21 de janeiro de 2006

Fanzines "O Senhorio". AAVV (auto-edição)



Com alguns dos mesmos elementos de fanzines já aqui debatidos, vieram parar-me às mãos mais três publicações que se apresentam separadamente, com títulos e uma estrutura que lhes são próprios, a cada um dos objectos, mas que podem também ser lidos como um projecto contínuo: eis "O Senhorio". Este nome deriva de um espaço no Porto onde os artistas se reúnem, apresentam expondo os seus trabalhos, ou seja, pelo que pude compreender, que funciona como uma espécie de atelier de encontro, se não mesmo de trabalho.
Uma outra aproximação aos fanzines aqui antes debatidos é uma certa posição para com o círculo da produção e divulgação das artes visuais contemporâneas, ditas maiores ou da Alta Cultura (ou outro epíteto qualquer que julguem mais adequado). No entanto, uma diferença imediata é que esse "ataque", pela via do gozo, da subversão humorística, da reapropriação de algumas das suas estratégias ou unidades de linguagem idênticas para fins muito próprios, é muito mais directo e visível. Por um lado são referências nem sempre veladas a um "material de pensamento" (ou de mera citação) utilizado por artistas, ou directa e humoristicamente a experiências tipificadas - como nos exemplos d'"O Cantinho de Serralves", a Dra. Schmuckgeschaft, os classificados especializados, ou a personagem do Professor Catedrático. Mas essa reapropriação de estratégias da experimentação, que nem sempre é apanágio ou território fechado - não obstante a História da(s) Arte(s) ou uma certa linha de crendice cultural - das Artes Visuais, muitas vezes tomam um desvio tal que acabam por surgir precisamente criações de um franco interesse formal e esteticizante, o que não é de forma alguma para ser tomado de uma forma traumática nem busca ser redutor. A meu ver, o número que reúne num só fôlego os maiores trunfos é o de Maio de 2005 (intitulado Pingue, com uma epígrafe de Fedro que poderá apontar para o grande paradoxo da existência das fanzines de banda desenhada, na eterna discussão das vontades de criação vs. público), com "O meu enxoval em seis passos", que me faz recordar uma Renée French mais controlada em termos de referencialidade no real, mas com a mesma verve feminina em desmistificar papéis sociais, os retratos de "caça e actividades ao ar livre" com os desenhos do profícuo e virtuoso Carlos Pinheiro, e umas tiras curtíssimas e histórias de estrutura livre de Nuno Sousa. Surgem em todos os números mais episódios do Senhor Pinhão, de Miguel Carneiro, e as pranchas "diárias" de Marco Mendes, já aqui discutidas.
A presença do material já citado, e ainda de pequenos "objectos gráficos", de "personagens" (ou melhor, characters), de intervenções várias poderão tanto nos fazer lembrar os mais acabados sketches curtos dos Monty Python aquando versavam figuras da Grande Cultura, como projectos (já aqui indicados antes pelas mesmas razões) portugueses como os do trio que se viria a conhecer nas Artes como Sparring Partners, muitos dos fanzines femininos dos anos 80/90, entre até trabalhos de autores como Pedro Proença - que me veio à mente pelos desenhos de uma contracapa de Nuno Sousa -, o qual já autorou um livro de banda desenhada (ou ilustrado, se preferirem, ainda que considere eu Edward Gorey um autor do "nosso" território lato), The Great Tantric Ganster (Fenda).
O único senão está na forma como os nomes dos autores são apresentados, uma lista não organizada, impedindo o leitor normal de entender a quem atribuir os trabalhos (eu próprio posso ter aqui incorrido nalgum erro, afora as não-atribuições). Mas essa é uma responsabilidade que deve ser desde logo assumida na liberdade de edição de um fanzine.
Creio estar algum destes números esgotado, mas vale a pena contactar o editor: acsenhorio@yahoo.com.

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