13 de setembro de 2006
The Squirel Mother Stories. Megan Kelso (Fantagraphics)
Enquanto teremos de esperar mais algum tempo até vermos a colecção de todos os episódios do Artichoke Tales, espalhados por várias publicações da Highwater, talvez o mais acabado e coeso dos universos diegéticos criados por Megan Kelso, podemos consultar esta antologia de vários dos seus trabalhos curtos, dos últimos 6 anos, que têm sido publicados em diversos locais, alguns de difícil acessibilidade (como revistas, mini-comics ou publicações caras).
Precisamente por serem trabalhos diversos que respondiam às necessidades específicas das plataformas editoriais para as quais foram convidadas ou produzidas ou pensadas, estamos perante uma grande diversidade em termos formais, no uso de cor ou de preto e branco, de cores primárias fechadas nos contornos das personagens ou pela opção por manchas de cor que localizam os espaços, na composição das pranchas, e até de programas narrativos – como a trilogia de curtas histórias sobre Alexander Hamilton, um dos “Founding Fathers” dos Estados Unidos, que se integram num todo harmónico. A diversidade da cor dos papéis que compõem as páginas deste livro responde a essa natureza, tornando-o um curioso retrato da diversidade dos trabalhos de Megan Kelso. O próprio estilo gráfico de Kelso oscila ligeiramente num espectro dominado pelos contornos seguros das figuras, por uma simplificação quase ora mais infantil (Halloween, 1976) ora mais próxima da “linha clara” europeia (Meow Face) ora ainda convivendo com as mãos de outro artista (Fuck the Troops!, com Ron Rege, Jr).
Todavia, não será difícil encontrar convergências, recorrências e aspectos comuns entre estas histórias. Um deles tem a ver com o modo como as tramas são construídas. Parece sempre que há algum acontecimento “fora de cena”. Explico: há uma focalização central sobre as personagens, mas depois desenvolvem-se acontecimentos, que têm repercussões sobre essa atenção central, mas cujos pormenores não nos são acessíveis. Por outro lado, a própria relação entre o que é um protagonista e uma personagem secundária parece ser colocado em suspensão nas histórias de Kelso deste livro: se os títulos e os tais acontecimentos centrais apontam para uma personagem, a verdadeira acção é levada a cabo por uma outra. Em Nettie’s Left-Handed Flute, por exemplo, acompanhamos quem observa, e não quem age; em The Pickle Fork, um romance onírico entre um garfo e uma colher (recordando uma a “tragédia grega” entre objectos de Gorey; e que se exemplifica aqui com uma prancha) acaba por ser reportado à esperança e subsequente desilusão – sempre silenciosas – de uma personagem que estava à margem dos acontecimentos.
Existem traços de caracterização – não só física, dado o “estilo” de Megan Kelso, como dos ambientes criados – comuns entre as jovens protagonistas (ou ligeiramente mais velhas) que apontam para uma possível exploração da autora pelos universos da “auto-ficção”. No entanto, a rememoração dos acontecimentos não serve um propósito de construção de memória propriamente dito, mas como plataforma para eleger um pequeno conto, uma curta narrativa sobre as sempre complicadas relações humanas: a esmagadora dos eventos, em si mesmos, nada têm de grandioso e muito menos de espectacular. “Retratos da vida”, para empregar uma frase feita. Mas mesmo o mais, aparentemente, banal dos relatos, como Bills, serve para desvendar parte do mistério que subjaz à vida destas protagonistas que mais não são do que o avatar da própria autora.
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