4 de maio de 2005
Jimbo in Purgatory. Gary Panter (Fantagraphics)
É estranho, divertido e misterioso que a verve iconoclástica de Panter possa atravessar referências da Alta Cultura mas se mantenha acesa e, até mais, reforçada por esses comparsas - iconoclastas alguns deles em seu direito (Chaucer, Swift, Lear, outros). É como se, uma vez que a norma é ser-se hoje "do contra", "diferente", "alternativo", "deconstrutor", Panter reavesse estas poderosas armas e nos mostrasse um objectivo bem mais ambicioso e para além de meros umbigos.
Panter faz atravessar Jimbo, a sua personagem predilecta e de longa data, uma espécie de Mastroiani dos seus esparsos filmes, fazendo de si mesmo em cenários diversos, por um avatar do Purgatório, cuja primeira raiz é a de Dante, sem dúvida, mas que beberá de muitas outras fontes. O exercício de caça às fontes é, para além de ridículo, desnecessário, já que este livro é precisamente uma colagem brut de citações provindo das mais variadas obras, todas elas referenciadas no fim de cada página. Desde a Bíblia a clássicos literário europeus, passando por letras de canções pop-rock a afirmações de estrelas de cinema, todos os textos entram num diálogo relaivamente alucinado, mas todos vogando o mesmo centro, que é a pequena travessia de Jimbo por estas divinais/infernais paragens. Este é um retrato precisamente daquilo que faz a nossa Cultura, que é a sua concatenação e mistura, não necessariamente harmoniosa.
A última página é reservada a uma colecção de vinis prezados por Panter, talvez tão prezados como os livros o eram por Próspero, "acima do seu ducado". E é como se saltando dos vários géneros musicais para outros, como se ziguezagueando por entre os diversos artistas, como se desligando um tom para começar num outro fosse a condição necessária à nossa vida: múltipla, diversificada, impregnante entre si.
Por um lado, este é um livro ilegível - até qe ponto conseguimos ler citações atrás de citações? -, mas por outro é essa mesma catadupa de textos e imagens que o torna uma espécie de mandala a contemplar de vez em quando e revermo-nos a nós próprios no vórtice do(s) nosso(s) mundo(s), para o qual Panter sempre contribuiu e contribui (Cola Madness, por ex.), mas ao qual aponta sempre o dedo acusador, desviando-lhe os centros...
(nota: a capa de JiP tem um maravilhoso dourado. Como não sou ás do scanner, esta reprodução - a 128ª - ficou neste estado. O livro tem 44 por 31 centímetros, por iso não repetirei a dose.)
Este estou eu desejoso de tocar e observar. Um grande autor que até tem direito a um link no meu blog.
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