O título em inglês desta publicação é Where's the wind when it isn't blowing? Political graphic novels from Albrecht Dürer to Art Spiegelman. Este é um catálogo de uma exposição feita em Hamburgo dedicada a uma linha específica da história da arte, a saber, ciclos ou séries de imagens que iluminassem uma qualquer faceta do Político, tecendo uma continuidade entre objectos consagrados, tais como o Apocalipse de Dürer (1496), os Caprichos de Goya (1731-1733), as duas gravuras famosas de Picasso Sueño y mentira de Franco (1937), obras-primas da banda desenhada, dos Kin-der-Kids de Feininger ao Maus de Spiegelman, de Herriman e Calvo a Crumb e Sue Coe, passando por obras outras da mesma área (o Asterios Polyp de Mazzucchelli, a obra de Trudeau, Will Eisner, e outros, passando mesmo pelo Understanding Comics de McCloud), e ainda objectos díspares tais como as imagens dos isótipos de Arntz e Neurath, bandas desenhadas instrutivas-institucionais, muitos mestres da caricatura/cartoon/desenho, as ilustrações com ou sem fito próprio de Raymond Pettibon, a iconoclastia/reinvenção dos irmãos Chapman, as intalações de Fahlström, os murais de Keith Haring... O catálogo abdica de qualquer contextualização, texto introdutório ou até mesmo princípios de organização. Mais, não é um repositório dos trabalhos exibidos, extremamente heteróclitos, mas antes um exercício de pensamento visual, um ensaio visual se preferirem, muito bem informado e amplo, em torno dessa mesma matéria.
De certa forma, é quase um gesto warburgiano, em que se procuram identificar os elos de ligação e continuidade entre o que parecem ser imagens inirmanáveis, e deixá-las “falar por si” (se bem que Warburg previa sempre um texto expositivo, a regra da razão histórica por sobre a primeira linha de associação visual).
Um dos problemas prementes em qualquer exposição de banda desenhada ou áreas contíguas é qual a pertinência de expor material que visaria a sua reprodução e vida final/última num objecto para a legibilidade individual imitando os preceitos das artes visuais propriamente ditas (socialmente). É o que ocorre com esta exposição e com Cent pour cent. Essa é uma daquelas perguntas que devem ser colocadas sempre que se faz uma exposição, mas não terá jamais uma resposta satisfatória. Tentar-se-ão sempre novas soluções que levam a novos questionamentos sobre a disposição, o arranjo, a ordem, a leitura e as relações permitidas na “mostra” da arte da banda desenhada e ilustração. Este objecto é uma longa pergunta. Fisicamente falando, imaginemos que deparamos com este objecto num qualquer local: estamos menos perante um “catálogo” do que um destes muitos livros publicados contemporaneamente que juntam imagens diversas e dispersas, esperando que nessa conjunção possa emergir um qualquer sentido, mesmo que fantasmático. Só que de facto está associado a uma exposição de uma instituição específica, como se compreende pelas poucas informações textuais, que passa pela lista de nomes dos autores presentes na exposição mas não necessariamente no livro que temos na mão.
Não obstante, existem textos que lhe estão associados, e que rondam a instituição... esses textos na verdade são problemáticos em alguns aspectos (por exemplo, considerarem que os livros de banda desenhada são “universais” porque “toda a gente os compreende”, ou que existem poucos exemplos de exploração verdadeiramente política e engajada da parte da banda desenhada), mas tornam mais ou menos claros os objectivos dos organizadores, as preocupações de legibilidade da exposição, as estratégias expositivas, e a associação a outras questões. O título, mostrando uma pergunta que tem tanto de absurdo como de surrealista, obriga-nos a querer procurar uma resposta, mesmo sabendo que não a encontraremos. A segunda parte do título, descritiva, desvia o objecto de atenção, ou transforma-o, e faz-nos pensar que o próprio conceito-chave, o da “graphic novel”, o “romance gráfico”, é algo de permanentemente aberto e discutível, historicamente retroactivo e filosoficamente complexo. Where's the wind when it isn't blowing? torna a amplitude dessa perspectiva o mais aberta possível. Pouco importa se concordaremos com ela ou não, pois o seu objectivo é obrigar-nos a pensar nas possibilidades que essa amplitude permite.
No limite, permite-nos fazer perguntas.
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