12 de setembro de 2012

Prophet. Brandon Graham et al. (Image)

Estando ainda em desenvolvimento, esta série de comic books poderá ter desfechos inesperados ou alterações à própria natureza do projecto, como já nos habituou ao fim de, até à data, nove números (os seis primeiros compondo um TPB). Esta série inicia-se no número 21, dando continuidade a um título que havia sido interrompido em 1995, se não estamos em erro, e que fazia parte da panóplia típica da primeira Image. Para mais, esta personagem foi criada pelo inenarrável Rob Liefeld. Um dos aspectos positivos desta série, em relação à sua “vida anterior”, é que essas informações não são, e forma alguma, necessárias. Não se trata apenas de um reboot, como ocorreu no caso de Supreme nas mãos de Alan Moore. Podemos mesmo ver esta série como algo de novo. Se bem que isto seja discutível, preferimos acreditar que a dispensa displicente da obra de Liefeld é uma atitude de sanidade mental. Se Moore teve o cuidado de desmontar Supreme para lhe criar novas direcções, Graham parece ter deitado fora as peças e começou de novo.
Se se reduzirem os elementos desta(s) história(s) a palavras-descritores, encontraremos, de certa maneira, uma repetição do que está previsto em King City: o regresso de um herói a um local de onde estava afastado, um futuro distante na Terra, a subversão de uma missão, mistura entre tecnologia e magia, metástases ficcionais a partir de narrativas cristalizadas, etc.
Num hipotético, remoto e pouco familiar futuro, John Prophet acorda. Apesar de ser sempre complicado lançar mão a elementos culturais ou físicos que sejam tão estranhos que não encontrem qualquer tipo de reflexo ou analogia nos humanos, Graham faz com que o seu protagonista surja num momento tão futuro sobre a terra que quase não há sinais da civilização humana. Esta expandiu-se através do universo mas depois se apagou, deixando apenas destroços de tecnologias, paradoxalmente, futuras - para nós - e arcaicas - para o presente da narrativa -, e todos os seus habitantes – várias espécies alienígenas, quer inteligentes quer de “animais”. A missão que John Prophet tem é conseguir reactivar as redes de comunicação, que permitam por sua vez “acordar o Império Terra”.
Mas tal como a personagem original atravessava vários momentos na História da Humanidade, também esta se fragmenta a si mesma. John é uma espécie de clone ou equipamento repetido e espalhado nesse universo, e paulatinamente seguiremos as pisadas de vários “Johns Prophets”. A série é constituída por vários “arcos”, alguns dos quais totalmente desligados uns dos outros, e histórias paralelas.
Este modo de construir a história permite que se vá avançando por contos autónomos, que se encaixam no universo maior (aqui, quer no seu sentido habitual do mundo da narrativa quer no sentido literal, que assume nesta space opera). Uma vez que temos clones, podemos ter uma história sobre um dos Johns Prophets num planeta longínquo, e assim vermos toda uma série de civilizações ou meios ecológicos alienígenas. As histórias curtas (“back-ups”) dos vários convidados (Emma Rios, Lin Visel, Frank Teran, Matt Sheean e Malachi Ward, a recuperação do trabalho de Fil Barlow, outras das referências-chave para Graham) trazem ainda mais dessas camadas, e é curioso ver como muitas vezes se opta menos por um tom explicativo, e mais por uma quase fria exposição dos factos, das espécies encontradas e da tecnologia empregue, como se fosse a coisa mais banal de se saber – e, naquela realidade ficcional, é. Esse factor vai até aumentando em grau à medida que a série avança. O primeiro arco parece inscrever-se num método formulaico, em que se utiliza uma personagem/trademark numa história nova, mesmo que aqui seja um futuro irreconhecível. Mas mal este termina, Graham apresenta uma mão-cheia de histórias com Johns diferentes e fica nas mãos do leitor ir percebendo como se encaixam umas nas outras. E a atenção aos pormenores (desde o cuidado em perceber as diferenças entre as espécies, como é que uma peça de equipamento surge ou funciona, etc.) é ou será recompensada.
Essa estrutura remete mais uma vez, como dissemos a propósito de King City, a práticas editoriais de outras plataformas. Recordam-nos aquelas histórias curtas, concisas e por isso mais reverberantes, ainda que obscuras, que se liam em revistas tais como a Métal Hurlant, a Heavy Metal, a 2000AD, a Mundo de Aventuras, ao longo das décadas de 1970 e 1980. Precisamente um quadro de referências importantes para Graham.
Haverá, seguramente, muitos outros trabalhos com os quais poderíamos fazer comparações, em quase todos os momentos e palcos em que se produziu banda desenhada de ficção científica (e literatura, e cinema, e teatro). Não seria totalmente disparatado encontrar ora ecos ora afinidades com P. Christin e J.-Cl. Mézières, Bryan Talbot, Carla Speed McNeill, Matt Howarth, Ricardo Delgado (Hieroglyph) e a clássica Alien Legion no sentido de tentar criar - com menor ou maior sucesso - culturas complexas e verdadeiramente outras, em vez se simples projecções das culturas terrenas actuais num contexto científico-ficcional.
Tal como ocorre em King City, mas mais acentuadamente, Prophet é um projecto de colaboração. Graham conta com Simon Roy nos primeiros números como artista, mas depois como co-escritor também, e com um grupo curioso de artistas a emprestar os seus talentos e dimensões visuais (e mais uma vez remetendo àquela discussão de um tipo de trabalho que complica a relação “mainstream” e “alternativo”), como Farel Dalrymple [a segunda prancha mostrada] e Giannis Milonogiannis (e relembremos as histórias paralelas). Quando é o próprio Graham a desenhar, há como que qualidades de Miyazaki a aparecerem, de tão delicado que as suas linhas se tornam neste contexto, quase fantasioso [veja-se esta imagem], mas os restantes colaboradores reforçam um certo realismo carnal e físico, muito apto a esta fantasia negra, lamacenta e lenta, da missão de um só homem contra um império sideral.
De tom bem diverso de King City, mais soturno, não deixa porém de ter uma leveza muito salutar.
[Nota: imagens todas da web]

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  2. Caro Guilherme,
    Por alguma razão, você acabou por eliminar os dois comentários (repetidos). Mas obrigado por deixar o seu entusiasmo. É difícil acompanhar tudo o que existe, como é óbvio, e muitas vezes temos de apelar para instintos que nada têm a ver com a leitura analítica desapaixonada. Por isso, concordo consigo: há sempre séries um pouco por todo o lado, por vezes com muito "hype" mas que deixam muito a desejar (um exemplo: a série "Casanova" de Fraction e os gémeos); esta série de Graham é uma curiosa mistura entre o complexo (pelas referências, a rede de personagens e tempos, etc.) e o simples (os aspectos mais de "aventura" e/ou "humor"), tornando-a apelativa a mais do que um nível.
    Valeu!
    Pedro

    ResponderEliminar
  3. Opa, foi sem querer, não sabia que havia excluído os dois comentários. Deixo ele aqui a nível de curiosidade para quer ler o seu:

    Tenho lido essa série e gostado muito. Como você mesmo disse, ele remete mais aos quadrinhos sci-fi europeus do que americano. No meio de tantos quadrinhos ruins que o mercados dos EUA despejam, Prophet se destaca como um gibi de audacioso e exigente.

    Pena que, apesar de excelentes críticas dos especialistas, a série sofra com uma baixa vendagem e a Image inclusive aumentou o preço dela para poder continuar a publica-la.

    ResponderEliminar
  4. Quanto a Casanova, gosto da série e seus realizadores (Fraction, Bá e Moon), mas também não consegui distingui-la como uma obra-prima dos comics desse início de século (como foi afirmado pelo Michael Chabon, um escritor que admiro muito)e talvez deva ter uma visão melhor sobre ela daqui alguns anos, quando o mercado e o contexto forem outro.


    P.S. Hawkeye é uma série atual do Fraction (com o David Aja) e que está ótima. Vai muito além da história de super-herói e se assemelha com as indies.

    ResponderEliminar
  5. Caro Guilherme,
    obrigado por repor a questão. Vou já procurar essa série do Fraction, obrigado. Eu até que gostei do trash pulp que ele fez com o Brubaker em torno do Punho de Ferro, mas muito sinceramente tudo o resto me pareceu sempre pouco desenvolvido, inclusive o "Fear Itself", que muito prometia mas foi mal gerido.
    Obrigado!
    Pedro

    ResponderEliminar