Fará amanhã um ano desde que o ataque levado pelos irmãos
Kouachi (que os Profeta lhes cuspa nas tumbas) mataram os artistas Charb, Honoré, Tignous, Cabu, e Wolinski, os membros da
redacção Elsa Cayat, Bernard Maris, Mustapha Ourrad e Michel Renaud, o
guarda-costas Franck Bronsolato, o segurança Frédéric Boisseau e o agente da
polícia Ahmer Merabet. Com vista a assinalar essa data, mas de forma
alguma desejando cair na tentação da homenagem emocional, ou em questiúnculas
irresolúveis como a compatibilidade do regime democrático e os princípios
inerentes à Revolução Francesa com quaisquer dogmas religiosos, as contradições
de um discurso que compactua com categorias facilitistas e maniqueístas de um
“eu” e um “eles”, ou sobre os “limites” e o papel do humor, da sátira e, até
mesmo, da brejeirice ordinária, preferimos tão-somente olhar para a produção
efectiva de toda a família associável a esse título. (Mais)
Uma primeira frente prende-se com o trabalho efectuado em
colaboração com a Bedeteca da Amadora, abrindo amanhã uma exposição documental,
simples, de toda uma série de elementos afectos a esse universo: “Estúpidos,
maldosos e semanais. Uma constelação em torno do Charlie Hebdo”. Em
Setembro de 1960, o escritor François Cavanna e um louco veterano da Guerra da
Indochina, George Bernier, que viria a ser conhecido por Professeur Choron,
aproveitando o fim da sua colaboração com uma revista satírica intitulada Zéro,
resolvem abrir um projecto editorial, Les Éditions du Square, com uma revista
mensal profusamente ilustrada e dedicada a um humor rés-do-chão e
vê-se-te-avias: a Hara-Kiri. É este projecto que, com voltas e
reviravoltas com a censura francesa (disfarçada sob a capa da famosa lei de 16
de Julho de 1949 sobre as publicações endereçadas à juventude, lei 49.956; veja-se o
artigo de Christophe Chavdia, precisamente dedicado às relações da censura com a
Hara-Kiri, no livro colectivo On tue à chaque page!),
daria origem à Charlie Hebdo em 1970. A mudança de periodicidade,
formatos e títulos é por demais confusa, importando apontar que em Fevereiro de
1969, a mesma casa publicaria a revista de banda desenhada Charlie Mensuel,
aproveitando o modelo da italiana Linus, agregando tiras
norte-americanas clássicas, a nova banda desenhada italiana (Crepax e Buzelli
na linha frente), e autores maduros franceses que começavam a namorar as raias
do erótico (nostálgicos da Paulette saberão a que diz isto respeito).
Daí que a exposição, de uma forma muito simples, pretenda dar a ver algumas
imagens e publicações que constroem esta história alargada em rede. Partindo de
alguns dos títulos da imprensa ilustrada e satírica francesa do século XIX (La Silhouette, Le Charivari,
La Caricature, Gil Blas e nas quais os nomes de
Philipon e Daumier presidem) e
passando por algumas das influências que alimentariam o caudal de Choron e
Cavanna (de L'Assiette au beurre à russa Krokodyl, da Punch
à Mad), e atentos a toda a constelação de referências, cúmplices e
títulos que trilham o mesmo caminho, espraiar-se-á por muitos objectos
documentais (reproduções e publicações).
A banda desenhada não é de forma alguma uma excrescência dos
projectos destes autores, já que as Éditions du Square publicaram, para além
daquela revista, o fanzine Surprise, o jornal semanal de banda desenhada
B.D., l'hebdo de la B.D., a colecção de desenhos dedicados a uma só
personalidade Mords-y l'oeil, assim como uma série de livros. Alistar os
nomes afectos a essas publicações seria quase fazer um retrato completo da
geração dos anos 1970 e 1980 e não apenas franceses, já que contariam com
autores italianos, espanhóis, alemães, holandeses, norte-americanos e outros. E
alguns deles “clássicos” do que seria visto como uma “vanguarda” mais tarde,
como Lycaons, de Alex Barbier, um
autor improvável no meio de muita “caca-pipi” e “mamas e pilas” do seu
catálogo… (apesar de Barbier ser um cultor exímio, ainda que desviante, de
“mamas e pilas”).
Esta constelação, esperamos, mostrará um pouco o papel do
humor, da sátira, da ilustração, na imprensa francesa de cariz social e
político. Que cria criar manguitos e línguas de fora, mais do que “propor
alternativas”, como pedincham aqueles que se encontram nos poleiros do poder, e
acham que essa frase é alguma defesa válida. E depois o intervalo virulento e
mordaz desta malta em particular. Como dizia o Professor Choron, numa entrevista
de 1979, “Não há senão uma única forma de humor, que é aquela que faz rir. E eu
acho que a Hara-Kiri faz rir. Não
temos tabus. Fazemos rir com seja o que for: fazemos rir com os mortos, fazemos
rir com os cancerosos, fazemos rir com os antigos combatentes, fazemos rir com
rabos e pilinhas, seja o que for. Desde que faça rir...”
Ao mesmo tempo, será complementada por um
levantamento/exposição-dentro-da-exposição por Osvaldo Macedo de Sousa que
questiona “Cartoonismo, uma profissão de risco?”. Ao olharmos para artistas
como o sírio Ali Ferzat, a quem quebraram as mãos, ou a iraniana Atena
Farghadani, condenada a 12 anos de prisão, ou o chinês Jiang Yefei, extraditado
da Tailândia para a China em 2015 e desde então “desaparecido”, ou o malaio
Zulkiflee Anwar Alhaque, condenado por “traição” a 43 anos de prisão – e todos
eles por terem desenhado uma caricatura, um cartoon, um gag - , é
importante notarmos que “eles” naqueles “lá” também lutam pela liberdade de
expressão e, por vezes, perdem, e merecem por isso ser recordados e conhecidos
pelo nome e a obra. Je suis todos eles, afinal de contas.
Ainda afecta a essa mostra, haverá uma pequena conversa
informal com três artistas portugueses que, de uma maneira aproximada, exercem
o mesmo tipo de trabalho (o cartoon editorial, satírico, de cariz
político-social) na nossa praça: António Jorge Gonçalves, Nuno Saraiva e Rui
Pimentel. O Professor Choron havia dito, a propósito das origens do Hara-Kiri,
que fazia falta “um jornal malandro até à raiz dos cabelos!”. Que malandrices
existem por cá? Como as levar a cabo?
Com vista a esse trabalho, mas movidos por outras
preocupações, que havíamos explicado ainda a quente depois dos ataques em Paris de Novembro de 2015, vogámos igualmente por alguns dos volumes que têm surgido,
espoletados ou não pelos eventos de Janeiro de 2015. Não iremos ser, de forma
alguma, organizados ou objectivos – no sentido de analistas – destes volumes,
até por três deles serem abertamente polémicos, e não nutrirmos qualquer
simpatia (desnecessária?, sem sentido?) por um deles.
Em primeiro lugar, importa repescar a obra de Stéphane
Mazurier, de 2009, fruto do seu trabalho académico e monumental história
cultural da “primeira vida” do Charlie Hebdo: Bête, Méchant et Hebdomadaire (do
magnífico selo editorial Les Cahiers Dessinées, da Buchet-Chastel), da qual
surripiámos, sem desculpa, o título da exposição. O autor concentra-se na vida
da publicação fundada e conduzida por Choron e Cavanna, isto é, desde a Hara-Kiri
à Charlie Hebdo de 1970 a 1982, ano em que são publicados somente
dois números especiais do jornal, antes do seu término absoluto. A publicação
que o público conhece hoje dos ataques foi fruto de uma refundação em 1992, com
alguns membros da redacção de um outro projecto, La Grosse Bertha, e
antigos colaboradores do Charlie, inclusive o próprio Cavanna (mas não
Choron).
Mazurier cria uma história factual, utilizando toda a espécie
de documentos – e incluindo muitas fotografias de Arnaud Baumann, autor
ele-mesmo, com Xavier Lambours, de um imenso livro também saído em 2015, pejado
de fotografias desta chusma de loucos, e as suas reuniões de fecho de jornal,
regadas a bebida, tabaco, suor e sexo: Dans le ventre d'Hara Kiri. O
autor apresenta uma história relativamente desapaixonada, ainda que se note o
profundo reconhecimento e admiração por todas as personalidades que por ali
passaram: não se negam as diferenças de estratégia e pensamento entre os seus
fundadores, ao ponto de se falar de um “método Cavanna” e um “método Choron”,
podendo, de modo muito genérico, dizer que se este segundo estava mais
interessado numa abordagem brejeira, em torno de piadas escatológicas e
sexuais, era Cavanna aquele mais interessado em meter o dedo na ferida social
da França tardo-gaullista, e que tantos problemas iria criar. Para além de uma
história cronológica, Mazurier estuda também as várias facetas da publicação,
tentando compreender o contexto editorial, político e social do seu tempo,
desde o esquerdismo, o Gaullisme, a magistratura de Giscard, o Maio de 1968, as
relações do jornal com outros títulos, compreender o papel do desenho e do cartoon
enquanto instrumento sério de pensamento, e temas tais como a mulher, o sexo, a
cultura de massas e a intelectual, o cinema e a televisão, a polícia e a
religião, e mesmo tentar compreender que tipo de leitor ou leitores eram os
destes projectos.
Com quase 500 páginas de factos e dados duros, é difícil criar
uma súmula satisfatória deste trabalho. Fica a surpresa de que alguns autores
das imagens, então vivos, não autorizaram o autor a que eles a reproduzisse, o
que leva a que muitas das páginas e capas mostradas da publicação esteja
pontilhada por vinhetas e tarjas pretas, quase como uma promessa fúnebre...
“Nenhuma descriminação é mais ou menos grave do que outra.” É Charb quem o diz, já no fim da sua Lettre aux
escrocs de l'islamophobie qui font le jeu des racistes (Les Échappés). Este
pequeno opúsculo é uma espécie de diatribe e confissão, afecta ao trabalho que
o próprio Charb desenvolvia na Charlie Hebdo mas de toda a redacção. A
questão da representação deste ou daquele grupo étnico particular nunca é “a
mesma coisa”, naturalmente, devido ao facto de que os papéis de quem fala e
desenha e quem é falado e desenhado depende muito de contextos sociais e económicos,
processos históricos, e é algo idiota pensar que todos têm acesso aos mesmos
mecanismos de defesa. Dito isto, Charb pretende desmascarar muitos daqueles que
pretendem que existe algum tipo de excepcionalismo com a realidade islâmica que
a tornasse “mais delicada” do que outra qualquer, e defende o direito de atacar
princípios, instituições e essas tais realidades, uma vez que não se está a
falar necessariamente em termos individuais e das liberdades pessoais (a menos
que haja um “alvo” específico, personalidades públicas, etc.). Em tom polémico,
como é óbvio, explosivo, por vezes, mas tecendo a sua argumentação em torno de
factos reais da sua experiência de jornalista e observador da situação
político-social francesa das últimas décadas, este texto de Charb é um das
provas da perda que a sua morte significa para este gigantesco diálogo. E uma
outra conclusão: “Em suma, o problema não está nem no Corão nem na Bíblia,
romances soporíferos, incoerentes e mal escritos, mas no fiel que que lê o
Corão ou a Bíblia como se fosse um manual de montagem de uma estante do Ikea”.
O livro de Philippe Val, C'etait Charlie (Grasset), é
difícil de ler por, temos de confessar, termos desde logo à partida uma
antipatia para com a figura e o seu discurso meloso em torno da publicação, dos
seus autores, da sua história e da sua herança, que Val pretende, de certa
forma, assaltar em nome próprio. Até certo ponto, esse é um direito que se lhe
assiste. Recordemo-nos de que a primeira vida da Hara-Kiri/Charlie
Hebdo terminaria, após uma atribulada vida sob actos de censura política
(disfarçados de protecção da juventude), em 1981 (ainda que em 1982 saíssem
dois números especiais). Em 1991, na penúria da paisagem mediática francesa
face à imprensa satírica ilustrada, e no rescaldo da Guerra do Golfo, vários
autores juntam-se em torno de Cabu, o especialista do desenho de imprensa
François Forcadell (autor do excelente blog iconovox
[http://www.iconovox.com/blog/]) e o editor Jean-Cyrille Godefroy para criarem
o jornal La Grosse Bertha, onde participariam os veteranos Gébé (quem
lhe deu o título), Willem, Siné, Tignous, e os então novatos Vuillemin ou
Pessin. É aí que o cantor humorista Philippe Val dará os primeiros passos
associados à imprensa, e onde construirá uma carreira fulminante que, após o
término desse projecto, resolve relançar a Charlie Hebdo, com Cabu e a
benesse de Cavanna (mas não de Choron), em Julho de 1992. Val teve sempre o
interesse em que esse título fosse mais político do que “pipi-caca”, a grande
filosofia do Professeur Choron, pois interessava-se pela actividade e
actualidade políticas, e o papel que a imprensa (independentemente se satírica
e ilustrada) tinha nessa fabricação e comentário. Porém, mal a revista surgiu,
as batalhas judiciais pelos direitos afectos ao título começaram, opondo
aqueles que haviam sido companheiros de uma vida.
A Julho de 2008, dá-se o “affaire Siné”, que, sucintamente, se
trata do despedimento do artista Siné (que havia sido colaborador da primeira
Charlie, mas igualmente de outros títulos e até de projectos próprios, e “mais
papista que o papa” no que diz respeito à virulência gráfica para com o
“poder”) por alegado “antisemitismo” numa sua crónica, em que gozava com o
filho de Sarkozy na sua ascensão social, política e económica. É preciso saltar
no futuro para indicar que, estando previsto na lei francesa a criminalização
de afirmações e ou acções dessa natureza, Siné seria ilibado de todas as
acusações formais. De resto, esse acto levaria a que ele fundasse a Siné
Hebdo logo dois ou três meses após o seu despedimento, quase sumário e
imediato, por Val. Este, com efeito, seria muito rápido a despedir o artista
por essa suposta razão, e neste livro ele não expõe tanto os factos puros e
duros como defende, numa prosa fabulatória e abrilhantada de um tom tonitruante
pelos “grandes princípios da moral”, a sua posição. Aliás, todo o discurso do
livro é uma melíflua prosa em torno da amizade que ele teve com os artistas, o
modo como defendeu muitos dos intervenientes, a sua surpresa quando muitos
deles o acusaram de más práticas em termos editoriais e financeiras. Ao mesmo
tempo é uma crónica de como ele conhece meio-mundo importante de todos os
quadrantes, a forma como batalhou por “princípios” e como acha que o (seu) Charlie
Hebdo foi o “canário na mina” de toda uma série de questões. Aliás, Vala acusa
muitas vezes o “velho” Charlie de ter compactuado com muitos aspectos do
que ele considerará, não utilizando esse termo, ter sido uma “mentalidade de
esquerda”, ao passo que o “novo” Charlie era muito mais objectivo nas
polémicas escolhidas, claro.
Porém, dito pelo director que foi saneando o jornal, e
defendendo o poder de Sarkozy para poder ser convidado, logo em 2009, como
director da France Inter, existem muitos pontos dos quais desconfiar. Como
dissemos, a prosa feita menos de factos estipulados e apresentados claramente,
mas palavras que pretendem criar uma auréola de defensor de direitos alheios
torna-se cansativa ao longo destas páginas, apesar de ser um livro pequeno. No fundo, trata-se
de um defeso preventivo a quaisquer críticas que pudessem surgir de quem não
soubesse da situação complexa, e um contra-ataque àquelas que já se haviam
verificado.
Ora é aqui que o livro do repórter de investigação controverso
e duro de roer Robert Denis vem colmatar todas as frechas, nesta espécie de
relato literário intimista, carta aberta ao seu amigo pessoal Cavanna, e
panfleto polémico com várias miras na calha, mas acima de todas o próprio Val.
É possível que, sem contraditório e conhecimento em primeira mão de todos os
factos, acontecimentos, personalidades e agendas de cada uma das partes
interessadas, também Mohicans (Julliard) seja um livro faccioso, e
carregado de distorções ou contradições. Todavia, sendo um jornalista de
primeira água, mesmo neste registo mais pessoalizado, Denis expõe todos os
factos, cita documentos, procura corroborar datas, cita vários intervenientes,
criando uma imagem muito diferente daquela que poderia passar (mas nem seque se
forma) em C'était Charlie. Dá-nos, em suma, os instrumentos para
podermos perseguir uma situação fora do livro em canais oficiais, o que é
totalmente diferente do trabalho de Val. O livro desdobra-se em variadíssimas
frentes: a primeira vida da Hara-Kiri, claro, mas também a segunda vida
do Charlie. As relações entre as redacções, e as filosofias de trabalho
que as alimentavam. As danças de relações e, mais tarde, de cadeiras e
interesses, de alianças e elos formados e desfeitos. E de números, sobretudo de
ganhos financeiros, de ligações perigosas entre a advocacia e os cantos mais
obscuros da finança internacional, e de interesses políticos. Mohicans
não alimenta teorias da conspiração, é até bastante sóbrio, mas mesmo com os
seus aparentes e objectivos poucos “factos”, a rede de ligações que emerge daí
– e é fácil de comprovar através de canais oficiais – faz ver que o suposto
isolamento das esferas não passa de uma ilusão ingénua.
Para Denis, a chusma (é a palavra adequada, que os próprios
abraçariam) era “Um aglomerado de talentos. Um apanhado dos diabos. Um jornal
com guelra. Um humor libertador. Um jornal que nos torna menos estúpidos. Um
movimento jubilatório que entra em consonância com a sociedade. Em consonância
total. Mesmo nas fuças.”
Terá desaparecido? Reinvente-se. Afinal, como reza Cavanna em Les
yeus plus grands que le ventre, “Inventámos o jornalismo. E era bem
preciso.”
Nota final: agradecimentos a Osvaldo Macedo de Sousa, por ter providenciado um capítulo incrível a este projecto intempestivo, a Marcos Farrajota e o pessoal do Serviço Bedeteca da Biblioteca Municipal dos Olivais pelo empréstimo de obras, a João Alpuim Botelho, do Museu Bordalo Pinheiro, pelo apoio (e lá estaremos dia 23), a todas as pessoas que aborrecemos para conversas, dúvidas e convites, e, claro, a Cândida Silva e toda a equipa da Bedeteca da Amadora pelo trabalho incansável, mesmo em condições agrestes.
Desde o princípio que me recusei a comentar o último Charlie (de Hara-Kiri, guardo Fred), mas agora que passou um ano, pergunto: toda essa documentação aborda o racismo da publicação?
ResponderEliminarBom, a "carta" do Charb é, de certa forma, uma tentativa - agora depende da perspectiva, imagino eu - de defender aquilo que pode ser visto como "islamo-racismo", mas que o autor defende como o direito de criticar instituições (isto é, a instituição do Islão - multifacetada), seja ela qual for. Na exposição, mostro algumas páginas de absoluta abjecção contra o Papa João Paulo II imediatamente após a sua morte... O caso Siné foi muito curioso, e apenas se poderá acusá-lo de "anti-semitismo" se se tiver as vistas curtas, já que o visado era o filho do Sarkozy (que tem direito à indignação pessoal, sem dúvida), e uma crítica às políticas de Israel não são "anti-judaicas" per se (se bem que as fronteiras desta questão possa ser demasiado dúbias, sem dúvida). O livro do Val é um "lava-mãos" bem-pensante, o do Denis Robert é uma espécie de "defesa" e "carta branca". Lê-los a ambos levará a um equilíbrio? Não sei.
ResponderEliminarMas a velha questão dos estereótipos, da descontextualização não-verbal (ou para além do verbal), da re-utilização de certas imagens, está sempre envolvida nalgumas imagens, sem dúvida.
Resposta confusa. Talvez falte ainda um ensaio ou abordagem mais definitiva sobre essa questão.
Pedro
Mas é racismo, mesmo? Quando uma cambada de velhotes impertinentes e cómicos, com provas dadas de combate contra a autoridade, os poderes estabelecidos, a religião, e tutti quanti, se autorizam a mandar umas caralhadas e gozar com tudo e todos, isso passa a ser racismo? O quê? Não se pode fazer umas piadas sobre judeus, alemãos, pretos e árabes? Já me chamaram tantas vezes "tos", por ser português, "merda de ariano" por ser dinamarquês, e tenho de ficar ofendido? Deixemos a palermice do politicamente correcto e abracemos o humor o mais rápido possível. Prefiro um humorista de esquerda iconoclasta, com mau gosto e a coragem de fazer umas piadas racistas se necessário for, mas com um par de testículos (perdão se estou a ser misógino) que esta merda de esquerdistas mariquinhas pé de salsa que infestam o mundo moderno e são, objectivamente, responsáveis pela maré direitista e reaccionária que vivemos hoje em dia,
ResponderEliminarParem de arranjar desculpas e contextualizações e justificações e teorizações para o pessoal do Charlie Hébdo! Conheci pessoalmente um par deles, e posso garantir que a reacção deles seria exactamente a de vos dizer "arrêtez de déconner, espèces d'imbéciles a la noix, cons de mes deux, allez vous faire foutre!"
Olá Pedro,
ResponderEliminarParabéns por esta magnifica entrada, ainda mais pela exposição - a confirmar a tua queda para um bom trocadilho :-) - e pelo esforço e talento que dedicas à causa da BD.
De resto, como sabes, só recentemente é que encontrei este espaço singular de crítica de BD que é o teu blogue e que conto entre as minhas leituras favoritas. Assim, sempre que posso aproveito para recuperar os anos perdidos desde o início do LER BD, o que faz com que tenha bem fresco na memória o número de vezes que te pediram para não contextualizares, justificares ou teorizares acerca dos livros sobre os quais dedicaste as tuas críticas. Não me parece que tal faça de todo o sentido quando até se percebe que inclusivamente essas pessoas conhecem perfeitamente a orientação académica do teu trabalho e o objectivo deste blogue, pelo que estarão a pedir que sejas aquilo que não és e que o LER BD seja outro tipo de blogue. Peço desculpa pela intromissão de opinião, desnecessária certamente, mas parece-me que a explicação da coisa humana através da selecção natural, da repetição de acasos e da tentativa e erro já lá vai e remete-nos sempre para uma era anterior e para uma espera de milhares de anos que não entendo coadunável (arghhh!) com a contemporaneidade do pensamento (humano).
Na primeira oportunidade visito a exposição e levo companhias.
Obrigado e Aquele Abraço,
José
Olá, Josés. Obrigado pelas palavras de ambos.
ResponderEliminarNão me parece que abordar as questões de representação estereotipada, e que confirmem representações passíveis de interpretações racistas seja um mecanismo do "politicamente correcto", o qual, por sua vez, é um movimento tão necessário e válido como o feminismo ou todos os discursos que nos fizeram aprender a pensar em "modelos únicos e universais". Penso, porém, que há uma diferença entre "ser racista" e "dizer algo racista": todos nós, e eu não me excluo, teremos dito, pensado, chegado a "conclusões", tomado uma atitude, etc. que nasce de uma qualquer ignorância ou falta de sensibilidade. O que é importante é aprender com esses erros. A chusma do HK e do CH passou muitas, muitas vezes aquilo que chamo de "linha do decoro burguês", mas afinal era esse mesmo o seu território. É de bom gosto? O bom gosto que se foda, em bom português. Ofendiam? Claro que sim! Mas penso que, como diz Charb, não era para fazer o jogo dos racistas. O retrato que Charb fez da ministra Christiane Taubira como uma macaca era uma tradução visual-literal de uma expressão empregue por um órgão oficial da extrema-direita francesa (que está a ter um field day nestes últimos tempos; e se me é permitida mais uma expressão em inglês, "they're coming out of the woodwork"). Também a capa da "New Yorker" assinada por Barry Blitt (21 Julho de 2008, fui confirmar), que representava Obama como um muçulmano e a mulher como uma membro dos Panteras Negras era uma "tradução" dos "medos" da altura. Lembro-me de alguém que fez o exercício de mostrar a mesma imagem como se fosse capa de uma revista mais conservadora, republicana ou abertamente daquelas estranhas milícias que há lá para aquele burgo. A capa da "NY" era "irónica", nessoutro hipotético contexto "racista/alarmista". Dito isto, é necessário duas coisas, a meu ver: por um lado, ter em atenção o contexto, a história, o percurso do trabalho em questão, para evitar um juízo essencialista de um autor, uma publicação, etc., mas por outro, ser sensível ao facto de que a "universalidade" das imagens (uma ilusão, mas que leva a circulações perigosas) pode levar a que se magoem as pessoas que se sentem visadas. Esta última parte de nenhuma forma justifica reacções a quente, violentas e elas mesmas lesivas, atenção, simplesmente prevê que as pessoas se possam sentir ofendidas, e que não sejam automaticamente julgadas, por aqueles que NÃO se sentem ofendidos e "nem percebem", como tolas ou insensatas - e esta a parte a que o Domingos Isabelinho, sem dúvida, se estará a referir: a de que o uso de determinados estereótipos é ele mesmo suspeito, e que não pode ser defendido automaticamente com "estava só a brincar" ou "estou a usar x para combater x". Lá está, como em tudo, o diálogo é necessário, calmo e informado.
Pedro
Francamente, como disse no outro comentário, quebrei a minha regra de não comentar, e já me estou a arrepender. Por isso não digo mais nada, deixo o palco a outras pessoas: http://tinyurl.com/jfq6j3d http://www.ferris.edu/HTMLS/news/jimcrow/collect/ Neste último caso chamo especial atenção para a frase: "When satire does not work, it promotes the thing satirized."
ResponderEliminarObrigado pela resposta Pedro, com a qual concordo quase inteiramente. A mim, a minha reacção, e se calhar estou a ser injusto para com o Isabelinho neste caso específico, tem a ver com isto: quand a primeira reacção a uma análise de uma obra (porque é de isso que se trata, da "obra" impressa) é a de perguntar se ela não será racista, e depois de tudo o que se passou, às vezes parece que estamos em presença de um género específico de "síndrome de matar o mensageiro", e salta-me a tampa. E como mencionaste, algumas décadas de neurobiologia e psicologia cognitiva e de comportamento etc... explicam bem porque somos todos racistas. Na questão do Charlie Hébdo, a questão do racismo inquieta-me menos do que outras, que se calhar se punham mais prementemente (de instrumentalização, de ligações suspeitas ao sionismo, etc...). Que um bando de "soixante-huitards" cheios de idiossincrasias, habituados à muito a fazerem e a dizerem o que bem lhes apetece, com décadas de provas dadas TAMBÉM fossem à sua maneira racistas, expressando de algum modo também uma mentalidade de uma dada época... não me incomoda nada.
ResponderEliminarO que me chateou foi ver logo o primeiro comentário ser sobre ISSO. Mais nada. Peço desculpa por se calhar me ter expressado mal.
Pedro, tens uma pequena gralha no início, é Bernard Maris. Que foi também um dos grandes economistas de esquerda modernos, e autor de um excelente Manual de Antieconomia e de Lettre ouverte aux gourous de l’économie qui nous prennent pour des imbéciles. Tive o prazer de o encontrar um par de vezes e era um homem notável a muito títulos.
ResponderEliminarJá corrigi o nome mal escrito, obrigado.
ResponderEliminarIsabelinho, podes comentar à vontade, não só tens o direito de o fazer, sendo este um teu espaço também e tendo (posso dizê-lo?) entrada privilegiada sem explicar mais nada, como é pertinente colocar essa questão. Conhecendo o texto do Pilgrim (já tínhamos falado dele a propósito de outra coisa qualquer antes, penso), acho que ele é extremamente correcto e tem aplicabilidade em muitos casos, como no do "Jim Del Mónaco", que faz pouco li neste espaço. Mas penso que no caso do CH é uma questão bem mais complicada e matizada. Eu sei que o José Freitas não está a defender de forma alguma as coisas que correm menos bem no CH, mas simplesmente a apontar que em termos gerais o combate deles era precisamente contra essas posições xenófobas e os discursos racistas, se bem que, ao empregarem a mesma retórica, mesmo que desviada, poderiam estar a fazer o msmo jogo, confirmando essas noções. nada fácil de resolver essa "disputa".
E obrigado pelo link do artigo,já o solicitei.
pedro
Boas. Fui ler o texto que o Domingos Isabelinho linkou, o qual agradeço - não fazia ideia sequer que este museu existia, e gostei muito do texto, que me pareceu imbuído do maior dos bons sensos - tal como Descartes, acho que ele é uma das mais bem distribuidas faculdades do mundo, o que faz de mim um optimista. Dito isto, e como diferença em relação ao texto citado, não esqueçamos qual a direcção da seta causal. Existem caricaturas POR CAUSA do extremismo ou fanatismo religioso, e não o contrário. Um precede a outra. Faz muita diferença.
ResponderEliminarOK, então vou dizer mais qualquer coisa. É verdade que perdi o gosto pela polémica e não me apetece muito alimentar tal bicho, mas há algo muito pior que me faz remeter ao silêncio. Se comentar o racismo das caricaturas publicadas no Charlie Hebdo fico na situação muito desagradável do juíz que pergunta à vítima de violação o que trazia vestido no dia do crime. Absolutamente nada justifica o que aconteceu.
ResponderEliminarPor outro lado repare-se na frase que destaquei no excelente texto de David Pilgrim. Repito (e, ao contrário de Jeet Heer não me aproprio dela):"When satire does not work, it promotes the thing satirized." Aceito que, como dizes Pedro "[o] retrato que Charb fez da ministra Christiane Taubira como uma macaca era uma tradução visual-literal de uma expressão empregue por um órgão oficial da extrema-direita francesa". Mas esse tipo de estratégia falha sempre. É isso que explica que a extrema direita se tenha apossado das caricaturas de negros e judeus feitas por Robert Crumb (e podia também referir as caricaturas camp deste, mas essa é, ainda, uma outra história).
O problema de fundo foi muito bem colocado no texto de Jane Vauclair quando esta cita Max Weber. Trata-se de duas posições que podem extremar-se: a ética da convicção (aqui a convicção no valor absoluto da liberdade de expressão) e a ética da responsabilidade. Como não acredito que possa haver liberdade sem responsabilidade percebe-se o lado da barricada em que me encontro.
Olá, novamente,
ResponderEliminarSó depois de fazer o download do texto é que me apercebi ser um texto da Vauclair, que já havia lido num outro número da ECA e cujo livro se espera há algum tempo. Curiosamente, e sem querer estar a fazer de bandido e aproveitador, ontem na mesa-redonda na Bedeteca, tive oportunidade precisamente de citar essa ideia do Weber, que é um instrumento crítico para pensar fulcral. Porém, o próprio Weber não os apresentava como domínios exclusivos ou opostos em absoluto, e no interior da política, é a sua tensão (ou negociação, como diria o Gramsci) que faria nascer o equilíbrio. Quanto ao "funcionamento" das imagens, esse perigo sempre ocorre, mas coloco esta questão, genuína: crendo que o estereótipo-como-ironia pode falhar e fazer o mesmo jogo que o estereótipo-como-arma (no caso de Thomas Nast, Crumb, Charb, Louro, e tantos outros), devemos imputar aos artistas o mesmo tipo de responsabilidade ou mesmo "agência" do que aqueles que reaproveitam essas imagens em agendas claramente não-progressistas? É apenas aí que tenho dúvidas em criar uma descrição abrangente desses primeiros artistas como fazendo o mesmo jogo que os outros, MESMO QUE devamos - é nossa obrigação enquanto "leitores críticos" - apontar-lhes as responsabilidades e maus usos que fazem desses instrumentos visuais.
Ha, e parabéns! :)
Pedro
Obrigado, Pedro! :)
ResponderEliminarNegociação em certos casos difícil, claro. Eu tive o cuidado de dizer "podem extremar-se". Quanto a mim há duas condicionantes à liberdade de expressão: a lei e a deontologia. Mas um dos tais defensores do valor absoluto da liberdade de expressão traduziria o que escrevi acima por "a censura" e a "autocensura". E quanto a isto não há nada a fazer...
Quanto à distinção que fazes entre "estereótipo-como-ironia" e "estereótipo-como-arma", é uma distinção que se pode fazer, mas na prática pode dizer-se que quem cria a imagem irónica se põe a jeito... De certeza que a imagem vai ser instrumentalizada em sentido literal. Diria que o primeiro é irresponsável e o segundo é responsável, mas, no caso, nem sei o que é pior...
Outra coisa: a minha pergunta inicial implicava uma curiosidade genuina: como não li nenhum dos livros queria saber se os autores demonstram a insensiblidade total perante o tema que vi repetidíssimas vezes entre académicos europeus. É minha opinião, a partir de dados empíricos (e, consequentemente, de pouco valor objectivo), que a Europa tem muito a aprender com a América neste particular (inserir aqui, como prova, mais uma das n diatribes politicamente correctas, do ponto de vista Europeu, contra o politicamente correcto dos malucos dos americanos)...
"Quanto a mim há duas condicionantes à liberdade de expressão: a lei e a deontologia."
ResponderEliminarHmmm. Tal como a lei pode ter de considerar interpretações ou justificações "morais" nas suas decisões (a não ser que sejamos completamente positivistas na nossa filosofia da lei), também deve ser o indivíduo em última instância a usar de justificações/interpretações para se impôr os limites da sua liberdade. Se usamos a lei como um limite à liberdade de expressão, estamos a entrar no domínio da discussão de "leis justas/injustas" e do direito a desafiar a lei. Em muitos casos, a lei proibiria revelações como as da Wikileaks, por exemplo.
"Mas um dos tais defensores do valor absoluto da liberdade de expressão traduziria o que escrevi acima por "a censura" e a "autocensura". E quanto a isto não há nada a fazer...!"
Isso. Não porque ache que seja "absoluto", mas porque as circunstâncias em geral são de modo a justificar a interpretação de que "devíamos agir como se esse valor fosse absoluto", até pela instrumentalização que fazem os defensores de que ele não é absoluto (na maioria dos casos as desvantagens dessa instrumentalização pesam mais que as de tratar o valor "como se fosse absoluto"). Foi tendencialmente assim ao longo da história, parece-me a mim que os tempos mais recentes militam a favor desta interpretação.
Choca-me mais ver os Sarkozys e os Hollandes e os Netanyaus virem chorar para as tumbas dos CHs (e o aproveitamento político que se faz de modo a empurrar a nossa sociedade numa dada direcção), do que qualquer dos riscos associados a considerar o valor da liberdade de expressão como absoluto.
Em última análise, e penso que todos concordarão, o que se procura nesta discussão (alargada, não apenas a deste espaço e os seus intervenientes) não é tanto identificar essências ou culpabilidades, mas entender em que medida é que as responsabilidades nos discursos representativos são distribuídas. O livro do Mazurier não fala directamente de representações, mas sendo uma história cultural da publicação, aborda em dúvida o contexto sócio-político em que essas imagens surgiam (se bem que ele não aborde a "segunda vida" do CH). Quanto à carta do Charb, sendo ele o autor de muitas das imagens que causaram maior celeuma, responde a certas acusações, digamos assim, mas lá está, cai provavelmente na falácia da intenção, escapando-lhe a ideia de responsabilidade e da integridade que essas imagens mantêm, mesmo fora dessa intenção. Não sei se é "irresponsável" a melhor palavra, já que seguramente saberia o que essa abordagem significava. Tratar-se-á de um desejo de recuperar a força dessa imagem para a derrotar por dentro, o que sempre funciona mal? Ou de modo incompleto, pelo menos?
ResponderEliminarO "politicamente correcto" é muitas vezes demonizado e atacado de forma errada, parece-me, já que essa expressão não deveria cobrir eventuais exageros que atropelam uma qualquer cultura (p. ex., o uso de "Presidenta" por um suposto sexismo da língua portuguesa, em vez disso revelar ignorância da sua história e uso) mas antes formas de aprendermos a respeitar os outros e tentar compreender experiências que não as nossas. Aceitarmos, porém, a variabilidade de juízos de valor não significa impormos a nossa ética mas tampouco perdermos princípios da nossa própria constituição cultural e política. É aí que entra essa negociação entre as éticas distintas (mas necessárias ao mesmo tempo para criar uma posição mais consolidada) do Weber. A combinação da deontologia e da lei parece-me bem indicada. E José, penso que ninguém nega que as "leis más" são sempre combatidas, a questão aqui será a de que, ao nos movermos, temos de ter plena consciência do enquadramento legal desse gesto, e o CH fazia as coisas a "namorar" essas consequências legais: ganhou muito dos processos que lhes puseram em cima (por sátiras, acusações) mas perdeu alguns significativos, nomeadamente aquele interposto por Siné, por despedimento sem justa causa, acusado de anti-semitismo - noutro processo judicial, nas leis (draconianas?) francesas sobre o negacionismo e anti-semitismo, Siné foi ilibado naquela mesma crónica que o levara ao despedimento.
É portanto deontologicamente que deve ser pensada, de forma profunda, o que cada um dos gestos significa: esta frase que escrevo, esta palavra que emprego, esta imagem que crio. Haja liberdade para o fazer (a parte que o Osvaldo Macedo de Sousa fez para a exposição na Amadora é apenas uma mostra de locais onde isso não existe...).
E José, a melhor história de todas,a grande coroa desses políticos, tem mesmo de ser aquela cena magnífica, divina, charlie-hebdoniana, do pombo a cagar nos ombros do Hollande, no preciso momento em que abraçava Luz...
Pedro
(com um imenso prazer nesta discussão inteligente...)
Concordo (obviamente) com tudo, e até coma questão da lei, até porque me parece que não terei então lido bem o que o Isabelinho escreveu (pelo que, as minhas desculpas). Sim, obviamente a esse nível não-teórico "das leis que existem" numa dada altura ou sociedade, claro, elas são sempre um limite e devem ser tidas em conta - inclusive para se escolher em consciência ignorá-las, transpor esse limite.
ResponderEliminarRelativamente ao "politicamente correcto", sou 100% a favor do que disseste, e se fosse essa a definição de politicamente correcto (... formas de aprendermos a respeitar os outros e tentar compreender experiências que não as nossas. Aceitarmos, porém, a variabilidade de juízos de valor não significa impormos a nossa ética mas tampouco perdermos princípios da nossa própria constituição cultural e política....) não teria nada a opor. Infelizmente, parece que cada vez estamos mais afastados dessa definição, em favor de algo que parece dividir cada vez mais, até à mínima partícula social possível, e glorificar tudo o que é a diferença, esquecendo as modalidades do que une de modo a poder constituir os tais "princípios da nossa própria constituição cultural e política".
Entendo, até certo ponto, o que dizes. Mas é preciso não deitar fora o bebé com a água do banho. Aprendemos a sermos mais cuidadosos com a linguagem, comportamentos e procurarmos sermos sensíveis a pessoas com experiências "fora da norma", o que pode abarcar desde etnias diferentes, sexualidades a cegos e pessoas de cadeira de rodas. Não vejo o que isso tem de problemático, se é até aquilo que se chama de "um avanço civilizacional". O único abuso que poderia considerar era se acusações de "pc" fossem empregues de maneira a que impedissem qualquer discussão. E dou-te dois exemplos concretos, um parvo e, espero, claro, outro mais sério, já que muitas vezes nas redes sociais e discussões online as pessoas citam coisas "que ouviram" feita por "eles" e "aqueles", e nunca se percebe onde se quer chegar.
ResponderEliminarO primeiro foi uma discussão, brevíssima, de que se queria retirar o Prémio Nobel ao Egas Moniz. Independentemente dos avanços sequentes da ciência médica, e de nos apercebermos dos maiores males que uma solução cria, reescrever a história não me parece jamais um bom princípio.
O segundo: apesar de concordar com a adopção de crianças pela parte de casais homossexuais, acho que o novo Governo tomou uma iniciativa dirigida somente por uma vontade política, sem que se atravessasse uma discussão abrangente e verdadeiramente produtiva. Assim, qualquer pessoa que se lhe opusesse era vista imediatamente como um "reaccionário" ou "troglodita", impedindo assim que se utilizassem quaisquer argumentos (que possam eventualmente existir), aliás vistos como "pouco importantes". É por isso que mais pessoas dão importância e conhecem o Pedro Arrojas - e as suas postas de bacalhau arrotadas - do que argumentação mais sólida da parte de uma ala mais conservadora (que tem direito de o ser). Já para não falar, claro está, de posições mais progressivas, que poderiam trazer à luz experiências menos conhecidas: um exemplo, para quando uma discussão sem poeira sobre a droga, e alguém que tenha fumado erva, haxixe e experimentando um par de ácidos e uma chinesinha fale abertamente como isso não levou ao fim da vida?
Dito isto, a esquerda muitas vezes gosta de mostrar que a cultura é a sua coutada exclusiva, assim como as grandes questões contemporâneas, mas isso revela mais a falta de capacidade de diálogo de ambas as partes do que algo intrínseco.
Não gosto muito da expressão "PC" porque ela, da parte convervadora, é vista como "queixam-se de tudo", e da parte progressista como "temos razão e ponto final". Prefiro compreender que devemos ouvir com calma e aprender, e tentar perceber o outro ponto de vista. E se não concordarmos, discordarmos, com calma também. A menos que seja com o Cavaco Silva, aí vale a pena perder as estribeiras.
Importante também é não pegar num extremo de uma situação para "colorir" o extremo da outra. Penso eu de que.
Pedro
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