4 de novembro de 2006

Três Zines. Mauro Cerqueira e amigos (auto-edição)


Falaremos aqui de Mauro Cerqueira, um jovem artista de Guimarães, e de algumas das publicações a que temos acesso, e as quais nos dão acesso ao seu mundo particular.
Dos zines aqui apresentados, um é individual (Alma Picada) e os outros em colaboração, com Isabel Carvalho (Wanda) e com André Sousa (Promoção). No entanto, é em Mauro que centraremos as nossas atenções presentes. Todos os zines são de uma qualidade física atroz (Wanda é um caderno escolar alterado, Promoção usa um cartaz de supermercado e é apertado com uma argola de plástico, Alma Picada é feito em papel “toalha de mesa” pardo, não cortado e agrafado a um cartão) que não se pauta pelos modismos dos “pró-zines” nem se preocupa muito com grandes números nem sequer acessibilidade. É uma atitude, um reviver o passado do DIY, dos resquícios ainda possíveis do punk, do “meia-bola e força”. E do que se trata aqui é força mesmo.
Mauro Cerqueira é um apadrinhado de Isabel Carvalho. Esta informação não é “a mais”, uma vez que Wanda e Rocket Ship (não incluído aqui) são zines em que ambos colaboram, desenhando várias páginas cada um e fazendo com que a mera convivência num mesmo espaço desses trabalhos eles se tornem contaminados mutuamente. Mas onde a figuração delicodoce de Isabel Carvalho surge para abrir um espaço mais hostil, um canto mais solitário, uma psique mais egoísta das relações humanas, os desenhos de Mauro são mais imediatos na ligação a uma esfera psicológica muito próxima. Pode-se dizer que os desenhos de Mauro Cerqueira são “rasteiros”, sem dúvida. Mas nada disso terá a ver com uma suposta qualidade, ou com um juízo de valor acabado: significa, em primeiro lugar, que o seu aspecto tosco, quase inconsequente na sua falta de parâmetros academistas, são “chãos”, sem profundidade. Indicam, portanto, de imediato, o que representam. “Isto é isto”. Não estamos perante alegorias, símbolos, transfiguração. O que vemos e reconhecemos é o que está ali: um acidente de viação, um bosque de seringas, duas pessoas a beijarem-se lascivamente, um homem enforcado num lustre, alguém puxando o brinco à rapariga punk (v. imagem, de Alma Picada), um guitarrista, duas mulheres separadas por uma vitrina.
Outro aspecto que sublinha a importância dessa informação exterior às zines – e que marca uma das facetas de diferenciação das mesmas em relação a outras de que tenha falado – é o facto de que me parece estar perante a construção de um objecto estético metastásico. Usualmente, acredito que não obstante a coincidência de uma mesma pessoa (o autor ou a autora), as obras de arte criadas por si estabelecem-se no mundo com alguma autonomia, mesmo que relativa. Relativa porque se relacionará com as outras obras de arte do artista para compor a “obra” (oeuvre), com outras obras de arte de outros artistas (História da Arte), com outras instâncias análogas nalgum dos seus elementos (História da Imagem, da Cultura), etc. Mas as actividades de desenho e criação de Mauro Cerqueira espalham-se em várias frente disciplinares – “desenho”, “banda desenhada”, “escultura”, “performance” – para criar um universo que vive de uma mescla entre a dispersão (as variadíssimas séries de objectos – jantes, broches, duns e doutros, dentes, superdentes, superheróis, pistolas) e a convergência (um imaginário concentrado em objectos, precisamente, numa procura por uma taxonomia contemporânea, a criação de um “gabinete de curiosidades” do nosso tempo). A própria Isabel Carvalho, nos seus últimos trabalhos (vídeo, publicações, textos, etc.), tem criado esta mesma atitude de tornar cada vez mais coeso – centrado, um ponto de fuga comum – todos os seus gestos criativos, por mais diversificados que sejam. Mais uma aproximação, que julgo não ser ofensiva para nenhum dos dois. São estratégias com pontos em comum.
E por entre esse movimento oscilatório de Mauro, que vai desenhando uma circunferência cada vez maior, surge a representação de encontros violentos entre pessoas. Mais, Promoção apresenta uma série mais ou menos consistente em que várias personagens interagem, podendo mesmo fazer emergir uma ideia mais narrativa, mas todas elas remetendo para situações mais ou menos violentas: pessoas chutando drogas, lutando, exibindo os genitais, gritando e praguejando, “fumando” um automóvel (v. imagem)... Que representa essa violência? Uma “história”? Uma “memória” ou uma “acusação”? Um “significado”? Proferindo um “Fuck Satan” de maneiras várias, há um misto de homenagem e de colação a Daniel Johnston (um herói). Existirá uma moral de fundo? Parece-me que todos os significados que se vão criando eventualmente se esquivam de uma finalidade absoluta. Há sempre fugas para a frente.
Wanda ecoa da colaboração também musical entre Isabel Carvalho e Mauro Cerqueira, através de um concerto-performance dos “Wanda Banda” (o desenho maior remete a esse concerto, uma espécie de guião ou diário, de Wanda); Rocket Ship, também com Isabel Carvalho, da exposição do próprio “Rocket Ship” (ambos os projectos apresentados no Apêndice, na Cedofeita, Porto). Aliás, não é apenas uma questão de ecos, ou de “linhas de força”: as ligações são directas (uma vez mais, “chãs”, “directas”, “imediatas”)... o “Rocket Ship” é um veículo que nos transporta até ao “Planeta Mauro” (ou o Planeta até nós).
Falei há pouco da acessibilidade destes objectos. Esta não é, de modo algum, alargada (basta ver os comentários já a este post). Ora, se a acessibilidade, por mais pequena que seja, é o gesto necessário para atingir a comunidade de leitores, espectadores, público, enfim, que se deseja, como primeiro passo de uma certa legitimação do acto criativo (ou segundo, conforme as posições), os zines de Mauro não se prestam a esse mesmo cumprimento. De novo, regressamos à atitude despreocupada e mais centrada no próprio gesto criativo a que nos referimos ao princípio. Mais uma vez, habita-se um espaço intermédio entre um desejo de chegar ao maior número de pessoas possível (desejo de qualquer pessoa que se expresse, que comunique, que se dirige a outrem – e para o qual este tipo de notícias serve de ponto de partida, também) e uma certa displicência para com estratégias mais felizes de o fazer, preferindo antes um mergulho numa estranha ética de trabalho: fazer muito, desenhar muito, colocar “cá fora” muito. Novamente, o desdobramento desses gestos criativos e a presença de trabalhos em vários locais sublinha essa presença crescente.
Em Promoção, surge uma frase: “Temos que mudar o Mundo/nem que seja para pior”. É provável que a frase pertença a André Sousa, ou talvez a Mauro Cerqueira. Pouco importa. O “pior” que vai sendo possível pela bruteza dos desenhos de Mauro Cerqueira levam a um caminho lento mas inabalável de mudanças pequenas.
Nota: agradecimentos a Mauro Cerqueira, pelos zines e "tours", e a Isabel Carvalho, por razões óbvias aos três. Posted by Picasa

13 comentários:

Anónimo disse...

Os amigos são: André Sousa na Promoção; Isabel Carvalho na Banda Wanda e também na fanzine Rocket Ship lançada na sexta na minha exposição ( Projecto Apêndice no Centro Comercial de Cedofeita no Porto até dia 15).
Tens uma reservada Pedro!

Anónimo disse...

Olá, não te enganes no S/Cerqueira!...e tens mesmo que ver a publicação ROCKET SHIP! Está lindíssima! até amanhã

Pedro Moura disse...

Correcções feitas. Texto very soon.

PlayOnTape disse...

E onde posso arranjar esses fanzines?

Anónimo disse...

eu ja não tenho nenhuma! a unica k talvez seja possivel arranjares é a promoçao. procura na matéria prima no artes em partes no porto, ou no pessegoprasemana (pessegoprasemana.blogspot.com).

Anónimo disse...

tá mt fixe pedro! foi mt fixe ler as tuas palavras! é a primeira vez k alguém escreve uma cena tão fixe sobre o meu trabalho! vou divulgar no monte da penha. grande cena! obrigado! abraço

Pedro Moura disse...

Acalma-te e não brades tanto. Sou franco e honesto quando sinto a força de um trabalho e não me movo por outros fins...
Entrentanto, passa-me lá a massa que prometeste.

Anónimo disse...

visite o

http://monttedapenha.blogspot.com

e
http://wasserbassin.blogspot.com

e

http://planetamauro.blogspot.com

para conhecer mais maurices!

Anónimo disse...

...montedapenha só tem um tê! e eu sou outro amigo do mauro...

Pedro Moura disse...

Os amigos do Mauro não são, porém, lá muito atentos, pois não devem ter reparado que os links para alguns desses outros blogs estão já integrados no texto. E a partir deles atingem-se os outros não-indicados como o wasserbassin... Obrigado à mesma.

Anónimo disse...

ainda há mais!

postaodesenho.blogspot.com

mulherrapaz.blogspot.com

Anónimo disse...

Suspeitamos que há aí uma certa tendência...
Pela sinceridade, pela intensidade, pelo genuíno gosto pelas coisas e pela vida;

porque acreditamos!

Anónimo disse...

eu acredito.