23 de dezembro de 2013
Océano. Anouck Boisrobert e Louis Rigaud (Héllum)
Nesta próxima semana, deixaremos alguns textos breves sobre alguns livros da esfera do “infantil”, mas que escapam quer a gravidade mais corriqueira da ideia - pelo pedagógico, o lamechas, o protector ou o instigador de papéis normativos - começando pelo último projecto desta dupla francesa, o singelo mas lindíssimo Océano.
Tratando-se de um livro pop up, logo à partida trata-se de um livro que cria dimensões materiais extraordinárias em relação à maioria dos livros. Se este mesmo conceito, “livro”, deve ser cada vez mais revisto, por um lado face à consideração da história de todo o material impresso ou legível (os chapbooks e as harlequinadas, os teatrinhos de papel e as folhas volantes) e por outro face ao avanço dos ditos “livros electrónicos”, de forma alguma se deve temer pelo seu fim, mas antes uma sua transformação conceptual. Todavia, isso não pode servir igualmente de um simples abandono por formas tradicionais de contar histórias, de mostrar imagens, ou de “dar a mão” ao público, como querem por vezes os cultores acríticos de qualquer novo desenvolvimento tecnológico. Um texto publicado pela equipa da Planeta Tangerina diz isso mesmo, opondo uma certa pirotecnia inconsequente do digital e a ainda tão aberta potencialidade sugestiva do livro “parado”. Escrevem: “Muitas vezes não dá pistas: mostra”, precisamente impedindo que se faça um caminho só seu, mas se percorra somente as linhas já delineadas e apertadas.
Sem querer menosprezar o digital como um conjunto - pois, como tudo, haverá uma percentagem significativa de obras menos conseguidas, desinteressantes, derivativas, aborrecidas mesmo no centro da sua tempestiva actividade, mas também um conjunto maravilhoso de gestos novos, que abrem mundos, que estimulam novas formas de reagir, ver, considerar e até pensar -, concordamos totalmente com a ideia de que qualquer obra de arte é interactiva, mesmo na ausência de feixes infravermelhos, botões e alavancas… E um livro pop up é desde logo um toque ou um passo a mais nessa resposta activa do próprio livro em relação à aproximação física do leitor. Basta que este ou esta o abra, afastando as páginas, para que se desabrochem as estruturas do interior. E por mais simples que Océano seja em termos de narrativa, são as redes dos seus mecanismos e a obrigação física do “mergulho” (já lá iremos) que o torna um gesto consequente e até maravilhoso.
A propósito de Popville, dos mesmos autores, havíamos debatido alguns pontos, aos quais remetemos os leitores. A história do pop up, ou dos livros “mãocânicos”, constrói uma complexa rede de referências que nem sempre está somente associada ao livro infantil. Bem pelo contrário, as volvelles e os papeis que se desdobram, até mesmo a exploração de texturas e efeitos da impressão nasceram nas páginas de compêndios e obras científicas. O entrosamento entre os mecanismos de papel e a narrativa proposta, quando esta existe, é também muito variada. No caso de Océano, não estamos perante uma simples cronologia de um mesmo espaço, que implica uma leitura “horizontal”, com o livro disposto sobre um tampo, e depois o seu crescimento sequencial. Tratando-se de um périplo marítimo, o barco aponta sempre da esquerda para a direita, para atravessar as cinco paisagens, muito diferentes entre si, e também colocadas em momentos diferentes, condições meteorológicas distintas, de maneira a criar a diversidade necessária da navegação. O livro, portanto, parece-nos dever ser lido na vertical, com os olhos sobre a superfície construída pelo mar de papel. Esta superfície divide um espaço “superior” e “inferior”, sendo esta o fundo do mar, e que dá continuidade à paisagem visitada, mas também a um entendimento da vida que aí tem lugar, e poderia ser inimaginável para os seres que apenas ficam por cima. E a leitura dos textos (que pela sua maravilhosa eufonia parecem ser versos livres) está dividida em dois blocos: um “acima” do mar e outro “sob” o mar, que convida ainda mais a esse “mergulho” sob as águas. Nalguns casos as acções são continuadas pelas personagens, como o mergulho do batíscafo, em apneia ou com botijas… Mas na esmagadora maioria dos casos, o propósito do mergulho é poder vislumbrar o incrível espectáculo da vida subaquática, desde as imensas baleias azuis à pesca por arrasto, dos glaciares por onde nadam narvais e ursos polares aos corais pejados de um arco-íris de vida animal e vegetal. E para ver todos os pormenores, há que rodar o livro de um lado para o outro, incliná-lo, aproximar a vista, vasculhar todos os seus recantos por mais ocultos que pareçam, havendo sempre uma qualquer revelação surpreendente.
Poderá parecer uma actividade de antanho, esta de navegar, mas a verdade é que há mais pessoas a navegar por recriação hoje do que em qualquer outro momento, e não são necessariamente ricaços em iates (é preciso investimento, coragem e tempo, sem dúvida, mas não é algo caricaturalmente capitalista). Se vemos um pai-capitão e os grumetes filho e filha, não há uma particular atenção pormenorizada para as suas pessoas, quer textual quer visualmente (uma abordagem muito estilizada, simplificada e de cores básicas em aplats expressivos, recordando alguns nomes clássicos como Alain Grée ou a série Daniel et Valérie, nostalgicamente amada pelos franceses) todos eles partilhando das actividades necessárias à manutenção e navegação do barco (estando sempre de perfil, não se percebe se é um catamarã ou um veleiro, mas experts saberão identificar pelo casco, vela ou outros elementos). Mas essa é uma estratégia dos autores, também presente nos projectos anteriores: uma certa miniaturização do mundo, para que melhor sirva de brinquedo imaginativo, a ser preenchido pelos leitores nas suas próprias viagens e, quem sabe, estimular a que se procure o início de uma aventura maior.
Caro Pedro,
ResponderEliminarÉ só para te desejar um feliz natal e prá tua família e para todos os leitores do blogue.
Obrigado por todas as prendas que foste deixando aqui ao longo do ano.
Abraços e estima :-)
José
Pouco aconselhado como aperitivo ou digestivo, mas... Boas festas!
ResponderEliminarObrigado e abraços,
Pedro
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