Depois destas duas semanas de navegarmos por entre os milhares de páginas possíveis de séries de banda desenhada publicadas em comic books, a esmagadora maioria dos quais contribuindo sempre para um corpus mais ou menos consensual de um só género, o de super-heróis, terminamos com um regresso ao princípio, de novo para a DC Comics, uma das duas principais editoras desse campo. No entanto, estamos algo afastados do formato dos comic books, pois nos casos presentes os volumes apresentados urgem como colecções em si mesmas dessas revistinhas, criando unidades mais ou menos coesas, mais ou menos consequentes. Num mercado em que a presença de títulos vendidos em quiosques e papelarias são maioritariamente infanto-juvenis, e o mercado livreiro, apesar dos esforços de projectos editoriais tão distintos quando a Contraponto, a Polvo, a Chili Com Carne, a Biblioteca de Alice e a Kingpin, entre outras, não conquista o espaço de divulgação e circulação cultural que mereceria (isto é, sair do “universo da bd” para passar a ser visto como “autobiografia”, “biografia”, “jornalismo em banda desenhada”, “ficção contemporânea”, etc.), o surgimento destas colecções de livros distribuídos por jornais à escala nacional ganham uma visibilidade particularmente assinalável. Se elas poderão estimular sobretudo os instintos mais basilares dos “coleccionadores da bd”, ao mesmo tempo são garante da presença de algumas referências nada displicentes para a compreensão e, porque não?, a apreciação do género. Além do mais, outras dimensões dos livros contribuem para essa introdução, com os textos, curtos, mas directos, informativos e “cheios” de João Miguel Lameiras, Filipe Faria e José de Freitas, que encontram um perfeito equilíbrio entre a história da personagem, a sua edição em território nacional e a sua integração da maior história cultural. Ainda que o design da colecção seja algo convencional, podendo tido procurar soluções mais sofisticadas, e tenha poucos “extras”, enquanto objecto de colecção apresenta todos aqueles elementos necessários ao desejo completista. O preço é também decisivo. A presença dos super-heróis em traduções de língua portuguesa tem uma história algo conturbada e que foi sofrendo com as vicissitudes da exposição a outros meios (cinema e televisão), alterações de mercado interno (importações do Brasil, importações directas, edição nacional), “diálogo” com outros pólos de produção (mais ou menos concorrência com títulos afectos à banda desenhada inglesa, ou franco-belga, etc.). Penso que não estaremos muito longe de uma perspectiva correcta se dissermos que a exposição através das publicações da Agência Portuguesa de Revistas foi fundamental, apesar da presença de alguns títulos vindos do Brasil, integração em títulos de revistas nacionais, e até a sua publicação em jornais. As revistas, por um lado, Hulk, Homem-Aranha e Thor, e, por outro, as alternadas Super-Homem e Batman, foram os pontos basilares para os fãs iniciantes no final da década de 1970 e início da de 1980, e que mais tarde se descobririam à venda ao molho em quiosques ou quem vendesse coisas em segunda mão. Nesses mesmos anos, a entrada dos “gibis” brasileiros da Abril, em catadupa (temos um marco muito pessoal com o Superaventuras Marvel no. 3), consolidou esse público e cultura. Desde então, as coisas começaram a esmorecer e não teriam a mesma presença, apesar dos esforços pontuais de alguns títulos. Apenas por volta do ano 2000, com a presença da Devir Portugal, as revistas - desta feita, verdadeiros comic books - fazem a sua entrada, mas não medrariam mais de uns 5 a 6 anos. No entanto, com a excepção dos gibis da Abril e depois da Devir, não houve um acesso contínuo à, lá está, continuidade destes “Universos diegéticos”. Apesar da aposta de vários projectos que podem ser vistos como títulos quase totalmente autónomos (isto é, em que um conhecimento enciclopédico destas histórias e personagens pode ajudar, mas não é fundamental), como A Piada Mortal (Devir) e Kingdom Come (Vitamina BD), mais recentemente o surgimento destas personagens é fragmentário. Não obstante, encontramos nos volumes das várias colecções que têm sido publicadas junto a jornais alguns desses pequenos marcos. As colecções Os clássicos da banda desenhada e Série Ouro, distribuídos com o Correio da Manhã, e depois as mais coesas colecções editadas e publicadas pela Levoir: a colecções Heróis Marvel, do ano passado, e esta Super-Heróis DC Comics.
Tendo em conta aquilo que se disse sobre os prazeres inerentes ao seguimento das revistas mensais, e ainda para mais ao tipo de construção retroactiva e paulatina que os leitores fazem para se aproximarem da “continuidade” destes universos, o confronto com este tipo de projectos pode ser desequilibrado. Não se trata de um juízo de valor sobre o trabalho de edição, trata-se das conveniências e circunstâncias do confronto com leitores diferentes. Afinal, se se tratam de leitores assíduos e conhecedores, a maior parte destes títulos são conhecidos, familiares e apontam para vários momentos das suas histórias pessoais de relacionamento com estas personagens. Se se trata de novos leitores, será um tratamento de chofre entrar em contacto com tantas peças tão desirmanadas. No entanto, arriscamo-nos a dizer que é precisamente aí que residirá grande parte do prazer a ir descobrindo o fio à meada. Ainda regressando à edição, porém, seguramente que são vários os factores que ditam as escolhas, as coordenações e até o que já havia sido publicado. Se A Killing Joke/A piada mortal poderia ser coordenada com The Man Who Laughs/O homem que ri, escrito por Brubaker, este último título saíra na colecção do Correio da Manhã, e Joker de Azzarello e Bermejo é um forte candidato da produção contemporânea para o corpus associado directamente àquela personagem. Além do mais, houve uma preocupação em tornar acessíveis alguns dos gestos mais significativos para o “universo” da DC, ou os seus “clássicos”, desde o Crise nas terras infinitas, ao run de Morrison no Batman, ou a fase do Arqueiro Verde e Lanterna Verde de O’Neil e Adams, coligido nesta colecção com o título Inocência Perdida. Seja como for, todo este material é anterior ao tal reboot New 52, de que faláramos antes. Tal como havíamos indicado em alguns dos posts anteriores, é Batman talvez a personagem mais paradigmática para introduzir, complexificar e discutir e expor a questão dessa continuidade. Reparem-se nos dois volumes já saídos, Herança Maldita e Saga de Ra’s Al Ghul. O primeiro volume que saiu na colecção (no. 2) reúne, por um lado, uma parte do run de Grant Morrison, no qual se introduz Damian, o filho de Bruce Wayne e Talia Al Ghul, que assumirá o papel de um novo e especial Robin, e que encontra duas mortes (a falsa, que encerra a primeira parte do volume; e mais tarde a definitiva, que o elimina do universo). Por outro lado, o volume tem ainda uma espécie de coda do arco “A morte de Batman”, também de Morrison, sendo essa história em duas partes uma espécie de homenagem a toda a existência de Batman, seguindo o modelo de Alan Moore e Curt Swan para o Super-Homem em “Whatever Happened to the Man of Tomorrow”, mas introduzindo muitos dos elementos fantasiosos típicos dessoutro escritor britânico. Para todos os efeitos, tratam-se de dois troços de uma narrativa mais ou menos contínua e coesa, apesar da de Gaiman “eclipsar-se” para um reino fantasioso, ou um desvio. Mas com a leitura de Saga, que tem material de 1971-72 e depois de 1987, vemos uma fase anterior onde se encontrarão algumas das “sementes” das ideias mais tarde empregues por Morrison, sobretudo a de que Wayne e Talia haviam tido um filho (nunca visto na história mais antiga [ver correcção nos comentários]). Para além de todas as excelentes informações disponibilizadas nos prefácios, há uma perspectiva que poderia ser acrescentada. Repetidamente se vê o trabalho de O’Neil e Adams (em Batman e Arqueiro Verde/Lanterna Verde) como um momento em que se introduz um factor de maior seriedade e envolvimento político-social com a realidade da parte do género dos super-heróis. Isso não é, de forma alguma falso, e medraria de maneira a englobar o trabalho de Mark Gruenwald (Squadron Supreme), Frank Miller (Daredevil, primeiro, e depois o seu The Dark Knight Returns), e Alan Moore (Miracleman, Watchmen, etc..) e tudo o que se seguiria. Em The Superhero Reader, porém, a leitura do ensaio “Batman, Deviance and Camp”, de Andy Medhurst, torna muito clara a política de ultra-heterossexualização pela qual Batman passou na década de 1970, precisamente para evitar as leituras camp que haviam sobrevivido desde a análise (algo desequilibrada nos seus contornos, mas acertadas em alguns outros aspectos) de Fredrik Wertham, e se haviam exacerbado no seu famoso programa de televisão. A saída de Robin do espaço doméstico de Wayne, a mudança para um apartamento na cidade do herói, o seu envolvimento e cenas românticas com mulheres, e até a sua representação de tronco nu peludo eram factores que tentavam apagar toda essa história, real, de uma personagem que se veste de morcego à noite [ver comentário de José de Freitas abaixo, e, quando disponível, ao texto de introdução ao volume da Batwoman]. O que é curioso é que Morrison, se incluiu uma triste cena homofóbica em Arkham Asylum, parece querer re-integrar toda a campiness no seu run, de formas bem diversas. Em suma, a leitura de ambos os volumes fará coordenar várias estratégias e momentos de representação, mas que ganham coerência interna.
Independentemente dos seus lugares na construção social, sexual e política das personagem, estão aqui reunidos vários materiais narrativamente de qualidade - “Filho do demónio”, que havia surgido em português na colecção Graphic Novel da Abril (vejam-se as composições de página, que tentam abordagens mais edgy), é ainda hoje uma história interpelante e curiosa, e como se entende (e o prefácio sublinha) o seu impacto nas mais recentes versões cinematográficas é claríssimo. Já em termos visuais, com a excepção de Neal Adams com Giordano, as prestações são algo chãs, mas as cores digitais contemporâneas nos trabalhos mais antigos, com as suas opções cromáticas, de ênfases, não só apaga algumas das tramas e charme do original, como o empastela. O mesmo poderia ser dito em relação a The Killing Joke/A piada mortal, que ainda hoje nos parece ser um incontornável, se cínico e horrendo mergulho na psique do Joker, de Moore e Bolland (já antes publicado pela Devir). Mas aqui as opções novas são feitas pelo próprio Bolland, para uma edição comemorativa, e portanto caberá a cada leitor a “escolha” da abordagem preferida (tudo isto está explicado nos prefácios). Este é, talvez, o melhor dos títulos, digamos o mais “sobrevivente”, de toda a colecção, ainda que muitas das opções de Moore na sua construção tenham sido entretanto ou mal exploradas ou apagadas (como o caso da protagonista feminina Barbara Gordon que no New 52 voltou a andar; não muito diferente do que sucedera a Batman/Wayne depois de Knightfall). Uma vez que já havíamos escrito sobre Joker, não nos estenderemos, e tratando-se de uma excelente adição ao “cânone” em português, perguntamo-nos se consegue ombrear, a longo prazo, a importância do primeiro título. O seu impacto é interessante, mas no cômputo geral, talvez possa ser diluído por outros projectos. Ambos, porém, são aquilo que se poderia chamar de formato “Prestige” (melhor miolo e cores do livro, melhores capas, um projecto mais coerente e “fechado” das parte dos autores envolvidos, melhores valores de produção, enfim), logo as afinidades construtivas (e aquilo que Azzarello pode ser devedor a Moore) são várias.
É óbvio que cada volume, a seu modo, teria facetas e dimensões a serem analisadas com cuidado, desde a estrutura de cristal cambiante que a Crise obriga para navegar entre tantos desenvolvimentos (e eleger a figura de Pária como ponto nevrálgico dessa navegação) e a maior concentração num grupo menor de personagens nos volumes do Super-Homem, a oscilação entre a escalas cósmicas (Crise, Terra Dois) e a escala urbana (O último a rir), assim como a multiplicação de trabalhos de desenho, artes-finais, cores, composição, etc., que aqui se apresentam. No entanto, isso não apenas nos obrigaria a um texto mais alongado (que sabemos não ser inédito, é verdade, neste espaço), como apenas se justificaria numa fase mais tardia, na conclusão de toda a série de volumes. Não faremos close readings, portanto. O mais importante é sublinhar que estarão aqui alguns gestos merecedores de atenção na economia deste género em particular. Outra questão tem a ver com a definição destas mesmas personagens. Se já falámos do arco “realista” do Arqueiro Verde e do Lanterna Verde, o volume dedicado à Mulher-Maravilha, Quem é a Mulher-Maravilha?, também levanta questões da sua reinvenção, até permanente. Todas estas personagens sofrem reinvenções ou desvios, necessários para o ritmo de transformação e empolgamento regular das séries, mas se existem momentos altos - o Super-Homem pós-Crise de Byrne, as personagens com O’Neil, etc. -, há outros momentos mais banais. A Wonder Woman é esse caso, por exemplo. A sua definição, como escreve Filipe Faria, é uma “situação complicada” com tantas reescritas e refundações, mas o resultado nestas histórias presentes no volume é algo convencional (e longe até do trabalho de George Pérez, que também trabalhou sobre ela, mas aqui sabe a pouco). Se toda a dimensão da emancipação das figuras feministas da sua hiper-sexualização (e consequente subordinação) é uma constante neste género, esta personagem havia surgido na tentativa de curvar essa distribuição de papéis (a indicação de uma "culpa" na reinvenção da personagem por parte da segunda vaga do feminismo parece-nos algo desinformado), e o trabalho de Heinberg e Dodson é coberto por cenas de "fan service" fetichismos algo primários.
Mas a maior contribuição para essa definição de género e, ao mesmo tempo, de gestão das marcas registadas ou propriedades intelectuais das empresas está em Crise nas terras infinitas.
Os pormenores de produção, segredos de criação, contextualização histórica e impacto desta série estão perfeitamente patentes nos textos de Filipe Faria e de José Freitas nos dois volumes. E a sinopse ou narrativa tem de ser lida para ser compreendida, já que qualquer tentativa de resumo sairia gorada. Ao mesmo tempo é necessário temperar o entusiasmo, uma vez que este título (ao contrário de Joker ou Saga de Ra’s Al Gul, por exemplo, que podem ser lidos individualmente como histórias autónomas e devedoras de outros géneros, sobretudo o do crime e espionagem) será algo “opaco” na ignorância das sua história interna. Os “outsiders” ficarão totalmente perdidos. O que importa reter é a “racionalização” (palavra de um dos prefaciadores [ver na caixa de comentários o de José de Freitas]) pretendida pela companhia DC nesta reestruturação do seu universo diegético e personagens, mas que acabaria por se tornar em mais um mecanismo de criação de “eventos” movidos tão-somente pela necessidade comercial. Depois desta “crise”, seguir-se-iam, em avalanches regulares - “e nunca mais nada será como antes!”, hiperbolizava-se; mas se tudo se transforma sempre radicalmente e várias vezes, que fazer com as ondas de impacto sucessivas, elas diluem-se… -, Zero Hour, Identity Crisis, Infinite Crisis, Final Crisis… Se bem que esta última, projecto estrambótico de Morrison et al, tenha qualidades de densidade que o tornam um dos mais interessantes exercícios de meta-linguagem e cristalização do género dos mais recentes anos: parece ser um shot condensado de tudo num pequeno número de páginas (quem sabe, poderá vir a ser publicado entre nós?). E que pode ser visto como uma recalibração e re-electrificação da possibilidade dos multiversos, tema central deste arco narrativo. New 52 encaixar-se-á nessa economia?
Se em termos comparativos o número de personagens criados no universo Marvel e no da DC é idêntica e aterradoramente imenso, estamos em crer que no primeiro caso a sua popularidade, mesmo fora dos circuitos mais confinados dos leitores, é maior (quiçá pela história da adaptação a outros meios, a um certo rejuvenescimento do género a partir dos anos 1960, de uma forma muito específica de comunicar e aproximar os leitores, etc.). As colecções da Levoir parecem espelhar isso. Os quinze volumes da Marvel contavam com 7 títulos para personagens individuais (o Homem-Aranha repete-se), 5 para grupos (sendo dois deles dos X-Men e o outro do Quarteto Fantástico, que deveriam contar de forma diversa) e dois que os envolve a todos - não sendo um “reboot”, Guerras secretas é um projecto equivalente a Crise. Já os da DC contam com vinte volumes, com três dedicados à Liga da Justiça (um colectivo cambiante), dois ao Universo na sua totalidade (Crise), três ao Super-Homem e outros três ao Batman, dois a ambas as personagens (se bem que o último se centre noutra personagem), ainda um volume com duas outras personagens (os “Verdes”), e finalmente seis volumes dedicados a seis personagens individuais, sendo uma delas um vilão (Joker, regressando portanto a Batman), outra uma variação de um personagem principal (Batwoman, e estamos em crer que seja um excelente volume), e mais quatro super-heróis (Mulher-Maravilha, Flash, Arqueiro Verde e Lanterna Verde). Discutivelmente, Wolverine, o Homem-Aranha, o Thor, o Hulk, serão mais famosos que aqueles últimos. Daí que haja, apesar de mais volumes, uma clara concentração das duas personagens mais famosas, mais antigas e mais icónicas da companhia: Batman e Super-Homem.
Nota final: agradecimentos à Levoir e ao jornal Público pela oferta de alguns dos volumes da colecção.
Estou particularmente agradado com esta coleção da Levoir. Contém titulos que considero bastante relavantes, senão sempre do ponto de vista qualitatitivo, pelo menos do emocional.
ResponderEliminarFicaria bastante mais contente se tivessem escolhido Pérez para o volume da Mulher-Maravilha, mas isso é um pequeníssimo senão num conjunto de outro modo bastante positivo.
Apreciei bastante a sua refelexão, em especial a relativa aos "prazeres inerentes ao seguimento das revistas mensais, e ainda para mais ao tipo de construção retroactiva e paulatina". Concordo em absoluto!
Gostava de corrigir (mil desculpas:-) o que está por ti escrito relativamente ao filho de Batman e Talia e a sua ausência na história "Son of the demon". Na verdade, o bebé Damian é revelado nas últimas vinhetas numa cena que decorre num orfanato e em que é visto a ser entregue por uma enfermeira a um casal que o adoptaria. Sendo a história de 1987, salvo continuidade retroactiva por mim desconhecida, a recuperação deste filho retomada em 2006 por Morrisson será para mim um dos maiores mistérios relativos à indústria dos comics americanos que se permitiu ignorar este enorme "busto de napoleão" (conheces a anedota?) durante quase 20 anos. Ao ler este artigo, o mistério adensa-se pelo facto ser também ignorado pelo autor do blogue, quando o grau de minúcia e elaboração de todos os artigos que já li ambicionam com propriedade a excelência (os meus parabéns e agradecimentos, mais uma vez).
ResponderEliminarBrincadeiras à parte, se na infância as revistas "Aventuras do Homem-Aranha" da "Agência Portuguesa de Revistas" foi fundamental para me prender para sempre à BD e particularmente aos Comics, foi com o Superaventuras Marvel da Abril em formatinho que já na adolescência se deu a "epifania". E é curioso que refiras em particular essa história narrada na primeira pessoa pelo Urich, na qual eu destaco o momento que me agarrou à dupla Miller/Janson na arte: Heather Glenn vendo o "Demolidor" a levar uma surra olímpica do Hulk deixa escapar o primeiro nome do herói, "Matt", perante o olhar e ouvidos atentos do jornalista Ben Urich.
Partilho também a mesma opinião relativamente à versatilidade e proximidade dos heróis Marvel aos seus leitores. Um começo no olho do furacão com heróis de proximidade a conviverem num "mundo real novaiorquino" é uma grande ajuda na batalha contra um extraterrestre todo-poderoso e um soturno morcego de boas famílias.
É uma opinião, mas a dupla verde, mesmo tentando colocar-me no momento em que as histórias foram concebidas, não me parece tão longe do camp dos anos 60, no seu permanente duelo de overacting no combate sortido às questões fracturantes, vulgo os "problems".
Para mim, o highlight desta colecção, pelo equilíbrio entre o vanguardismo e sobriedade na abordagem ao tema, mais ainda numa personagem feminina, é sem dúvida a arte do J H Williams II com a Batwoman. Pena é que a qualidade do papel desta colecção recomende paralelamente a compra do TPB orignal.
Obrigado e um abraço.
Caro Sam,
ResponderEliminarLonge de mim dizer que uma colecção é "má" ou "boa"; desde que haja clientes, tanto melhor. Mas de facto podemos compreender se se contribui de alguma maneira para uma oferta relevante no interior do nosso mundo. A meu ver, já que existe uma ausência de uma maior concertação deste género em Portugal, estas colecções são importantes, se bem que também eu preferiria outras inclusões, etc., mas seguramente que existem demasiados factores envolvidos, e os editores são muito equilibrados. Na verdade, a fase que mais gosto da Mulher-Maravilha é a original (vejam-se os caríssimos Archives DC) e algumas coisas do Pérez, mas muito esquecidas na minha cabeça. O resto, confesso, tenho dificuldade em acompanhar ("The Hiketeia" não é mau de todo, mas...). Se houver conselhos, agradeço.
Caro José Sá,
ResponderEliminarTem toda a razão, é o que dá escrever por atacado sobre 1001 temas ao mesmo tempo! Já coloquei uma nota que remete a estes comentários. É também o dá a memória da leitura da "Graphic Novel" original e os problemas da continuidade, que o José indica: inventa-se algo que pode ser portentoso na vida de uma personagem e fica esquecido na próxima página. O mesmo em relação a mortes, claro. Não há que pedir desculpas nenhumas e eu é que agradeço que me apontem os erros ou incompreensões, de forma a melhorar.
É muito curioso o que diz dos Verdes, e isso levaria a uma grande discussão. Quando existia banda desenhada desde os anos 1940 que discutiam a integração racial de um modo ora meio-velado ora abertamente, obras semi-autobiográficas que desmontavam o tecido social norte-americano, depois anos anos 1960 e 1970 os underground comix que abertamente contestavam a cultura vigente, não deixa der algo pateta que se elogie a "maturidade política" de um género que nunca a manteve, apesar de alguns gestos esporádicos, mas, como tão bem diz, subsumidos a um melodrama que até poderia anular os efeitos pretendidos. Isso dava outro post (e há, claro está, estudos sérios sobre esses gestos).
O Superaventuras Marvel foi fundamental, mas aos 10 anos é óbvio que não olhava com atenção para os nomes dos artistas, isso viria mais tarde; tal como acreditava que o Walt Disney desenhava tudo nas revistas "dele", os super-heróis partiam de um mundo todo feito, sem mediações. E é essa mesma pequena saga, com o Matt Murdock todo enfaixado no hospital e a Viúva Negra a consolá-lo.
E, sim, o volume da Batwoman corresponde ao "Elegy" do Rucka e do Williams, logo, será um ponto alto.
Obrigado,
Pedro Moura
Olá Pedro, muito obrigado por uma interessante e equilibrada recensão da colecção (como um todo). Como dizes, os factores que "limitaram" as escolhas eram muitos, e as pessoas ou entidades envolvidas também, o que faz com que uma colecção destas seja sempre "possível" e não "ideal". Confesso que no me toca (e ao João Miguel Lameiras, Filipe Faria e outros envolvidos, suponho) esta colecção foi muito mais interessante (mas difícil) de pensar do que a da Marvel do ano passado, até porque trabalhámos completamente de raiz, enquanto a da Marvel foi inicialmente construida em cima duma colecção semelhante de Espanha, e só os últimos 10 volumes foram escolhidos por nós. Mas esta colecção parece-me que é importante no panorama (limitado, se calhar!) da BD de super-heróis, porque em Portugal nunca tinha sido feito um esforço editorial com vista a dar a conhecer o universo DC, muito menos conhecido do que o da Marvel. Os 15 volumes da Marvel que referes acabaram por se transformar em +10, fruto da grande popularidade da série, e permitiu-nos editar alguns títulos históricos, como o Wolverien Arma X do Barry Windsor-Smith, ou o demolidor: Renascido do Miller e Mazzuchelli, bem como títulos )que eu considero) muito interessantes dentro das histórias modernas, como o Guerra Civil ou o Dinastia de M.
ResponderEliminarO problema da hiper-heterosexualidade do Batman acabei por o abordar mais em profundidade no editorial dedicado à Batwoman, já que ela surgiu para contrariar os rumores duma suposta ligação homosexual entre o Batman e o Robin, apenas para ressurgir 5 décadas mais tarde como heroina lésbica, qual vingança do fandom e dos comics sobre o Werttham.
Uma última precisão: dos dois textos introdutórios à Crise nas Terras Infinitas, o primeiro é meu, e o segundo do Filipe faria. Regra geral, sempre que uma história se dividiu por dois volumes (Super-Homem: Pelo Amanhã, Crise nas Terras Infinitas, Crise de Identidade) a opção foi por dividir os editoriais por duas pessoas.
Olá, José,
ResponderEliminarEm primeiro lugar, as minhas desculpas pelas imprecisões. Ao ir abrindo todos os volumes para colher as informações, julguei mal ao apontar o nome do Filipe Faria nos dois volumes. Aliás, como se compreende, seria difícil esticar o meu paleio do costume por cada volume, pois seria má-vontade para com o pouco e paciente público.
Quanto à questão da sexualidade destas personagens, sobretudo da do Batman, haveria muito que dizer, e não estou de forma alguma a criticar os vossos textos introdutórios, que penso estarem em óptimas mãos, num encontro feliz de defesa do género no nosso círculo, com dimensões muito interessantes a pensar. Falo mais da integração mais alargada do personagem, e esperarei pelo volume da Batwoman por essa outra achega.
Quanto à edição da colecção, é claro que tenho em conta todas as circunstâncias (sobretudo a história de uma ausência mais contínua do género em língua portuguesa), e por isso mesmo acho que este é um esforço recompensado pelo equilíbrio interno e, espero, pela atenção e compra do público. Todos nós temos escolhas pessoais, mas essa seria uma péssima política editorial. Fica só o desejo que, quem sabe, haja alguma continuidade, material de outras editoras, outros títulos, etc.
Obrigado e desejo a continuação de um bom trabalho, e sucesso.
Pedro