” na fria floresta, e, por outro, um
povo de gnomos ou trolls, cujo maior poder (mas não líder último,
note-se) está nas mãos de uma serpente vegetal. Sociedades
hierárquicas, que se pautam por territorialidades e alianças
familiares tradicionais, e que são um vector importante da
identidade do protagonista, agora tratado como “Príncipe” do
primeiro povo... Resta saber, mas como disse, apenas uma consideração
global tornará esta dimensão mais certeira, em que medida é que
<i>Volta</i>,
como um todo, estará a explorar este fundo de imaginários de uma
maneira não apenas coerente mas transformadora desses mesmos
materiais.</span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCZA30pwjPEdwGXw6m-VFNjEk3Nv4gjkx1xZQgOkgg7rsL4GUToatNYgi747hfLccvY8ThdQNtd2Vq_VUKlqxcm4WjFoGju8K0IMScxsD328IwTy7vphsJVlvHKDIQmYfUeFGYugc-A8ZcQugW9yjXpzBl7drwD0enHjlq6P6pNWnqlB2ehDlBWw/s1300/Volta%202%20-%20pg%201.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="920" data-original-width="1300" height="283" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCZA30pwjPEdwGXw6m-VFNjEk3Nv4gjkx1xZQgOkgg7rsL4GUToatNYgi747hfLccvY8ThdQNtd2Vq_VUKlqxcm4WjFoGju8K0IMScxsD328IwTy7vphsJVlvHKDIQmYfUeFGYugc-A8ZcQugW9yjXpzBl7drwD0enHjlq6P6pNWnqlB2ehDlBWw/w400-h283/Volta%202%20-%20pg%201.jpg" width="400" /></a></div><br /><span style="font-family: georgia;"><br /></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Aí
também, como se nota, os autores exploram tropos cristalinos, que
permitem introduzir assuntos tais como a convivência com a natureza
e o modo como a condição humana moderna implicou abandoná-la quase
por completo (com excepção deste “povo pardo”), duas formas de
compreender as relações de ocupação do território, que
compreende e abarca a imaginação, e até formas lendárias de
repetirem formas dos animais, sublinhando toda essa matéria.
Poder-se-ia ainda explorar a forma binómia, maniqueísta, como estas
duas forças são apresentadas, para sublinhar a clareza moral que se
pretende instituir. Até certo ponto, quase se poderia dizer que há
um muito menor foco no desenvolvimento e acções do próprio
protagonista – apesar dele ser transformado na “chave” dos
acontecimentos e interrelações centrais – do que na exploração
possível de um <i>worldbuilding</i>
fantasioso. Todavia, esta construção tão só se ergue como é logo
demolida, já que a grande crise narrativa de <i>Despertar</i>
é precisamente a revolução das suas estruturas de poder. De resto,
é isso o que o dispositivo narrativo da amnésia permite: a
introdução de vários aspectos de todo um mundo, ou mundos, a
partir de uma perspectiva fragmentada, que nos obriga a um esforço
de construção tão grande quanto o do próprio protagonista.</span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2Rg09A6cqornOTBJbIStdhrVD1fSPrNWMgJqNdefGDlanYBWXSxKWQ8ofsLZcUqOEY60FBxqO57p8Oss1O7XIsxRtt4asMdrL3Ao6FmOpwPB9b17MWaXoB1hYskRgk4m9_uF8t4mzx6xW7fQW6Yg9H_QPYKgfYR9S6waLyV4xkTSpSI0ezAwv8A/s1393/Volta%202%20-%20Spread.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="942" data-original-width="1393" height="270" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2Rg09A6cqornOTBJbIStdhrVD1fSPrNWMgJqNdefGDlanYBWXSxKWQ8ofsLZcUqOEY60FBxqO57p8Oss1O7XIsxRtt4asMdrL3Ao6FmOpwPB9b17MWaXoB1hYskRgk4m9_uF8t4mzx6xW7fQW6Yg9H_QPYKgfYR9S6waLyV4xkTSpSI0ezAwv8A/w400-h270/Volta%202%20-%20Spread.jpg" width="400" /></a></div><br /><span style="font-family: georgia;"><br /></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Naturalmente,
esta exploração de diversidade temática permite a André Caetano
esprair-se na sua lavra. Aqui encontra-se na posse plena da sua
capacidade em criar panoramas em planos gerais pejados de pormenor,
vistas rasgadas de paisagens telúricas e dinamicamente moldadas
pelas forças do tempo, como em planos aproximados, dramáticos,
capazes de revelar o máximo das expressões das suas personagens,
sem nunca perder a consistência dos traços. E, claro, todo o
trabalho de <i>design</i>
de personagens (quase imaginamos a “facilidade” em imaginar estas
personagens todas em figuras de plástico 1:18 ou 1:10, com máscaras
e acessórios recombináveis). Se bem que estejamos cientes de que o
trabalho de composição será debatido com ponto de partida no
argumento, e portanto haja responsabilidade partilhada, espero que os
leitores se apercebam de alguns momentos-chave em que a composição
– para mais num livro oblongo, que leva a estratégias bem
distintas de direccionalidade da acção, revelação dos espaços,
interacção entre os planos, transição das vinhetas, etc. - tira
partido de especificidades narrativas significativas: a revelação
espacial da gruta do Flautista vs. a acção quebrada dos dois
batedores do povo pardo a salvar Campeão e Violeta/Gentía da
avalanche, a captura na teia das tarântulas [v. acima], as últimas
palavras do Alfa revelando o passado “normal” de Campeão, etc.
naturalmente, composições essas que apenas resultam na sua
espectacularidade por interromperem um fluxo de composições
retóricas mais domesticadas, mas sempre ponderadas.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Findo este
volume, suspenso num futuro abrupto, novas questões surgem. Será
Campeão uma figura de disrupção? Menos um herói que constrói
do que a figura que revoluciona, que destrói uma maneira eterna de
ser para permtir novas liberdades, um novo espaço, começos? Estou
seguro que, tarde ou cedo, aqui <i>voltaremos. </i></span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;">Nota
final: agradecimentos à editora, pela oferta do volume.</span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-47746680115264436242023-11-23T11:11:00.003+00:002023-11-23T11:11:41.759+00:003 Graus de Carequice - Episódio 76 - HERMÉTICO (?)<iframe frameborder="0" height="270" src="https://youtube.com/embed/xvtVzANVszg?si=haD8AxqceWJDCl5x" width="480"></iframe><div><br /></div><div><span style="background-color: white; color: #0d0d0d; white-space-collapse: preserve;"><span style="font-family: georgia;">O título deste programa leva ponto de interrogação, pois tudo se inicia com mal-entendidos e depois uma tentativa de esclarecimento do propósito do tema. Dessa forma, inevitavelmente, foi um "slalom" expedito e vivaço. De que serve? Olha, para fazer mais perguntas... </span></span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-59173053945666969042023-11-17T18:07:00.003+00:002023-11-17T18:11:32.502+00:00Ilustrações de Isabel Baraona para Toda a ferida é uma beleza, de Djaimilia Pereira de Almeida (Relógio D'Água)<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkKTDez-8s363n_oQVv_xytwLnjdZNlEqCXtEEU17qV7qYNHWEMystzEnUmAknUO9DAuxOOJhYRmn56rUBPVBDjqXdyyQhg4SBpzwMnwx1j2WCz_fDHs116YLcq5Omc8ybAY_UETRcTDAg4-ASLkur-bQLnYRSigMusNAesYKA16PBsMIbFi24HQ/s2560/Toda%20a%20ferida%20%C3%A9%20uma%20beleza,%20capa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2560" data-original-width="1680" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkKTDez-8s363n_oQVv_xytwLnjdZNlEqCXtEEU17qV7qYNHWEMystzEnUmAknUO9DAuxOOJhYRmn56rUBPVBDjqXdyyQhg4SBpzwMnwx1j2WCz_fDHs116YLcq5Omc8ybAY_UETRcTDAg4-ASLkur-bQLnYRSigMusNAesYKA16PBsMIbFi24HQ/s320/Toda%20a%20ferida%20%C3%A9%20uma%20beleza,%20capa.jpg" width="210" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Queremos
partilhar aqui umas breves considerações sobre as imagens que
Isabel Baraona teceu para acompanharem as páginas de um longo conto,
quase novela, da escritora Djaimilia Pereira de Almeida. Com pouco
mais que cinquenta páginas, este caderninho oferta-nos uma narrativa
acompanhada por 19 imagens que com ela estabelecem o que podemos
chamar de <i>harmonia enigmática</i>. “Harmonia”, pois a
combinação entre um e outras não é apenas física – por mais
bem arranjado graficamente que o livro esteja, e está – mas por
fundarem uma concordância justa e profunda. Porém, “enigmática”,
cujo sentido grego original significa “falar obscuramente”, e há
uma trama de invisibilidade, de indecibilidade, que não nos permite
naturalizar a sua relação...<br /><span><a name='more'></a></span></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">O conto é
uma história crua, violenta, e torno de uma personagem menina,
pequena, nada frágil, mas bem pelo contrário energética, aberta ao
mundo, mas que encontra na sua madrinha, antagonista quase
unidimensional da maldade, não somente um entrave, mas uma força
destruidora, que a procura aniquilar no que mais íntimo existirá. A
estrutura, e até certo ponto, algumas das passagens frásicas, de
<i>Toda a ferida é uma beleza</i>, segue aquelas de um conto
folclórico, quase de fadas. Mas de quando em vez, ganha outros
níveis, ora agora mais alegórico, ora agora mais de fantasia
contemporânea, mas sempre com uma urgência de mensagem no presente.
A sua divisão em pequenas partes – não diria capítulos, não há
organizações formais costumeiras – torna-as pequenos momentos de
relançamento, respirações, passos, que a um só tempo aceleram a
leitura e ajudam a focar.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEic6-KP3htXSi_lcDd9dli3_6cyX-7W3KGcuWxNAIdzs06aRIdf1ytqvbQ937a-pDfIyeyjly8OngMwfi8yPzEHA7MHirtc9J-3gNfugKbnVVFnQyoNLpwSyuanjKZA7lih_PRUPcXQVzUA47wJnoOs_Ec6BX7hso7V0Wp0mivLDbK3GPwIVOtYLA/s3653/20231117_175924.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3653" data-original-width="1789" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEic6-KP3htXSi_lcDd9dli3_6cyX-7W3KGcuWxNAIdzs06aRIdf1ytqvbQ937a-pDfIyeyjly8OngMwfi8yPzEHA7MHirtc9J-3gNfugKbnVVFnQyoNLpwSyuanjKZA7lih_PRUPcXQVzUA47wJnoOs_Ec6BX7hso7V0Wp0mivLDbK3GPwIVOtYLA/s320/20231117_175924.jpg" width="157" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">A história
parece não ter uma inscrição cultural específica, usando uma
estratégia de ambiguidade que torna a narrativa ambivalente nas suas
circunstâncias de tempo e lugar. Não quer dizer que seja
automaticamente “universal”, mas permite um espelhamento e
facilidade de entrada aos seus leitores variados, seguramente.
Existem aveleiras, e cerejas, crescem margaridas nas estradas, os
ciganos habitam perto... Poderei ler <i>ferida</i> como
esperaiando-se numa paisagem rural, antiga, portuguesa? Mas esta é
uma cultura podre, ensimesmada, egoísta, tristonha, anti-alegria,
anti-mulher, que não quero acreditar ser <i>minha.</i> Apetece
empurrá-la para outras paragens, que não <i>minhas.</i> E que faço?
Empurro-as para as (<i>minhas construções sociais</i>) ideias do
“interior tacanho”, “comunidades menos educadas”, o “país
África”, “o Islão”, “a Outrolândia”? Se o fizer, estou
na verdade, e enfim, a fazer nada mais que uma defesa <i>minha</i>,
<i>nossa</i>, de queremos apontar que aqui, entre nós, não se passa
nada de negativo. São os outros.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">A escrita
de Djaimilia Pereira de Almeida, aquilo que nos oferta, contudo, é
uma forma subtil de nos armadilhar. Não de “nos tirar o chão dos
pés”, mas antes pelo contrário abrir-nos os olhos ao local em que
temos os pés. A ideia é de não nos dizer directamente que nos
implica, que é connosco, que é em nossa casa que isto se passa,
pois a autora, ou melhor o seu texto, quer que sejamos<i> nós mesmos
a descobri-lo</i>. Se ficarmos envergonhados, é meio-caminho para a
consciência.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Há que
revelar, porém, que há um final feliz. Mágico, participando do
maravilhoso, mas justo, pois é para isso que os contos de fada
servem.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEga-NCtsS9uXZF3SuHeoFFEc6ZFXRki120J_fk8U7j2s_l5gfEaacFvJEWLtBBn9g1MIfIem75SrBFRI0PCM7iDjdhn28d2XPAp_vrWKkV07mDp7ie0h9ihmn131ujOSShCUmklsyKz7r6uIRcBlVQKFKKSLHtfSEf8njIboOJGRHBfHPBh7ayZSQ/s2993/20231117_180048.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2993" data-original-width="1746" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEga-NCtsS9uXZF3SuHeoFFEc6ZFXRki120J_fk8U7j2s_l5gfEaacFvJEWLtBBn9g1MIfIem75SrBFRI0PCM7iDjdhn28d2XPAp_vrWKkV07mDp7ie0h9ihmn131ujOSShCUmklsyKz7r6uIRcBlVQKFKKSLHtfSEf8njIboOJGRHBfHPBh7ayZSQ/s320/20231117_180048.jpg" width="187" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">As imagens
de Isabel Baraona não se arregimentam para “ilustrar”. Se este
texto poderá seguramente re-existir sem as imagens, as imagens vivem
igualmente uma autonomia matérica, ainda que partilhem as alianças
dos ciclos ou das séries artísticas. Mas é a tal “harmonia
enigmática” entre as duas dimensões que levam a leituras mais
implicadas. As imagens, como é costumeiro do trabalho de Baraona,
apresentam-nos sobretudo corpos, desenhados em linhas a pincel, por
vezes outras técnicas, como dedos carimbados, aguadas, repassagens
de tinta, linhas finas, mal delineadas e já em presença total, com
um peso gravítico assinalável, a materialidade viva do corpo
tornada real. Acompanhando alguns dos trechos do texto mais de perto,
esses corpos sentam-se, deitam-se, sonham, voam, deixam crescer os
cabelos, mostram os detalhes da nudez ou ocultam-se em silhueta.
Fazem-se rodear de letras, algumas das quais reconhecíveis, em
palavras quase decifradas e logo explodidas em significados
diferentes, linhas serpeantes, chamas, auréolas e nimbos de cor,
volutas e redemoinhos de traços que mantêm uma presença paralela
mas confundem-se em formas orgânicas. E se num momento ganham os
traços mais decididos e próximos da protagonista, quase em retrato
realista, em muitos dispensam as características sexuais, ou até
pormenores humanos: linhas do rosto, olhos, interior.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">No conto,
há um momento em que a protagonista perde a mão, derradeiro castigo
cruel da madrinha, e tentativa desta em cercear a ligação que a
criança possui com um outro mundo de expressividade a que a madrinha
não tem acesso. No livro, essa esfera é a da escrita, do jogo da
inscrição, do rabisco que se sonha palavra, do assémico que vem
prenhe de significados, e sobretudo de alegria. Essa mão é
enterrada. Nada cresce nessa campa. Mas Baraona dá-lhe uma outra
vida. A mão é canteiro de novas flores. É elo de ligação entre o
sono e o sonho. É um coração que abarca a menina. Se num momento
essa mão estava rodeada de símbolos (desenhados, mas que social e
semioticamente consideramos “símbolos escritos”; nas páginas
12, 15, e sobretudo 18), ela depois, ausente, liberta figuras
(“ícones”, “desenhos”, “bonecos”; pg. 49). A mão que
escrevia, redivive. E se não escreve agora, desenha.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEij-NN9OAkGGWB9g1tjEsVe8nftkzSs2cStvmDQEtFACM6UGxarVV02TRDj5QpTwovs8jVklYoItS3bZc6xxstvyQk-OzcHQN0OLHkDDuaM14bUdIxfm39UBLyiYUnFNEJ9QzwbtsfsRmarNqASZl3YOdES3Idfo_hHuEFOja7lEVW0aWZiH5kn1g/s3266/20231117_180037.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3266" data-original-width="1743" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEij-NN9OAkGGWB9g1tjEsVe8nftkzSs2cStvmDQEtFACM6UGxarVV02TRDj5QpTwovs8jVklYoItS3bZc6xxstvyQk-OzcHQN0OLHkDDuaM14bUdIxfm39UBLyiYUnFNEJ9QzwbtsfsRmarNqASZl3YOdES3Idfo_hHuEFOja7lEVW0aWZiH5kn1g/s320/20231117_180037.jpg" width="171" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">As imagens
de Isabel Baraona participam aqui da natureza análoga às dos
cogumelos ditos “véus-de-noiva”, que possuem uma estrutura
externa em forma de rede, ou saiote, chamada <i>indusium</i>, que
estende uma camada cheia de buraquinhos. Mas isso não são “falhas”
ou “problemas” ou “ausências”; esses buracos são parte
estruturante da película, são parte integral do todo. Não é essa
a mesma matéria continuada das palavras de Almeida, pela “falta”
dos pormenores? Não esse o intervalo de dúvida no qual nos podemos
entrosar e preencher?</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Alguns
leitores poderão sentir que a violência do conto é, por vezes,
demais. À escritora não lhe interessará – nestas páginas,
dizemos – estreitar os significados numa acusação panfletária de
crimes reais, que hediondamente continuam por todo o mundo. Estamos
no campo da ficção. Da fantasia. Mas essa crueldade está aqui: em
gestos, em exposições, em palavras, em proibições e em tarefas.
As imagens contornam essa violência com os não-ditos. As obras de
arte têm um papel, mas esse papel é terapêutico, não
soteriológico. Como escreve Maria Filomena Molder, “com a noite
voltam as estrelas, para [Walter Benjamin] um outro nome para as
obras de arte, que não salvam a noite... só a iluminam”.</span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;">Nota
final: agradecimentos à artista, pela oferta do livro.</span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-60599045495298956332023-11-16T18:55:00.004+00:002023-11-16T18:55:29.756+00:00Balada do Desterro. Zeca Afonso. Teresa Moure e Maria João Worm (A Central Folque/Tradisom)<p style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgITu5F36ATABDYFfFxL98ukTqXeQRqXDdvqJdp7ch1mWU8sVPDac_j_p94HF8qPsXxXHR03NdScFu93I-7NzqccR8tEtdD42hBz7K4vK5p9UAK4g2T2df8PxKaaiJ9piTesGerBZFJqa4YiwnhrD4Q89fpOf8A4lCse1euOHi7fL-n5fmmB-Tc7g/s637/Balada%20do%20Desterro,%20capa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="637" data-original-width="447" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgITu5F36ATABDYFfFxL98ukTqXeQRqXDdvqJdp7ch1mWU8sVPDac_j_p94HF8qPsXxXHR03NdScFu93I-7NzqccR8tEtdD42hBz7K4vK5p9UAK4g2T2df8PxKaaiJ9piTesGerBZFJqa4YiwnhrD4Q89fpOf8A4lCse1euOHi7fL-n5fmmB-Tc7g/s320/Balada%20do%20Desterro,%20capa.jpg" width="225" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Não
estamos perante uma biografia de José Afonso. Nem tampouco um livro
de memórias pessoais, que poderiam passar pela experiência de
convívio com o homem, no seu tempo, ou pela encurtada distância que
se permitira nutrir através da escuta contínua, íntima e
transformadora das suas canções. Não é uma reportagem,
reconstruindo-se essa vida a partir dos fragmentos possíveis, de
documentos, de partes “favoritas” ou menos centrais. Não é uma
hagiografia, que procure transformar um homem, falho como todos os
humanos, num ícone que arraste consigo uma utopia que não chegou a
ser sequer explicada, quanto mais semeada mesmo. Nem é um acerto,
colocando a fragilidade da carne e do quotidiano à frente. </span></div></div><span style="font-family: georgia;"><span><a name='more'></a></span></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Contudo,
este acumular de negativos atropelam-se entre si, pois são esses os
fios que pretendem digladiar-se nas páginas, sem que nunca um deles
vença o outro. É um pouco disso tudo, numa construção sempre em
desequilíbrio, que empurra à página seguinte, numa permanente
busca pelos contornos de uma pessoa, que nunca se chegam a coalescer,
pois uma pessoa, sendo-a, é sempre móvel e móbil. Essa é a lavra
de Teresa Moure, escritora galega com laços estreitos à fita
territorial onde se fala uma língua filha-irmã, na qual “o Zeca”
tecia as suas histórias. A autora coze com cuidado o que parecem ser
depoimentos de membros da sua família, memórias de companheiros,
histórias consabidas, quiçá uma dimensão mais fictícia, mas
senão verosímil, “verdadeira” ao espírito dessa vida. E
embalamo-nos numa escrita em português que pede emprestado um
vocábulo ou uma grafia ao galego, e se lembra de citar francês,
espanhol, das línguas africanas com que Zeca privou.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Essas
histórias muito rapidamente abrem caminhos a espaços mais
alargados: a da história do colonialismo português e as lutas da
sua libertação, do espesso e irrespirável Portugal que o 25 de
Abril veio arejar, das viagens nas estradas para cantar um pouco por
todo o lado, das amizades e do cansaço da vida. Às vezes, vai-se
mais longe e fundo ainda, quando uma dança é revelada e atravessa
oceanos, ou a história se estende séculos para compreender o tardio
da justiça.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-lLBusCFyDByzoFWbuKqFZc1N8v7j5Wk-z4NZBwqnT0f1QPtokB3fqiwRHTZWpe32SLS8PsmDMviwdHbGN_mgZg7B2PpijHZzHvbUEDrYGXw01JJYYtOHb6bw_ltjlc7ZNGkJ1Ok5xr4iPCd6cRd8AnbQImo7ErHjBVYl-ZhKLqpO-JO6ZhDmwA/s1039/Balada%20do%20Desterro,%2002.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1039" data-original-width="739" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-lLBusCFyDByzoFWbuKqFZc1N8v7j5Wk-z4NZBwqnT0f1QPtokB3fqiwRHTZWpe32SLS8PsmDMviwdHbGN_mgZg7B2PpijHZzHvbUEDrYGXw01JJYYtOHb6bw_ltjlc7ZNGkJ1Ok5xr4iPCd6cRd8AnbQImo7ErHjBVYl-ZhKLqpO-JO6ZhDmwA/s320/Balada%20do%20Desterro,%2002.jpg" width="228" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">E tudo
isto é-nos mostrado não em prosa, mas em páginas de uma beleza
variada, graças ao trabalho de Maria João Worm. Mais uma vez, é
uma fiada de negativos que se nos colocam à frente. Não é banda
desenhada, não é ilustração, não é uma subserviência das
imagens às palavras, mas são elas mesmas apenas outros membros que
dançam num ritmo certo e muito particular com aqueles das palavras.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Numa cena
inicial, e em outros breves momentos, as imagens são compostas por
fotografias de pequenos teatros de papel, com cenários em recorte e
personagens em silhueta, tanto devendo aos teatros do século XVIII
como aos <i>kamishibai</i> mais recentes.existirão depois imagens
lavradas a papel recortado, rasgado, sobreposto e colado, haverá
desenho a linha, aplicação de riscadores, trabalho de <i>grattage</i>,
montagens sucessivas, e um incansável trabalho de edição,
tratamento, limpeza e filtragem, para termos uma espécie de
caleidoscópio visual, estilístico e cromático que tenta repetir e
devolver os humores e momentos distintos desta vida inconjunta, como
todas.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Dessa
maneira, por vezes lemos e vemos algo que se desenrola como um
teatro, onde a cena se mantém estática, e os actores movem-se à
nossa frente. Noutras, é o audiovisual que parece tomar conta, e os
diálogos vibram com uma electricidade que nos fazem concentrar na
importância dos discursos. Outras vezes, são pautas, ou nevoeiros,
ou paisagens, ou vitrais, e cada passo visual abre-se como um perfume
particular de ideias particulares.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">A palavra
“feminismo” é repetida, muitas vezes, ao longo do livro. E
estamos em crer que vai surgindo com as suas várias valências, de
polissémica e multivalente que é, capaz de mostrar ângulos
diversos de toda uma série de lutas, umas mais lutas que outras. Não
se poderia afirmar que o livro é feito a partir de uma meada das
“mulheres do Zeca” (uma estrutura muito comum quando se fala de
“grandes homens” que tenham passado por relações muitas, como
as dos artistas, como se se quisesse diminuir essas existências
turbulentas e “escangalhadas” à narrativa chinelada de um pai
burguês e em conforto). Mas elas surgem, em fila, da companheira de
infância em África às intelectuais influentes, das mulheres com
quem casou à que filiou e combateu – em parte, há um pedido de
contas contra o seu paternalismo, a maneira como lançou sombra sobre
a mulher, se as suas letras iam longe o suficiente... mas são
questões que, não sendo sistematizadas e, sobretudo, por não haver
um contraditório e contextualização suficientes, fica com um sabor
metálico de pergunta da praxe, que tem um valor performativo <i>hoje</i>,
mas nada diz de <i>ontem. </i><span style="font-style: normal;">Mas
seja como for, e a canção é citada, bastará recordar-nos do verso
“mulher na democracia não é biombo de sala”, em </span><i>Teresa
Torga</i><span style="font-style: normal;">, que a questão teria
resposta, sim?</span></span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgt-OzpiyFz_2WCKv904lDF1n0MNUfop976yWn5sQ3C2ceo53KjUcOczNJCWjc6VnBj38HPPegLyXrb1mliy7I2dBCBpQiRdOCuMybpwA78jfkFDmD2yNzjNFNsUJwmpL0y1fa9z4rK5SPflJTZ6O_JMcX_CTWrauKlNM8h5zouRXvM1R2hBGmbXw/s502/01.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="502" data-original-width="348" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgt-OzpiyFz_2WCKv904lDF1n0MNUfop976yWn5sQ3C2ceo53KjUcOczNJCWjc6VnBj38HPPegLyXrb1mliy7I2dBCBpQiRdOCuMybpwA78jfkFDmD2yNzjNFNsUJwmpL0y1fa9z4rK5SPflJTZ6O_JMcX_CTWrauKlNM8h5zouRXvM1R2hBGmbXw/s320/01.jpg" width="222" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Pessoas
mais informadas que nós poderão dizer se é justo o recorte que se
faz de Zeca Afonso. Se não haveria outros momentos tão dignos ou
mais importantes. Ou se aqui se revela uma faceta nunca antes pensada
assim. Mas estamos em crer que se a liberdade de nos relacionarmos
com personagens históricas existe, esta é uma prova dessa mesma
liberdade. Não foi a canção do Zeca que se tornou a primeira senha
do 25 de Abril. Mas não há dúvida, na epiderme e no sangue que
lateja, que as notas e os passos gravados – isto é dito no texto,
isto é real, isto é mais verdadeiro que a verdade histórica – de
“Grândola” são mais activos e pujantes que a bela voz rasgando
o céu de Paulo de Carvalho.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-style: normal;"><span style="font-family: georgia;">Em
certo ângulo, o livro é febril. Estas descrições todas, a sua
variedade, assim o articula. Mas é igualmente um livro tranquilo,
que coloca cada pergunta lentamente, e a ela poderá retornar mais
tarde, e é aos poucos que juntamos as partes, os episódios, e
percebemos a vida. Uma vida interior, breve, fragmentária, mas viva.</span></span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Nota
final: agradecimentos à editora, não só pela oferta do volume, mas
por abrir um caminho diferente e digno do diálogo de uma outra banda
desenhada ao mundo, e Maria João Worm, pela conversa. Aconselho
vivamente <a href="https://pgl.gal/teresa-moure-a-figura-do-zeca-e-fascinante-precisamente-pela-sua-independencia-de-criterio-eu-sou-o-meu-proprio-comite-central-dizia/">esta entrevista</a> a ambas as autoras.</span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-49905187941332110272023-11-11T20:38:00.002+00:002023-11-11T20:38:09.582+00:00Artigo de Ilan Manouach em "defesa" do uso de I.A. em banda desenhada. <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhceT8ZQhEok0ycx_ISVWQIPVwsz4nxpNpmTbH95FpS_yIXnSFlkVexlP13xvrmHXbPs_Mx2xMqNnJYv7OnCJEnHUQVu-qRwTuCf9l8XCQIhssIghA0mquVdwhRBL2llzhiDlq8GcFoFGFBfQfQbRZX2lsAYTj2VAxfzxXvFLjD8rSwOjZnuHegjA/s5670/1.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3544" data-original-width="5670" height="250" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhceT8ZQhEok0ycx_ISVWQIPVwsz4nxpNpmTbH95FpS_yIXnSFlkVexlP13xvrmHXbPs_Mx2xMqNnJYv7OnCJEnHUQVu-qRwTuCf9l8XCQIhssIghA0mquVdwhRBL2llzhiDlq8GcFoFGFBfQfQbRZX2lsAYTj2VAxfzxXvFLjD8rSwOjZnuHegjA/w400-h250/1.jpg" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;">Na esteira de uma relação contínua com o artista Ilan Manouach, de colaboração criativa a inquirições académicas, traduzi um artigo da sua autoria que agora tem vida no site Bandasdesenhadas.com, a quem agradeço desde já a, também contínua, abertura a propostas por vezes fora do escopo do seu trabalho.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;">O artigo é da total responsabilidade do artista mas, devo dizer, trata-se de algo que me interessa particularmente escavar e compreender, com a maior transparência e o esforço dedicado que lhe conseguir dedicar, limitado todavia pelos meus conhecimentos e até capacidades de compreensão técnica. Regra geral, agrada-me em particular o rigor intelectual de abordar o tema no seu alcance holístico, implicado e multifacetado, que vai muito mais além de um basilar, senão mesmo primitivo e até ridículo posicionamento "contra" ou " favor" - por outras palavras, nem cair numa posição "ludita" nem numa de crente no "solucionismo tecnológico" [cf. Evgueni Morozov] -, sem a necessária discussão de quais facetas estaremos a falar: técnicas, culturais, económicas, políticas, até geoestratégicas, e, acima de tudo, éticas. Pois essa é a questão fundamental: combater o chamado "desalinhamento", e, a questão da "caixa negra" (a.k.a. "blackbox"; a opacidade da construção dos algoritmos que presidem a estes programas). Como escreve Diogo Queiroz de Andrade, "Isto implica ter sempre quadros de tomada de decisão que privilegiem respeito pela dignidade humana, obrigar à não-discriminação e à transparência" (<i>Algoritmos. Uma revolução em curs</i>o, pg. 53).</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;">Com efeito, não fui, até ao momento, testemunha de qualquer discussão séria, informada e balizada sobre as potencialidades, impactos e vertentes em que a dita "inteligência artificial" (um termo muito erróneo e problemático) se permite entrosar na criação desta disciplina que tanto apreciamos. Discussão na nossa esfera, sejamos precisos, pois ela é algo parca de equilíbrio e argumentação. Vejo apenas respostas passionais e automáticas, sem demais, julgamentos imediatos, uma muito baixa curiosidade intelectual, e, para mais, presos aos exemplos mais superficiais do seu uso, através de plataformas públicas, gratuitas e em regime das tais "blackboxes" dos <i>prompt-generators</i> disponíveis até à data - de que eu próprio, como é sabido, fiz uso, num trabalho pioneiro na<i> Cais</i>.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;">Neste momento, encontro-me a escrever um artigo, de natureza académica, que toma precisamente o volume <i>Fastwalkers</i>, de Manouach, como ponto de partida, para tentar compreender que natureza de poeticidade é possível de emergir deste tipo de textos assistidos pela "cognição sintética" (um termo mais certeiro do que i.a.; veja-se o excelente volume <i>Chimeras</i>, editado pelo próprio Manouach), e que nascem de, não apenas de acervos específicos e tratados de dados para treino (o chamado"dataset") mas de algoritmos (protocolos) construídos com exactidão. E que, provavelmente, fundarão não apenas novas imagens mas uma nova maneira de <i>ver</i>, tal qual sucedeu com muitos outros instrumentos óptico-científicos ao longo da história humana. </span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;">Para ver, é preciso trabalhar. E pensar. </span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;">Poderão aceder directamente ao artigo, <a href="https://bandasdesenhadas.com/2023/11/11/para-que-contratar-artistas-de-banda-desenhada-se-a-banda-desenhada-se-pode-desenhar-a-si-mesma/">aqui</a>.</span></div><br />Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-55845801987492475472023-11-09T20:22:00.006+00:002023-11-09T20:22:59.552+00:00Metasandman. Ana Rosa Gómez Rosal (Jot Down Books)<p style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><ul><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjB-llGgfg4PGAUdbGk1w02uaap3ikOCBzTk_0DdDSayHXV1yfHaFRAfWeWTONj-yFyNHCb04XAOUqqwdrCZkWe8d10YSr3Od_5qZzsJSSM6gMStjwo1_AhyR7w9OLEVIJNVgnWxNClHFMJH3TylYoC9vI1KCvbCatxIs_71htV_837H420XUQUnA/s1500/Metasandman.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="1001" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjB-llGgfg4PGAUdbGk1w02uaap3ikOCBzTk_0DdDSayHXV1yfHaFRAfWeWTONj-yFyNHCb04XAOUqqwdrCZkWe8d10YSr3Od_5qZzsJSSM6gMStjwo1_AhyR7w9OLEVIJNVgnWxNClHFMJH3TylYoC9vI1KCvbCatxIs_71htV_837H420XUQUnA/s320/Metasandman.jpg" width="214" /><br /></a></span></ul></div><span style="font-family: georgia;">Não sendo
o primeiro livro de natureza mais académica dedicado a <i>Sandman</i>
(e muito menos primeiro texto, artigo, etc.), nem como poço de
interpretação ou revelador de pistas (veja-se o <i>Companion</i>
de Hy Bender) este pequeno volume é, porém, um gesto inédito,
verdadeiramente <i>poiético,</i>
no sentido de estar a inaugurar uma espécie de ensaio pouco comum,
uma senda de especulação de pensamento muito estimulante. Tanto de
revelador do complexo filosófico que a autora arrola através dos
símiles e ficções de Gaiman et al., como de iluminador sobre essa
mesma obra de banda desenhada através dos instrumentos rigososos das
noções filosóficas convidadas a ser empregues. De resto, algo
desde logo previsto a partir dos anos 1960 com a emergência dos
Estudos Culturais, que permite interrogar “textos” (num lato
sentido semiótico) das ditas “culturas populares” com
instrumentos transdisciplinares do mais alto rigor, e a que a banda
desenhada tardou, não obstante alguns pontos brilhantes isolados,
mas acabou por realmente conquistar.<span><a name='more'></a></span></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">O seu
objecto são as lições metafísicas – isto é, as interrogações
especificamente dedicadas à compreensão dos fundamentos da
realidade – que são permitidas pela leitura de cada um dos livros,
volumes ou “trades” (já voltaremos a esta questão), ou “nuevo
arco argumental” (121), da saga de <i>Sandman</i>.
A principal, publicada entre 1989 e 1996, sem quaisquer dos
<i>offshoots</i>.
Cada capítulo de <i>Metasandman</i>,
com efeito, é dedicado a um dos títulos unitários que a compõem e
que podem ser lidos autonomamente, com o seu círculo particular de
personagens, circunstâncias, intriga, problemas e resoluções, que
se vão acumulando sobre os ombros e existência do protagonista,
Morfeu. Essa leitura tem o propósito de se poder eleger cada um
desses volumes como uma etapa de aprendizagem, talvez mesmo
iniciática, que vai revelando, a um só tempo, a descoberta ou
tomada de consciência de Morfeu do que significa a brevidade e
beleza da vida humana, a nós a redescoberta da beleza dessa mesma
efemeridade.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Por
exemplo, o capítulo dedicado a <i>Prelúdios
e Nocturnos </i>fala do modo como
Morfeu, “reducido a pura corporeidad” (153), experiencia o tempo
pela primeira vez, uma categoria na qual nós, seres humanos, estamos
mergulhados, mas com quem esse ente surgirá como um filtro bem
distinto. Na sua prisão, Morfeu verá “El tiempo percibido como
regalo, como algo no asegurado, como disposición, no del tiempo
cronométrico, sino del devenir, de su significado” (22). Contudo,
a descoberta dessa nova “prisão”, por assim dizer, da categoria
do tempo, a que nós, mortais, não podemos escapar, não tem de ser
compreendida como um peso e inércia: “a pesar de la continuidad
que sigue prevaleciendo en la cadena de causalidades, podemos escapar
de la concepción determinista del universo que habíamos extraído
del jardín de Destino” (122).</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Ainda que
a autora não se foque somente na dimensionalidade temporal em
<i>Sandman</i>,
não há dúvidas de que é recorrente a sua presença, preocupação
e sombra. E não deixa de ser significativo que o seu termo, em
relação aos “Infindáveis” (toda a coorte das entidades, ou
“família”, de que Morfeu faz parte), esteja nas múltiplas mãos
das Euménides, as Benevolentes, demonstrando que “dentro del
mecanismo universal, existe un garante de justicia acorde a las leyes
atemporales” (161).</span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_668AcD5E5HFrzJyBy-NHvBLCT-c9LePbe4SstgkKbgJSSEgsQVfo_JsjKIvTJFaWrj77osoPk0-JuFdiBH3hft57pg86nPsfq8d7eN13fcOe-PHj5GD0EM8A4BrH6-Ww4URMzq9Lb3k37PTyUqnUv0E_Q2aGXbwq9Au44KPaVjUsecq3z6ebrw/s688/s.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="516" data-original-width="688" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_668AcD5E5HFrzJyBy-NHvBLCT-c9LePbe4SstgkKbgJSSEgsQVfo_JsjKIvTJFaWrj77osoPk0-JuFdiBH3hft57pg86nPsfq8d7eN13fcOe-PHj5GD0EM8A4BrH6-Ww4URMzq9Lb3k37PTyUqnUv0E_Q2aGXbwq9Au44KPaVjUsecq3z6ebrw/w400-h300/s.jpg" width="400" /></a></div><span style="font-family: georgia;"><br /></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Esta obra
de Gaiman tem tanto de circunstancial à sua época – o próprio
design das personagens é muito devedor a certas tribos góticas e
pós-punk do final dos anos 1980 – como de intemporal – o modo
como vai tecendo as suas “histórias sobre histórias” baseada
num alargadíssimo fundo referencial, erudito e popular,
anglo-euro-americano e além desse quadro cultural – como ainda de
atento e lavrador da contemporaneidade – a atenção para com as
identidades sexuais mais fluidas, a maneira como a <i>acção</i> se
expressa na existência humana, o que significa a inteligência e o
afecto, ou porque tecemos deuses e ficções... Dessarte, a autora
lança mão de todo um manancial de referências, não apenas
estritamente filosóficas (Bergson, Merlau-Ponty, etc.) mas também
de textos literários, de Marco Aurélio a Jonathan Carroll, de
música e cinema, e por aí fora, criando um cadinho gigantesco de
que, de resto, como acabámos de dizer, também Gaiman bebe.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Inevitavalmente,
aquela opção de leitura - “livro” a “livro” - leva a que se
explorem menos questões transversais, temas e baixos contínuos, e
se enfrente cada “arco” como uma plataforma de pesquisa de que
estes capítulos da autora são um ponto de partida. Haverá sendas
menos exploradas, questões nem sequer colocadas, dado o nível
complexo de investigação que permitirá. Mas o que analisa de facto
é, desde logo, significativo. E há por vezes frases, sobre uma
personagem, uma história, um objecto, cujo brilho nos leva a reler
estas mesmas histórias.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Porém,
desenganem-se. O livro tem tanto de erudito como de popularizador.
Não me atreveria a dizer que o livro é “fácil”, nem tem a
“papinha feita” em relação aos pensadores que cita e com os
quais trabalha (de Nietzsche a Derrida, e também os gigantes
espanhóis Unamuno e María Zambrano). Se o leitor não estiver de
forma alguma familiarizado com o trabalho e a exigência do rigor
filosófico, é possível que o livro possa ser algo opaco. Mas
também podemos encará-lo como uma putativa porta de entrada a esses
mesmos mundos e ângulos do pensamento, um convite a essa mesma
exploração, ainda que se saiba que o caminho vá ser íngreme e
difícil. O primeiro passo... como se costuma dizer.</span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1RPtv8Eltjhn4hRAPSDQmnq0lmv-sgeJtETTvXNJqzw8Cv3iNkNgMe80xCUQA58v2hMu3F3FI67EMmQicYAwCcDGVBj-ieAiGNb09zL01HBBLtJyDI6nGSCQwdG8JqO1SD4196JW3aWuOs41re_4WXWvX9heANdQqAc6Wgssok16uzDMU_lPkeQ/s724/e.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="724" data-original-width="650" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1RPtv8Eltjhn4hRAPSDQmnq0lmv-sgeJtETTvXNJqzw8Cv3iNkNgMe80xCUQA58v2hMu3F3FI67EMmQicYAwCcDGVBj-ieAiGNb09zL01HBBLtJyDI6nGSCQwdG8JqO1SD4196JW3aWuOs41re_4WXWvX9heANdQqAc6Wgssok16uzDMU_lPkeQ/w359-h400/e.jpg" width="359" /></a></div><span style="font-family: georgia;"><br /></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">O sonho,
para Gómez Rosal, poderá partir enquanto noção abstracta,
intangível, mas é instrumentalizador e iluminador sobre a
concretude das nossas existências – cognitivas e emocionais,
quotidianas e materiais. Afinal de contas, é uma noção liminar,
“ni los dioses ni los humanos parecen estar nunca conformes com lo
que hace y da” (16). Mas por essa mesma razão, importa estudar o
impacto da literatura (até certo ponto, a autora subsume a banda
desenhada e essa área artística, o que pode ser problemático, e
quiçá seja uma das dimensões menos vincadas deste livro), já que
“La literatura es el espacio privilegiado para desarrolar y
demostrar esta afirmación, puesto que imprime en nosotros una huella
sin necesidad de materia, y se queda su marca, sin que tengamos que
recordar exhaustivamente los hechos, ni las fechas, ni siquiera las
palabras exactas” (64). Analisando <i>A Game of You</i>, uma das
mais preciosas construções narrativas de toda a saga, a autora
sublinha essa impressão, quando repete os efeitos que a “quebra da
quarta parede”, ocorrida nessa história, tem sobre a nossa
existência: “no nos es ajeno, por mucho que habitemos dos estados
distintos de realidad (…) la ficción no es solo un
entretenimiento, que no es un juego anodino (…) se nos está
indicando que somos también actores, que estamos actuando, que
tenmos una acción, porque ser afectados por lo que allí acontece
forma parte de las reglas del juego” (89). De certa forma, talvez
se pudesse afirmar que é precisamente isso o que sempre acontece na
leitura, na implicação que a leitura convida nas tramas do que é
narrado. Não precisamos de interactividade no sentido de uma
tactilidade externa, distante: a leitura toca-nos, implica-nos. Mas
haverá livros que nos tocam mais que outros, e <i>Sandman</i> pode
concorrer a esse papel.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Mais
ainda, a liminaridade surge noutras ocasiões. Não apenas nos “soft
places” de alguns episódios (extensão de Morfeu, sempre, mesmo
que no momento ele não se aperceba), mas no próprio rei dos sonhos,
“agente reunificador, tanto por hacer de conducto entre las
dualidades, entre los estadios realidad y ficción, hechos y
quimeras, como por estar constituido por los dos mundos. Tiene sus
funciones, sus leyes inamovibles a las que se debe para que el buen
funcionamiento del cosmos se mantenga, pero también tiene sus
movidas humanas” (106-107). A liminaridade que é matéria do
próprio discurso de Gõmez Rosal.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Outros
críticos já apontaram, e bem visto, que a autora se refere
sistematicamente a todo o <i>Sandman</i>
como uma “novela gráfica”, ou uma série delas. Ora, isso
suspende a contextualização mais precisa, histórica, e de
importância social e económica, de que a série teve a sua
primeríssima vida, e desde logo com sucesso, através do formato
comercial norte-americano dos <i>comic
books</i>. Delir essa realidade é
um desserviço de uma realidade, que parece querer dar um peso
adicional ao formato (e prestígio) do objecto “livro” (daí a
inscrição quase exclusivamente “literária”, a dimensão
estrutural e de desenho passa quase em silêncio, infelizmente), mas
põe de lado toda uma série de relações fulcrais de compreender,
editoriais, profissionais, económicas, da colaboração entre as
partes, de propriedade intelectual, etc. que não deve nem pode ser
escamoteada, com o perigo de reduzir as obras somente a textos quase
desmaterializados.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Só que,
mesmo que seja feito de areia, o grão do Reino de Morfeu é sólido.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"><span style="font-size: x-small;">Nota
final: este pequeno livro, de quase duas centenas de páginas que se
leêm, apesar de tudo, celeremente, tem ainda um complemento sob a
forma de banda desenhada, ilustradas pelo artista que assina como
Panchulei, em que as figuras dos filósofos que protagonizaram as
lições centrais do livro convivem, e ainda um prólogo e epílogo
de Marcos Perede. Em ambos os casos, os vincos em relação ao texto
central são leves, mas justos. </span>
</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><br />
</p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-79461854591801170482023-11-07T15:51:00.005+00:002023-11-07T15:51:49.346+00:00Neon. Rita Alfaiate (Escorpião Azul)<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2XwKJOzj8CF9aLTqH8tx8nSrezkeT1NaTbJen-aGc_ebE58i8ETgsWVTLgjJP-84NLZnE6SctAOz-yv4dVwjs7wERhxiVvX-zTmb3VONV50HTZDqLHL3aZ9zMUs1ek-zb7EryjST4FpEVbmoAolRHRoOkO8-W8bEV8w1Kqn8yDcR9umd3h7x7Fg/s2710/Rita%20Alfaiate%20-%20Neon,%20capa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2710" data-original-width="1920" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2XwKJOzj8CF9aLTqH8tx8nSrezkeT1NaTbJen-aGc_ebE58i8ETgsWVTLgjJP-84NLZnE6SctAOz-yv4dVwjs7wERhxiVvX-zTmb3VONV50HTZDqLHL3aZ9zMUs1ek-zb7EryjST4FpEVbmoAolRHRoOkO8-W8bEV8w1Kqn8yDcR9umd3h7x7Fg/s320/Rita%20Alfaiate%20-%20Neon,%20capa.jpg" width="227" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Graças às
redes sociais, portfólios online, e aos novos modos de muitos
autores criarem expectativas, <i>posts</i>, <i>teasers</i>, <i>trailers</i>,
<i>w.i.p.s</i>, etc., <i>Neon</i> tornou-se um daqueles objectos que
se ia consolidando como algo merecedor desde logo de uma atenção
redobrada. Pessoalmente, graças à oportunidade que tive em
manipular arte original de Alfaiate (na <i>Flexágono</i> de 2022),
inclusive algumas aguarelas magníficas, associadas à versão final
de <i>Tangerina</i>, e o acompanhamento da peça curta que a artista
co-criou com André Oliveira para o último número da <i>Umbra</i>,
pude testemunhar alguns dos processos de trabalho que revelam um
domínio exímio da dimensão artesanal do fabrico de imagens, em
termos de composição, enquadramento, diversidade de estratégias
visuais, flutuação de registos visuais, que aqui ganham um nível
mais vincado ainda.</span><a name='more'></a><p></p><p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Apesar do
número de páginas, <i>Neon</i> estará mais próximo da categoria
do conto, pela concentração dos eventos, das cenas, mas por outro
lado procura apresentar de forma crescente, paulatina e certeira, as
intensas emoções que atravessam a protagonista sem nome. É, com
efeito, um escavar de emoções que arrola toda uma série de
relações da protagonista com outras personagens, não
necessariamente humanas, e que atravessa categorias de tempo
não-lineares. Se a um determinado momento nos parece estarmos a
seguir uma clássica estruturação, a outro passo torna-se evidente
que é apenas uma armadilha que nos apanha e surpreende.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Curiosamente,
para algo de tão concentrado em termos de “número de eventos”,
ou “episódios”, um aspecto excelente é a clareza com que os
movimentos e transições de vinhetas são feitos, permitindo dessa
forma a compreender as acções e a lógica em questão. Precisamente
para dar um maior impacto nas emoções sentidas – isolamento,
melancolia, medo, tristeza. O facto de estarmos num universo
aparentemente “scifi” pouco importa. Afinal, por mais fantástica
que as tecnologias sejam neste universo narrativo, há um “peso”
na forma como são empregues que as tornam perfeitamente verosímeis,
senão mesmo “banais” na enconomia da narrativa.
</span></p><p style="margin-bottom: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgugMVm0Ziydw7EWc0y4625nB1gLbaWyj9chBWaS3mRnuJY-Adm4eA8drLW9ICzZYe8S1GPc-bb3rxkPRF9je2W33p5obxCgXWYWcztNQTezI-HYHlAT33NCzsVMWI-ECpsCOjyXrF3nPcElCNBSKHc24FnrE0wFvmZ4MFl4yVoQ6alNTzCilxeag/s1920/Rita%20Alfaiate%20-%20Neon%202.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1355" data-original-width="1920" height="283" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgugMVm0Ziydw7EWc0y4625nB1gLbaWyj9chBWaS3mRnuJY-Adm4eA8drLW9ICzZYe8S1GPc-bb3rxkPRF9je2W33p5obxCgXWYWcztNQTezI-HYHlAT33NCzsVMWI-ECpsCOjyXrF3nPcElCNBSKHc24FnrE0wFvmZ4MFl4yVoQ6alNTzCilxeag/w400-h283/Rita%20Alfaiate%20-%20Neon%202.jpg" width="400" /></a></div><span style="font-family: georgia;"><br /></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Como a
própria autora confessa, através das notas paratextuais do livro,
as primeiras imagens, ou primeiras expressões visuais das ideias que
se iam formando em si, tinham apenas o intuito de serem como que uma
espécie de “ilustração solta”, tocando muito dos temas desse
género literário, protagonizados por uma mesma personagem, num
<i>worlbuilding</i> ambivalente, estimulante, mas que não se
desejava subsumido necessariamente a uma narrativa linear ou fechada.
Um pouco como um Jakub Rozalski ou Simon Stalenhag ou dezenas de
outros artistas, cujas imagens parecem prometer uma narrativa, mas
não são agenciadas como tal. No caso de Rita Alfaiate, essa
transformação verificou-se. Mas ainda como esses outros autores, a
narrativa não se tece pelas esferas mais altas de sagas épicas de
“high concepts”, mas pelo quotidiano mais banal e humano, nos
quais a tecnologia existe, mas quase como um ruído de fundo que
apenas existe. Não se trata de utopia nem de distopia tecnológica,
é apenas mais uma peça. E o vinco de fantasia não se constrói
sobre a tecnologia, mas na memória.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">O facto da
personagem se encontrar isolada nestas paragens urbanas, levando-a
mesmo a ora encernar-se a si mesma como interlocutora das suas
próprias acções, ora a ver-se forçada a cumprir certas regras
societais – sempre permitidas por um domínio maquínico –,
apenas sublinham o substrato pouco significativo da tecnologia. O que
importa sublinhar é a perda, a melancolia, a tristeza e aquela
constante necessidade de consolo humano. Apesar de Neon, o cão,
estar activo, o facto de não ser “de carne” não permite à
protagonista a satisfação relacional que parece perseguir
constantemente. E isso lança-a na busca que se revelará
transformativa.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Também a
escolha da letra, particularmente maquínica, poderá ser vista como
uma pista de interpretação da “ordem dos eventos”. Afinal de
contas? Quem cria quem? Em que nível estamos? Que circularidade de
criação está aqui implicada? <i>Neon</i> não é apenas “sobre
um cão”, mas antes sobre a própria identidade.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbnS1rEdONvK3h9tyU0WhekCMxbTb7D0trEv-a8aOoRJBynqQp5uDpAlyiuQNHE1rjX9Xw64JD2pjPmAg7fujvPrYVzzKZ-m9ttqi-Tw0L39OMPaK524iC3cmSzbv7iHoZkKV-_YgeLtI1A15CBCWqfl7Ftxbl0wiWZh-v6kPSi8-UfvcfXJWQAg/s2676/Rita%20Alfaiate%20-%20Neon%201.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2676" data-original-width="1920" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbnS1rEdONvK3h9tyU0WhekCMxbTb7D0trEv-a8aOoRJBynqQp5uDpAlyiuQNHE1rjX9Xw64JD2pjPmAg7fujvPrYVzzKZ-m9ttqi-Tw0L39OMPaK524iC3cmSzbv7iHoZkKV-_YgeLtI1A15CBCWqfl7Ftxbl0wiWZh-v6kPSi8-UfvcfXJWQAg/s320/Rita%20Alfaiate%20-%20Neon%201.jpg" width="230" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Tal como
na saga de <i>Tangerina</i>, Rita Alfaiate parece lançar-se a
projectos onde se sentem laivos de auto-ficção, mas cuja
interpretação nessa senda levaria a abusos de interpretação e até
de confiança. Porém, não pode haver dúvidas de que o livro
tematiza e torna visíveis toda uma série de objectos afectivos da
autor, de preferências e experiências de vida, talvez. Mas, lá
está, temos de nos ater à obra em si. Mas aí também surgem outros
pontos em comum, até em termos visuais, pelo “interlúdio negro”
deste livro, que se abre à exploração de experiências
traumáticas, que jamais serão verbalizadas, explicadas, reveladas
como tal, mas informam a narrativa, as atitudes da protagonista e o
preço emocional dos próprios leitores. Por outras palavras, é um
livro cuja completação estará mais a cargo do trabalho da <i>entrega
do leitor</i>, do que da mera <i>leitura.</i></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Uma
pequena secção de “extras” permite ver as imagens usadas de
partida para todo o projecto, e ainda bem que surgem, pois permitem
ver toda a beleza de algumas composições cuja edição enquanto
<i>spreads</i> acabam por limitar, na fluidez da narrativa.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia; font-size: x-small;">Nota
final: agradecimentos à editora, pelo acesso facilitado ao livro.</span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-78938865979630149092023-11-07T15:14:00.001+00:002023-11-07T15:14:07.071+00:003 Graus de Carequice - Episódio 75 - BOXE<iframe frameborder="0" height="270" src="https://youtube.com/embed/80aRTDKZgvY?si=hARKfjy1LnBG7Y_l" width="480"></iframe><div><br /></div><div><span style="background-color: white; color: #0d0d0d; font-family: georgia; white-space-collapse: preserve;">Proposto pelo André Oliveira, cultor, amador e praticante de boxe, é precisamente esse desporto que é o objecto de atenção deste episódio. Menos história do que devaneio por exemplos conhecidos, tentamos pôr o dedo na ferida do que é próprio às narrativas de boxe, sobretudo na banda desenhada, mas com fugas ao cinema. Provavelmente falhámos, porque doíam os dedos de dar socos no ar.</span></div>Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-17275419130974909082023-11-05T18:59:00.000+00:002023-11-05T18:59:48.748+00:00Lesma Vida. Rita Mota (auto-edição)<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimobhcEA_tilRv1BP1_sqfwR5pWU84wjXC2BZLGK2NERBFxRgTxabwSSvUCmLOkeyXDTAkuvr3CU6FIe7yONuV66x3YPnm_7v788rp22sXlcPRYNc6gnJMIG2NNQr-3YNygPzNu4EsXWyJamd9akA4IkfqZFCNe93U94EPZzmMm_mujS_VHKOBVw/s2487/Rita%20Mota%20-%20Lesma%20Vida,%20Slug%20Life%20(capa).jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2487" data-original-width="1724" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimobhcEA_tilRv1BP1_sqfwR5pWU84wjXC2BZLGK2NERBFxRgTxabwSSvUCmLOkeyXDTAkuvr3CU6FIe7yONuV66x3YPnm_7v788rp22sXlcPRYNc6gnJMIG2NNQr-3YNygPzNu4EsXWyJamd9akA4IkfqZFCNe93U94EPZzmMm_mujS_VHKOBVw/s320/Rita%20Mota%20-%20Lesma%20Vida,%20Slug%20Life%20(capa).jpg" width="222" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Um dia
voltarei à carga sobre a economia da atenção dos circuitos mais
usuais dedicados à banda desenhada, e o quão presos estão a uma
visão quase pré-moderna de (quase) todas as artes e, por
consequência, desta em particular, quase que a impedindo de se
metamorfosear nas suas potencialidades mais díspares, ora selvagens
ora poéticas. E quando esses circuitos mimam – e de forma
defeituosa – os discursos aparentemente legitimadores, de
actualização ou de abertura à sua própria liberdade, são os
primeiros obstáculos quando não forças castradoras desses mesmos
movimentos. Mas ficará para outra ocasião. Não me ilibo, todavia,
de contribuir sobremaneira para esse desequilíbrio, quer nos
momentos em que consigo obter tempo para me exprimir sobre novas
produções quer, e talvez sobretudo, e não o digo sem uma soberba
tremenda, quando este silêncio particular prolongado significa
silêncio <i>tout</i> <i>court</i> sobre essas obras. <span><a name='more'></a></span></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Tive a
honra e prazer de ter a ocasião de organizar a exposição do
Festival Fólio BD/<a href="https://lerbd.blogspot.com/2023/10/mesas-redondas-da-flexagono-2023.html"><i>Flexágono</i> deste ano</a> incluindo o trabalho da jovem
artista Rita Mota, cuja “entrada”, digamos assim, se efectuou
acima de tudo com este título em particular, reproduzido em
risografia a três cores, devolvendo o trabalho dos desenhos a lápis
de cor, em óptimo papel <i>off</i> <i>white,</i> com uma tiragem
reduzida (até à data, menos de 100 exemplares em duas edições),
com 22 páginas de história mais capa, com dois pontos de agrafo.
Por outras palavras, um zine com um furo acima de qualidade dos modos
mais clássicos. É sobre ele que me desejo concentrar.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGKAstRQQ-gv9k_W9sS5tb3XTDVgxvriWuDr0zirYZ7BGlQlf9XCcuoJRKG66mn8bIOb8Vo9Tlc2eQpww_sbk8q3QGD4dbz8djOB9pOZ1Z4Fcv1b_155r5S_ijdE-eBdtquZemt-8iJ-HzOkgzReTcgLpu0g0SPfwF4ZTtsGXsMJkxOYZw5GfQEQ/s5742/Rita%20Mota%20-%20Lesma%20Vida,%20Slug%20Life%2002.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="5742" data-original-width="4234" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGKAstRQQ-gv9k_W9sS5tb3XTDVgxvriWuDr0zirYZ7BGlQlf9XCcuoJRKG66mn8bIOb8Vo9Tlc2eQpww_sbk8q3QGD4dbz8djOB9pOZ1Z4Fcv1b_155r5S_ijdE-eBdtquZemt-8iJ-HzOkgzReTcgLpu0g0SPfwF4ZTtsGXsMJkxOYZw5GfQEQ/s320/Rita%20Mota%20-%20Lesma%20Vida,%20Slug%20Life%2002.jpg" width="236" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Julia Bell
escreveu, em <i>Radical</i> <i>Attention,</i> que <em><span style="font-style: normal;">“os
nossos corpos são contingentes, difíceis, inexplicáveis, confusos,
mortais. Em vez de atender a estas complexidades, é muito mais fácil
fingir que não existem de todo”. Essa seria uma hipótese, e é o
que usualmente se faz através das comunicações mais
descorporalizadas possíveis de explorar na sredes sociais, fazendo
parte disso a transformação desses mesmos corpos em breves
superfícies transparentes para a performatividade célere e
consumista. Mas a arte da autobiografia artística (sobretudo
originada por artistas mulheres, em campos como a performance e a
fotografia, mas que na banda desenhada teve como figura tutelar a
magnífica Aline Kominsky-Crumb) veio demonstrar não apenas a
proeminência dos corpos enquanto materialidade passível de
exploração multímoda e plástica e áspera como, mais próximos da
nossa disciplina, revelar como as palavras continham em si mesmas uma
materialidade visual e as imagens uma narratividade própria. Apenas
fronteiras que, identificadas, foram apagadas.</span></em></span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">É difícil
destrinçar se há linha que separe a possibilidade de leitura de
<i>Lesma Vida</i>/<i>Slug Life</i> (o texto está em inglês)
enquanto alegoria ou autoderisória metaforização do próprio corpo
– na primeira pessoa, a narradora declara-se com um corpo “como
uma lesma”, passando a elencar toda uma série de características
(“não tem encanto,/ nem é belo,/ nem sequer está em estado/
completo”) - da de uma leitura mais absurdista, à la Kafka, em que
existisse uma transformação, ou metamorfose, de facto ocorrendo na
“verdade diegética” que apresenta. Algumas imagens mostram mesmo
partes de um corpo que participará das duas naturezas (uma “mão”,
um corpo feminino coberto de excrescências, uma forma final
entre-formas). As imagens, multisensoriais – Mota tira partido de
toda uma série de estratégias clássicas da banda desenhada, de
vinhetas silenciosas, linhas de irradiação, enquadramentos
dramáticos, imagens “enciclopédicas”, composições
não-naturais – acabam por parecer traduzir um qualquer afecto
nestas formas, que a leitura procura deslindar.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">O uso de
desenhos, ora mais a linhas despidas ora com mais pormenor e
preenchimento de mancha, sempre no que parece ser lápis de cor num
traço rápido e leve, em cores muito limitadas (laranja, rosa,
lilás, azul, outras pequenas mesclas) reforça essa qualidade
afectiva, tanto devedora de “apontamento”, “desenho infantil”
e “material preparatório”. De resto, toda esta natureza
tantativa está presente no texto, um discurso contínuo que tece
alternativas, apresenta dúvidas, coloca questões ao leitor, e, no
final, se interrompe de forma aberta, inconclusa, quase em surpresa
suspensa.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">Disse,
acima, “narradora”, por uma quase-antonomásia com a autora, e
por surgir um corpo de características femininas, mas a atribuição
de género não é de todo um assunto transparente em <i><span style="text-decoration: none;">Lesma
Vida</span></i>. Se, por um lado, a femininização da voz e da
matéria corporal poderia ser produtivo numa leitura classicamente
feminista – a “body politics” do corpo feminino, da doença, do
trauma, da objectificação <i>standard</i> -, por outro, a
consideração de uma visão mais dissidente e contemporânea, das
“corpas” lavraria outras direcção igualmente estimulante.
Suspenderei ambas, por querer ir noutra direcção ainda mais
dissipadora da identidade. Afinal de contas, as lesmas são
hermafroditas, ou ainda melhor, nas palavras e Karen Barad,
demonstração da “performatividade <i>queer</i> da natureza”.</span></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCxOvrdHton-jF_ChEA3U79zB70LixHSYtzmLGkCdObCetdd-lQJmvOBL3OSfGktHVk8Ulg-jZ7mqZRB97cLixOsstCKktJ-baWiSazY_65bbrZW8qWjq6P0FX0oZnqQ4EThIPOMBmH8ydL0mZh5ZdCL89mNUkXDP49O5ohsEjWMyDr5Xwjz1ClA/s5496/Rita%20Mota%20-%20Lesma%20Vida,%20Slug%20Life%2001.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="5496" data-original-width="3857" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCxOvrdHton-jF_ChEA3U79zB70LixHSYtzmLGkCdObCetdd-lQJmvOBL3OSfGktHVk8Ulg-jZ7mqZRB97cLixOsstCKktJ-baWiSazY_65bbrZW8qWjq6P0FX0oZnqQ4EThIPOMBmH8ydL0mZh5ZdCL89mNUkXDP49O5ohsEjWMyDr5Xwjz1ClA/s320/Rita%20Mota%20-%20Lesma%20Vida,%20Slug%20Life%2001.jpg" width="225" /></a></span></div><span style="font-family: georgia;">Se podemos
entender o início do discurso, ou história, como uma espécie de
auto-confissão (da “narradora”, nada nos aponta à autobiografia
ou sequer à auto-ficção, ainda que sintamos a sua égide
cultural), a decadência apontada, a falha, que pode ter origem
cultural e de percepção social, não surge aqui como se de uma
“perda” se tratasse. Havendo possibilidade de mudança, esta é
antes “uma libertação para outros estados”, como escreve
Caitlin Desilvey, “imprevisíveis e abertos” (<i>Curated Decay</i>).
Mas não se trata de mudança propriamente dita, de uma
transformação, de uma metamorfose, tudo isso processos completos,
da passagem de um estado para outro. Nos termos famosos de Deleuze e
Guattari, esses processos são <i>reterritorializações,</i> e o que
se vai passando em <i>Lesma Vida</i> é antes um “devir-animal”,
na qual a subjectividade vai encontrando variações de proximidade
com as características daquilo com que encontra o “devir”. Donna
Haraway procuraria colocar as coisas de modos diferentes - “making
kin” ou “cosntruir afinidades” ou mesmo “elos familiares”,
mas apontando-se sempre a um processo, não de transcedência do
humano, o que implicaria uma espécie de hierarquia de valores e
“ultrapassagem” da condição humana, mas antes um diálogo, uma
conexão com a vitalidade intensa da existência animal. Colocando-se
em causa os nossos limites discursivos do que entendemos ser
identidade, consciência, completude, limite, esta lesma “does not
conform”, e abre-se a uma natureza de ser fluida e dinâmica.</span><p></p>
<p style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: georgia;">A voz
narradora parece concluir, antes do “fim” da história, abraçando
essa natureza fugidia, de brilho viscoso, “very well then, I
contradict myself – it contains multitudes of goop”. O convite à acção do leitor revela-se no trocadilho do título português.
“Lês-me a vida?”</span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-62607928904093334882023-10-19T08:49:00.001+01:002023-10-19T08:49:21.045+01:00"Boring, uncomfortable and mutated" - Artigo académico sobre a Chili Com Carne. <span style="font-family: georgia;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdrv94FXsMTZ0WYoAbfgasOSrEqzzj5IirSTaC_c5D2vVM1bw33FtSmusKb0TbvZRto3LqLp0XWj7xVtTjX7QC3ZCf0PUbPpaGGasmAR5fcriXI0jrMEHpzuUoieXMQ8Yeg-gZoKV-LFlxQ73ypLXs3ZVRpuw7rI5BPohozOWIv3HAtxSM6BJVyA/s633/Tiago%20Baptista%20-%20Berlim,%2002.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="471" data-original-width="633" height="238" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdrv94FXsMTZ0WYoAbfgasOSrEqzzj5IirSTaC_c5D2vVM1bw33FtSmusKb0TbvZRto3LqLp0XWj7xVtTjX7QC3ZCf0PUbPpaGGasmAR5fcriXI0jrMEHpzuUoieXMQ8Yeg-gZoKV-LFlxQ73ypLXs3ZVRpuw7rI5BPohozOWIv3HAtxSM6BJVyA/s320/Tiago%20Baptista%20-%20Berlim,%2002.jpg" width="320" /></a></div>Enquanto não angario as forças suficientes para regressar à escrita (mais ou menos) regular de resenhas críticas sobre banda desenhada e/ou outros objectos, aproveito para dar acesso directo a um ensaio escrito há um par de anos para uma publicação académica cujo foco era a cultura DIY, e a sua ética e escopo social. Associado ao trabalho que igualmente havia desenvolvido nas investigações mais académicas, o foco foi dedicado à editora Chili Com Carne, cuja faceta é burilada perfeitamente para esse foco.</span><div><span style="background-color: white;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></span></div><div><span style="font-family: georgia;"><span style="background-color: white;">“</span><em style="border: 0px; box-sizing: border-box; line-height: 1; margin: 0px; padding: 0px;"><b>Boring, uncomfortable and mutated</b></em><span style="background-color: white;"><b> : Chili Com Carne at the nexus of the contemporary portuguese independent comic press</b>” foi escrito para o livro </span><em style="border: 0px; box-sizing: border-box; line-height: 1; margin: 0px; padding: 0px;">Independent DIY Publications and the Underground Urban Cultures, </em><span style="border: 0px; box-sizing: border-box; line-height: 1; margin: 0px; padding: 0px;">editado por</span><em style="border: 0px; box-sizing: border-box; line-height: 1; margin: 0px; padding: 0px;"> </em><span style="background-color: white;">Paula Guerra e Pedro Quintela</span><span style="background-color: white;"> </span><em style="border: 0px; box-sizing: border-box; line-height: 1; margin: 0px; padding: 0px;"> </em><span style="background-color: white;">(Universidade do Porto. Faculdade de Letras: 2021).</span></span></div><div><span style="background-color: white;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></span></div><div><span style="background-color: white;"><span style="font-family: georgia;">Podem aceder ao artigo <a href="https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/18662.pdf">aqui</a>.</span></span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-989576229788481642023-10-19T08:43:00.006+01:002023-10-19T08:43:50.437+01:00Mesas-redondas da "Flexágono" 2023<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCr3OyP4Gp3Ce5XoP7tXGyxfGuc5ZdOcS83Tzj8YktH15eEW869678AtEf4N8TE1cfCubNjyvB-KJrDWhOH_B1QK1_1bziDgo3ChJJzrEPxqycoAjmWcfv9YwilKBq9uDJfLyQKmn75dCdro1XQOAIURoEEmLT-8sKBZdh0t4WE4cRHd6lOV03XA/s1920/FLEXAGONO_IG_Story.png" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1920" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCr3OyP4Gp3Ce5XoP7tXGyxfGuc5ZdOcS83Tzj8YktH15eEW869678AtEf4N8TE1cfCubNjyvB-KJrDWhOH_B1QK1_1bziDgo3ChJJzrEPxqycoAjmWcfv9YwilKBq9uDJfLyQKmn75dCdro1XQOAIURoEEmLT-8sKBZdh0t4WE4cRHd6lOV03XA/s320/FLEXAGONO_IG_Story.png" width="180" /></a></div><span style="font-family: georgia;">Serve o presente <i>post </i>para recordar os leitores que está patente em Óbidos, integrada no Festival Literário Fólio, a exposição <i><b>Flexágono. Banda desenhada, narrativas gráficas e desenho, hoje</b></i>, no Museu Abílio de Mattos e Silva. Mostrando obras de <span style="text-indent: 1.06cm;">Amanda
Baeza, Daniela Viçoso, Dora Sidorenko, João Sequeira, José Feitor,
Marco Mendes, Matilde Feitor, Ricardo Baptista, Rita Mota e Sofia
Belém, é uma oportunidade única de ver estes trabalhos apresentados de uma forma contemporânea, adulta e esteticamente informada, sem algum do ruído usualmente associado aos certames que lhes dão atenção.</span></span><div><span style="font-family: georgia; text-indent: 1.06cm;"><br /></span></div><div><span style="font-family: georgia; text-indent: 1.06cm;">A </span><i style="font-family: georgia; text-indent: 1.06cm;">Flexágono</i><span style="font-family: georgia; text-indent: 1.06cm;">
é uma faceta já consolidada do Festival Literário Fólio, ainda
que se apresente de forma mutável em todas as suas edições.
Enquanto espaço de divulgação e reflexão sobre a criação de
banda desenhada e outros objectos de narrativas gráficas e
territórios contíguos, o seu propósito será sempre o de chamar a
atenção para com uma produção contemporânea, cuidada, que
responde a muitos dos desafios formais e conceptuais destas artes
perante o mundo.</span></div><div><span style="font-family: georgia; text-indent: 1.06cm;"><br /></span></div><div><span style="font-family: georgia; text-indent: 1.06cm;">A
banda desenhada é não apenas uma arte com uma história social e
estética próprias, como tem uma natureza viva que se vai
transformando, mesmo que isso nem sempre seja acompanhado por um
número de pessoas que as mereceria, e são muitas as surpresas que
esperam os novos leitores, se estes apenas se prenderem às
expectativas do que conhecem da sua infância ou das esferas do
entretenimento. O ensaio, a autobiografia, o desenho de campo, a
exploração da memória, o gesto de resistência, a refabricação
das tradições ou até de identidades são todos campos passíveis
de visitação desta tarefa artística.</span></div><div><span style="font-family: georgia; text-indent: 1.06cm;"><br /></span></div><div><span style="font-family: georgia; text-indent: 1.06cm;">Sempre
tivemos oportunidade de, nas edições anteriores, criar um distinto
e específico diálogo com os espaços onde nos apresentamos, e este
ano não é excepção. O Museu Abílio de Mattos e Silva alberga não
apenas o espólio de um artista multifacetado, que se expressou nas
ditas Belas-Artes mas igualmente em variados campos das artes
aplicadas, e em materialidades múltiplas, como também demonstra a
vontade da </span><i style="font-family: georgia; text-indent: 1.06cm;">designer</i><span style="font-family: georgia; text-indent: 1.06cm;">
Maria José Salavisa, que foi uma pioneira no entendimento e
cruzamentos entre os espaços interiores e a luz, a vivência
quotidiana informada pela beleza e o conceito, o equilíbrio entre as
formas. Todos esses princípios presidiram à selecção de um grupo
de artistas, entre veteranos e novos valores, que precisamente
colocam em acção essas potencialidades do desenho, da narrativa
visual, da expressão gráfica ao serviço da ideia.</span><div>
<div><span style="text-indent: 1.06cm;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></span></div><div><span style="text-indent: 1.06cm;"><span style="font-family: georgia;">Jan
e Aleida Assman consideram que “cada geração transmite cultura à
próxima, não através de um legado genético, mas antes pela
conservação e repetido reexame ou reutilização de objectos
culturais e rituais – formações culturais (textos, ritos,
monumentos) e comunicação institucional (recitação, prática,
observância) – que constituem a cultura objectivizada de uma
sociedade”. Os diálogos entre o fundo do Museu, os artistas de
várias gerações, e um público diversificado, mas também entre o
gesto monumentalizador de um museu e alguma natureza de efemeridade
de uma exposição temporária de objectos gráficos de uma
temporalidade e de um espaço de atenção frágeis, entre substratos
que se vão mantendo e consolidam uma identidade cultural (nacional?,
internacional?, artística?, linguística?, humana?) e de textos de
uma magnífica diversidade de assinaturas e expressões, são apenas
algumas das facetas deste cristal que poderá ser lido de formas
distintas e todas estimulantes, como espalhar de maneira diversa as
práticas da nossa própria leitura.</span></span></div><div><span style="text-indent: 1.06cm;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></span></div><div><span style="text-indent: 1.06cm;"><span style="font-family: georgia;">Organizaram-se duas mesas-redondas, que terão lugar nestes dois próximos dias. </span></span></div><div><span style="text-indent: 1.06cm;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></span></div><div><span style="font-family: georgia;"><span style="text-indent: 1.06cm;">Hoje, dia 19, pelas 16h00, terá lugar o painel </span><span style="color: #222222;"><b><i>Como as imagens leem</i>: relações entre imagens e narrativas</b>, com </span><span style="color: #222222;">Daniel
Lima, i</span><span style="color: #222222;">lustrador e autor
de banda desenhada</span><span style="color: #222222;">, e Catarina Alfaro, c</span>oordenadora
da Programação e Conservação da Casa das Histórias Paula Rego
/Fundação D. Luís I.</span></div><div><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div><span style="font-family: georgia;">E amanhã, às 15h30, é a vez de <span style="color: #222222;"><span style="font-size: small;"><i><b>Como
as imagens pensam</b></i></span></span><span style="color: #222222;"><span style="font-size: small;"><b>:
materialidade, forma e presença</b>, com os artistas e autores </span></span><span style="background-color: white; color: #222222;">Lord Mantraste, </span><span style="background-color: white; color: #222222;">Maria João Worm e </span><span style="background-color: white; color: #222222;">Biakosta.</span></span></div><div><span style="background-color: white; color: #222222;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></span></div><div><span style="background-color: white; color: #222222;"><span style="font-family: georgia;">Ambas têm lugar no mesmo museu. </span></span></div><div><br /></div></div></div><div><br /></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7498791.post-24406937984744585892023-10-18T21:46:00.002+01:002023-10-18T21:46:43.751+01:003 Graus de Carequice - Episódio 74 - FORMATOS<iframe frameborder="0" height="270" src="https://youtube.com/embed/_LWq4BEaVy8?si=4rgtzz21B9Xm3Q5D" width="480"></iframe><div><br /></div><div><p style="margin-bottom: 0cm; orphans: 2; widows: 2;"><span style="font-family: georgia;"><span style="color: #0d0d0d;"><span style="font-size: small;"><span style="font-style: normal;"><span style="font-weight: normal;">Um
programa dedicado à questão dos formatos na banda desenhada:
tamanhos, materialidades, arranjos, continuidades, tradições e
desvios. Fugimos ao tema? Então, não conhecem já o programa?</span></span></span></span>
</span></p><br /></div>Unknownnoreply@blogger.com0