Gene Kannenberg Jr. é um reconhecido académico norte-americano cuja maioria dos trabalhos se dedicam ao estudo (multímodo) da banda desenhada. O seu papel neste livro é o de editor, tendo coordenado uma equipa de uma dezena de pessoas que escolheram 500 livros de banda desenhada os quais, por uma razão ou outra, são vistos como “essenciais” no conhecimento deste território. O objectivo foi a criação de um só volume, para um público não-especializado, de uma espécie de primeira colecção, a partir da qual se podem procurar novos caminhos, direcções e ideias. Os textos introdutórios, quer o geral quer o de cada secção/categoria (v. adiante), são muito explícitos quanto aos propósitos, escudando-se assim a priori de certas críticas que poderia ser feitas. Uma vez que se trata de um guia cujas balizas se compreendem nos livros em línguas inglesa facilmente acessíveis (isto é, no mercado), a inclusão de livros esgotados ou por traduzir foi posta de parte, e não há que estranhar existir uma maior preponderância de títulos de autores norte-americanos e ingleses, se bem que existam algumas excepções. Ou seja, não estamos perante uma obra pessoal e idiossincrática como o 40 cartoon Books of Interest de Seth, mas de um livro a constar em bibliotecas generalistas. Dito isto, haveria ainda muito para escavar...
Por exemplo, em relação aos europeus, há apenas uma inclusão do que está acessível, passando-se pelos incontornáveis Hergé, Goscinny e Uderzo, Jacobs, Morris, mas atendendo ainda aos novos sucessos, como David B. e Satrapi (eu sei que não é europeia, mas inscreve-se mais neste campo do que em qualquer outro), e passando por outros títulos disponíveis, de Trondeheim a De Crécy, de Juillard a Manara, de Gipi a Max. Os autores japoneses também estão presentes e, inteligente e naturalmente, em vez de se criar uma absurda categoria à parte (a mangá), uma vez que a estrutura segue a categorização por géneros, as suas obras são dispostas de acordo com as dez categorias escolhidas. Vejamos cada uma dessas categorias, assim como o “Top Ten” avançado pelos autores (e aos quais se seguem mais umas dezenas de títulos numa secção a que se dá o nome de “best of the rest” para cada categoria[de que dou algumas imagens, em má resolução]). Quando for pertinente, utilizarei o título mais conhecido em Portugal, mas tenha-se em conta serem sempre edições norte-americanas ou inglesas; e quando o nome do autor for claro no próprio título, não o repito à frente.
“Aventura”: A marca amarela de Jacobs, Disney’s Duck Tales Stories, vol. 1 [ed. Gemstone], de Barks, In the night kitchen, de Maurice Sendak, Leave it to chance, vol. 1, Shaman’s rain, de J. Robinson e P. Smith, Lone wolf and cub, vol. 1, The assassin’s road, de K. Koike e G. Kojima, Rapsódia Húngara, de Vittorio Giardino, Owly: the way home & the bittersweet summer, de Andy Runton, Príncipe Valente, vol 20, The pilgrimage [ed. Fantagraphics], de Foster, As torres de Bois-Maury, vol. 1, Babette, de Hermann, The complete classic adventures of Zorro, de A. Toth et al.
“Não-ficção”: Alice in Sunderland, de Bryan Talbot, American Splendor: the life and times of Harvey Pekar, de Pekar et al., Binky Brown Sampler, de Justin Green, Blankets, de C. Thompson, L’Ascencion du Haut Mal, de David B., Maus: a Survirvor’s tale, vols. 1 e 2, de Art Spiegelman, The minotaur’s tale, de Al Davison, Persepolis, de Satrapi, Pyongyang, de Guy Deslile, Understading Comics: the invisible art, de Scott McCloud.
“Crime/Mistério”: 100 Bullets: First Shot, Last Call, de Azzarello e Risso, A Cidade de Vidro, de Auster, Karasik e Mazzucchelli, The Complete Chester Gould’s Dick Tracy, vol. 1, 1931-1933, A History of Violence, de John Wagner e Vince Locke, Human Target: Final Cut, de Peter Milligan e Javier Pulido, Kane, book 1: Greetings from New Eden, de Paul Grist, Road to Perdition, de M. A. Collins e R. P. Rayner, Sin City: The Hard Goodbye, de Frank Miller, The Best of The Spirit, de Eisner, Whiteout, de Greg Rucka e Steve Lieber.
“Fantasia”: Bone [num só volume], de Jeff Smith, The Chronicles of Conan, vol. 1, Tower of the elephant and other stories, de Roy Thomas e Barry Windsor-Smith, Fábulas: Lendas em Exílio, de Bill Willigham e Lan Medina, Heart of Empire: the legacy of Luther Arkwright, de Bryan Talbot, Little Nemo in Slumberland ou So Many Splendid Sundays [parece haver uma discrepância entre o texto descritivo e a edição indicada, entre a Checker e a Sunday Press], Marie Gabrielle, de Pichard, The Compleat Moonshadow, de DeMatteis de Muth, Promethea, vol. 1, de Moore e Williams III, Sandman, vol. 3, Na Terra dos Sonhos, de Gaiman et al., Sláine: Books of Invasions, vol. 1, de Pat Mills e Clint Langley.
“Ficção em geral”: Bardín, o Superrealista, de Max, Cerebus: Church and State, de Dave Sim e Gerhard, The Contract with God Trilogy: Life on Dropsie Avenue, de Eisner, Ghost World, de Clowes, Jar of Fools, de Jason Lutes, Locas: the Maggie and Hopey Stories, de Jaime Hernandez, Signal to Noise, de Gaiman e McKean, A Small Killing, de Moore e Zarate, Stuck Rubber Baby, de Howard Cruse, The tale of one bad rat, de B. Talbot.
“Terror”: Hellblazer: Dangerous Habits, de Garth Ennis e Will Simpson, Hellboy, vol. 3, The chained coffin and other stories, de Mignola, Hellspawn: The Ashley Wood collection, com Brian Michael Bendis e Steve Niles, Preacher: Gone to Texas, Ennis e Steve Dillon, The Sandman, vol. 1., Prelúdios e Nocturnos, de Gaiman et al., Skin Deep: tales of Doomed Romance, de Charles Burns, Strange Embrace, de David Hine, Swamp Thing, vol. 1, Saga of the ST, de Moore, Bissette e Totleben, The EC Archives: Tales from the Crypt, vol. 1, de Al Feldstein, Ingels e outros, The Walking Dead, vol. 1, Days gone bye, de Robert Kirkman e Tony Moore.
“Humor”: Buddy does Seattle, de Peter Bagge, The Complete Calvin and Hobbes, de B. Watterson, The Complete Crumb Comics, vol. 8, de Crumb, The Cowboy Wally Show, de Kyle Baker, Flaming Carrot, vol. 3, Flaming Carrot’s greatest hits, de Bob Burden, Groo: Library, de Sergio Aragonés, He done her wrong, de Milt Gross, Liberty meadows, livro 1, Eden, de Frank Cho, Quimby the Mouse, de C. Ware, Tank Girl: vol. 1, de Jamie Hewlett e Alan Martin.
“Ficção científica”: Akira, vol. 1, de Otomo, Concrete, vol. 1, Depths, de Paul Chadwick, Ghost in the Shell, vol. 1, de Shirow, Hard Boiled, de Miller e Darrow, The Invisibles, vol. 1, Say you want a revolution, de G. Morrison, S. Yeowell e J. Thompson, Judge Dredd: The complete case files 01, de John Wagner, Carlos Ezquerra e outros, The League of Extraordinary Gentlemen, vol. 1, de Moore e K. O’Neill, Star Wars: Dark Empire, vols. 1 e 2, de Tom Veitch e Cam Kennedy, Transmetropolitan: Back on the street, de Ellis e Robertson, V for Vendetta, de Moore e Lloyd.
“Super-heróis”: Across the Universe: The DC universe stories of Alan Moore, com vários artistas, Batman: The Dark Knight Returns, de Miller, Janson e Varley, Batman: Hush, vols. 1 e 2, Jeph Loeb, Jim Lee e S. Williams, Essential Fantastic Four, vol. 1, de Stan Lee e Jack Kirby, Marvels, de Busiek e Ross, Planetary, vol. 1, All over the world and other stories, de Ellis e Cassaday, Spawn: Collected edition, vol. 1, de Todd Mcfarlane, Essential Spider-man, vol. 2, de Stan Lee, Ditko e Romita [Sr.], The Ultimates, vol. 1, de Mark Millar e Bryan Hitch, Watchmen, de Moore e Gibbons.
“Guerra”: The 9/11 Report: A graphic adaptation, de Sid Jacobson e Ernie Colón, 300, de Miller e Varley, Barefoot Gen, vol. 1, A cartoon story of Hiroshima, de Nakazawa, Charley’s war: 2 June – 1 August 1945, Pat Mills e Joe Colquhoun, The Fixer: a story from Sarajevo, de Sacco, Last day in Vietnam, de Eisner, Palestina, de Sacco, Fábula de Bagdad, de Vaughan e Henrichon, When the wind blows, de Raymond Briggs, e Yossel, de Joe Kubert.
De certeza que a leitura destes tops será o suficiente para desencadear nos leitores reacções de “falta este” e “esse era escusado”... Mas pouco importa apontar, em relação a uma escolha, outra escolha. É preciso antes ver as condições dessa mesma escolha. A própria organização por géneros poderá levantar problemas de fundo. Será que o V for Vendetta pode ser reduzido a “ficção científica”? Que Astérix se fique somente pela “fantasia”? Que a adaptação de Karasik e Mazzucchelli de A Cidade de Vidro possa ser compreendida como “novela de crime”? Estas não são mais do que perguntas retóricas, naturalmente, e que desejam ser respondidas na negativa, através de uma leitura não genérica das obras em particular mas, retornando aos avisos indicados ao início, a escolha deste princípio de organização de uma obra deste teor é aceitável e compreensível.
Há também que alertar para a questão do título. Na verdade, se este livro fosse traduzido para português o mais apropriado seria dizer “500 livros de banda desenhada”, como o fizemos acima. O termo “graphic novel” é explicado no interior dos textos, alertando para o facto de que não foi Will Eisner quem o cunhou (tendo uma história convoluta e subterrânea), ainda que tenha sido esse autor mais famoso que, com A Contract with God (na verdade, um conjunto de três contos), deu a conhecer o termo a um grande público e que lhe permitiu mesmo a sua imitação, continuação e mutação. A história deste termo pode ser simples, de uma perspectiva, mas o que ele compreende e abarca é mais complicado, e poderia ser um termo retrospectivo, englobando os livros de Töpffer e de Doyle, do século XIX, como os primeiros álbuns de Saint-Ogan, etc. Nos Estados Unidos, se bem que à partida signifique, ou pareça significar, uma obra em formato de livro, a verdade é que muitos são os casos em que são a colecção completa de uma mini-série ou algo que fora publicado antes em episódios (os casos agora clássicos de Watchmen, The Dark Knight Returns, Maus, V for Vendetta, etc.). Uma segunda acepção é a junção de uns quantos títulos de uma revista (comic book) com uma narrativa contínua num só volume (trade paperback), contenha esse volume uma sub-narrativa coesa mais ou menos fechada (os casos de The Dark Phoenix Saga, Hellblazer: Dangerous Habits, The Authority: Relentless; nos casos de séries que continuam – Hellblazer – ou que tenham terminado – Preacher, Alias, Sandman– é escolhido um ou dois títulos que sejam pertinentes e “introdutórios” no interior da saga) ou simplesmente uma antologia em torno de um tema ou personagem(ns) (os casos de Archie Americana Series: Best of the Fifties, Definitive Silver Surfer, Green Lantern/Green Arrow Collection). Mais, neste guia são ainda incluídos exemplos de antologias de vários trabalhos autonomamente editados (The Best of Bijou Funnies), antologias publicadas enquanto tal (Big Fat Little Lit, Amphigorey), ou colecções de tiras ou séries periódicas não-contínuas (The Complete Peanuts, The Complete Calvin and Hobbes, Krazy & Ignatz).
Cada “entrada” é acompanhada de uma escala por estrelas (de uma a cinco, mas não há nenhuma das entradas com uma só estrela, o que o tornaria automaticamente “não essencial”). Pessoalmente, estas estrelas são absolutamente escusadas, sobretudo se tivermos em conta que não há uma verdadeira explicação do modo como funcionam e entram em choque frontal mais com as nossas impressões pessoais (que me faz levantar o sobrolho em relação a colocarem Persepolis acima de Epileptic – a tradução de L’Ascension du Haut Mal – , por exemplo) do que no interior de uma troca de argumentos mais balizados. Ou seja, bastará abstrairmo-nos dessa estratificação bacoca. Finalmente, os textos descritivos de cada uma das obras é desdobrado numa rápida sinopse, mais complicada nalguns casos do que noutros, e uma pequena resenha, às vezes iluminadora, muitas vezes deixando o desejo de que se tivesse tornando mais explícita. É um excelente exercício de concisão e de um discurso mais directo, mas mostra os problemas de uma verdadeira crítica. É um guia, e não deseja mais do que isso. Não obstante, algumas informações explicam a inclusão de determinado título. Por exemplo, jamais daria atenção aos títulos de Buffy, the Vampire Slayer, mas a inclusão do volume que vem colocar a série de banda desenhada como continuação oficial da série televisiva (a 8ª), torna este um caso particularmente interessante das fronteiras ultrapassadas entre os vários meios de comunicação. Ou seja, mesmo que haja um confronto com gostos pessoais e inclinações específicas, as opções são pertinentes e tornadas claras.
Indispensável numa primeira abordagem, ou em quem queira ter uma ideia de que tipo de biblioteca de banda desenhada gostaria de construir.
Nota: o volume consultado pertence à biblioteca da Escola Superior Artística do Porto, extensão de Guimarães.
Não li este livro e, por isso, pergunto: na discussão/história da expressão "graphic novel" foi tida em conta a parte mais importante? A saber, que a popularização da dita resultou de uma tentativa bem sucedida por parte de Chris Oliveros, e outros, em fugir ao ghetto das "comic stores" (onde, está bom de ver, a super-heroicidade detém um reino absoluto sobre tudo quanto cheire minimamente a obra adulta) para criar secções nas livrarias normais. Sobre o livro e sobre estas questões ler as sempre interessantes opiniões de Eddie Campbell:
ResponderEliminar"For the record, they did ask my permission to include images from my very first book and I said NO. Why they should choose that and ignore all that followed tended to raise my ire but I would have told them anyway, and I did, that anyone who thinks there are more than a few dozen so-called 'graphic novels' worth reading is an idiot."
Ainda mais interessante aqui, no comentário a _Red Colored Elegy_:
http://eddiecampbell.blogspot.com/search/label/new%20books
A discussão no CJ Messboard:
ResponderEliminarhttp://www.tcj.com/messboard/viewtopic.php?t=4996&highlight=eddie+campbell
Como julgo que deixei claro no artigo, este livro não tem um intuito histórico nem académico, mas meramente apresentar uma potencial lista de livros de banda desenhada, no mar de livros existentes, e cartografá-los de uma maneira relativamente pertinente para ajudar novos leitores. Se se tratasse de uma obra com um intuito assumidamente canónico, não seria apenas perigoso como um "de-serviço", se me é permitido este anglicismo. Logo, não me parece fazer sentido uma tempestade sobre isto.
ResponderEliminarE os textos assumem o carácter provisório quer das escolhas quer dos comentários, e alerta mesmo que a escolha oscila entre "graphic novels" propriamente ditas (se bem que eu não saberia dizer o que isso é) e antologias, colecções, etc.
Que o Eddie Campbell tenha uma short-list mais diminuta não me surpreende, mas que ache que quem encontre mais de uma dúzia de livros de banda desenhada notáveis é um idiota é, naturalmente, uma idiotice que apenas a ele lhe pertence. Existem forças diferentes, direcções diferentes, mas não hierarquias fechadas.
Apreoveito para chamar a atenção dos leitores que Domingos Isabelinho tem, finalmente, um blog: http://thecribsheet-isabelinho.blogspot.com/