É já de notícia pública que o próximo FIBDA (Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora) tem como destaques principais exposições de Cyril Pedrosa, Ricard Cabral e Paulo Monteiro (que assinou o cartaz), entre outras. Mas o que une esses três autores e a exposição central é um princípio comum, ainda que elástico, a saber, o da autobiografia em banda desenhada. Foi com grato prazer e honra que fomos convidados a comissariar essa mesma exposição central, a qual se pauta mais por princípios institucionais, de clareza de informação e equilíbrios internos do que uma mais decidida - e, porventura, limitada - escolha pessoal. Assim sendo, esperamos que a multiplicidade desse "sub-campo" (como lhe chamamos e argumentamos no texto do catálogo) seja demonstrada através da arte original, reproduções e mostra bibliográfica que se apresentará. Fica aqui uma das versões (longas) do texto de divulgação, também assinado por nós.
"A autobiografia
é um género que no modo de expressão da banda desenhada se consolidou por
volta dos anos 1960 e 1970, quer nos Estados Unidos, sobretudo com os autores
afectos ao movimento dos underground comix, quer em França com pequenas
experiências pelo humor irrisório de Gotlib, Mandryka, Gire ou mesmo Jean
Giraud.
“Existem exemplos que
podem ser colhidos ao longo da história da banda desenhada, e no caso português
a menção de Rafael Bordalo Pinheiro não seria, como sempre, descabida. Contudo,
enquanto género próprio, ou até possibilidade de criação, apenas emerge na contemporaneidade.
Autores como Justin Green, Robert Crumb, Aline Kominsky, Edmond Baudoin, Carlos
Giménez, Keiji Nakazawa e Harvey Pekar são fundamentais e influentes na
abertura dessa possibilidade.
“Os
anos 1990, mais uma vez nos três pólos principais da produção de banda
desenhada global (França, Estados Unidos e Japão) marcariam uma viragem e
exposição substancial: aí poderíamos destacar nomes tais como Seth, Chester
Brown, David B., Julie Doucet, Jean-Christophe Menu, Yoshiharu Tsuge, Fabrice Neaud, Debbie Drechsler,
Howard Cruse, Marjane Satrapi, Craig Thompson, Alison Bechdel, entre tantas
outras possíveis referências num universo muito alargado.
“Portugal, por todas as
vicissitudes e especificidades da sua história particular da banda desenhada,
tem uma presença no campo da autobiografia mais tímida, mas não seria errado
pensar nos nomes de Fernando Relvas ou Ana Cortesão nesse balanço. Mais
recentemente, autores como Marcos Farrajota e Marco Mendes exploram esse
território de um modo explícito e criativo.
“Tendo em conta que a história da
banda desenhada, sobretudo no século XX, foi ocupada sobretudo por géneros
infanto-juvenis e associados a géneros fantasiosos, escapistas ou delimitados
por regras de expectativas mercantis, a autobiografia foi um dos géneros que
mais e melhor contribui para uma sua abertura e desenvolvimento cultural. Quer
dizer, a paulatina mas assegurada consolidação da banda desenhada como uma arte
ou modo de expressão passível de ser empregue para quaisquer fins, narrativos,
artísticos, estilísticos, políticos ou filosóficos, que sejam desejados pelos
autores, encontrou nesse género em particular uma das vias de expansão. É aí
que encontramos um contributo decisivo para o aparecimento de editoras
alternativas dedicadas à produção não apenas de revistas mas de livros (a
canadiana Drawn& Quarterly e a francesa L'Association poderão servir de
exemplos maiores), e que influenciariam igualmente editoras mais tradicionais,
assim como é graças a esses novos autores e essas obras que a banda desenhada
ganha um espaço mais digno e crítico na recepção crítica cultural, levando
mesmo à sua inclusão em prémios literários prestigiados, bolsas de
desenvolvimento artístico, residências, convites aos autores para participarem em
encontros transdisciplinares, já para não falar do enorme ímpeto que deram aos
estudos académicos de banda desenhada”.
A exposição compreenderá uma mostra integral do fundamental Binky Brown Meets the Holy Virgin Mary, de Justin Green, e apresentará os seguintes núcleos: núcleo central, "o corpo", "a família", "memória histórica", "memória alheia", "diário de viagem" e "auto-ficção".
Agradecimentos a toda a equipa do FIBDA e CNBDI.
Estou em pulgas para ver a exposição (sobretudo os originais do Justin Green). Parabéns, Pedro!
ResponderEliminarPara quem costuma como eu ser muito crítico do FIBDA principalmente por considerar que poderia ser muito mais do que é e evoluir, devo dizer que este ano as críticas que tenho a fazer são todas positivas, e que para as mesmas contribuíram por um lado a gentileza do responsável em substituir-me na obtenção de autógrafos de dois autores estrangeiros (motivo pessoal como podem entender), à exposição em geral, e em particular a ter tido a oportunidade de ouvir do responsável deste blog e comissionário da FIBDA deste ano a sua apresentação guiada sobre o tema da FIBDA, que ainda teve companhia de dois autores estrangeiros, resumindo foi excelente e muito interessante e para mim fez com que como visitante tivesse visto as minhas expectativas superadas, que as FIBDAs dos próximos anos sejam como a deste ano. Parabéns!
ResponderEliminarJoão Antunes
Caro João,
ResponderEliminarObrigado pelas palavras, e sinceramente espero que tenha sido agradável (já que quando começo a falar, tenho dificuldade em terminar!). Como expliquei antes, a minha responsabilidade limitou-se à organização dos elementos necessários para respeitar o tema da "autobiografia", proposto pela direcção do FIBDA. No entanto, se me for permitido, desde que comecei a colaborar com o Festival que tenho insistido na importância e valor que haverá em contactar agentes externos ao FIBDA para pensar, organizar, diversificar e comunicar a banda desenhada. Espero que isso continue a acontecer, tal como espero poder estar envolvido de quando em vez noutras acções.
Obrigado e até breve!
Pedro Moura