À
medida que a banda desenhada vai conquistando cada vez mais
territórios em termos de topicalidade, circulação e até mesmo
ontologia, vão surgindo igualmente projectos que se apresentam com
um grau particularmente alto de ambição. Jens Harder, o autor de
Leviathan, o livro cujo pequeno texto estreou este mesmo espaço, pretende nada mais nada menos do que criar uma série de
livros que encerram a história de tudo. Neste momento, os
dois primeiros volumes estão disponíveis em várias línguas, mas
aqui apenas abordaremos com precisão o primeiro, que lemos com mais
atenção. (Mais)
O
projecto total parece tratar-se de uma trilogia, intitulada Alpha
Beta Gamma. O primeiro volume intitula-se com mais exactidão
Alpha... Directions, o segundo Beta... Civilizations, e
distribuir-se-á em dois tomos, e o terceiro intitular-se-á Gamma...
Visions. Como o título dá a entender, há uma sequência lógica
e organizativa: o volume “alfa” foca desde o início do Universo
(de acordo com a teoria científica do Big Bang) até à emergência
dos hominídeos, o “beta” centra-se na história do
desenvolvimento humano, inclusive os cinco a seis mil anos de
civilização, dividindo-se no nascimento de Cristo (por marcar o
“ano zero” da dita Era Comum), e o “gama” proporá possíveis
desfechos da civilização humana. É certo que este último deveria
antes chamar-se “omega”, pela ideia de fim, ou até de “épsilon”,
pela sua tendência de esvaziamento; e “beta” pode dar uma ideia
de “teste”, “temporário”, o que não deixa de fazer
sentido...
Logo
à partida, portanto, é como se tivéssemos neste projecto uma
espécie de extensão monumental daquele famoso projecto de Robert
Crumb, “A Short History of America”, ou o “Here” de Richard
McGuire. Por outro lado, é difícil não fazer comparações
imediatas com Unflattening, de Sousanis, uma vez que o
projecto de Harder é também um exercício particular de uma forma
de pensamento e argumentação, pela banda desenhada, de
questões filosóficas (no caso, em torno do cosmos e, como veremos,
na sua subsunção a uma teleologia humana). Não estamos
propriamente perante um projecto narrativo, em que existam figuras
humanas ou entidades psicológicas que permitam gerir todos os
eventos numa linha fechada, mas antes uma estrutura cronológica que
permite um alargamento drástico de elementos, mas que os espraia
ancorados num foco. Até certo ponto, Harder procura aliar a
estrutura da própria banda desenhada à história do universo. As
primeiríssimas imagens, da formação do Universo, de um “nada”
a um primeiro caos explosivo, impõe, se assim se pode dizer, as
estruturas ortogónicas das vinhetas, como se pretendesse apontar a
uma possível “ordem”. Contudo, o autor não irá explorar esta
via de forma contínua. Como veremos, apesar da ambição, da
abertura e da preocupação ontológica da linguagem da própria
banda desenhada, há algo de domesticado em Alpha.
As
pranchas apresentam grelhas semi-regulares em que as vinhetas são
ocupadas, alternada, intercalada ou simetricamente, por – numa
primeira fase - representações esquemáticas e abstractas dos
fenómenos físicos indicados textualmente (o rápido arrefecimento
após o Big Bang, a emergência de mesões, a formação de átomos,
mais tarde a dos aminoácidos e nucleótidos) e – numa fase mais
adiantada – por representações realistas dos objectos em questão
(sejam cloroplastos e mitocôndrias, sejam bactérias ou organismos
mais complexos) – e, por outro lado, imagens mais compreensíveis,
de objectos de manufactura humana, que servem como uma espécie de
âncora às noções ou eventos retratados. Falamos de produções
propriamente humanas, sejam formas científicas, tecnológicas ou
artísticas. E se há páginas quase exclusivamente ocupadas pelas
imagens explicativas e/ou o mais realistas possíveis – por alturas
do criptozóico as imagens já pretendem representar os objectos tal
qual eles existiram e se comportavam -, há também alguns momentos
em que as pranchas mostram somente um aglomerado, não narrativo, de
imagens simbólicas.
O
autor espera que emerjam metáforas por contiguidade. Isto é, não
apresenta metáforas visuais propriamente ditas, mas coloca lado a
lado nas vinhetas as tais representações dos fenómenos físicos e
objectos informados culturalmente – o Shiva dançante, Buddha dando
os seus primeiros passos, o Deus de Albrecht Dürer... mas também
bolas de bilhar, peças de puzzle, sets de Mandelbrot, o pêndulo de
Foucault, placas de Petri com colónias, o Atomium de Bruxelas e,
lado a lado à afirmação de que “começou a era atómica”, um
cogumelo de uma explosão. Todavia, se elas de facto podem surgir e
encontram o seu papel no mecanismo de construção de significado,
não deixam de operar no interior de aproximações mais ou menos já
estipuladas. A utilização de imagens provenientes das mas diversas
raízes étnicas, civilizacionais e/ou religiosas (cristãs, hindus,
nativas americanas, budistas, egípcias, gregas) serve um propósito
claro: o da universalidade das tentativas de explicação deste mesmo
universo. Se a espinha dorsal é a perspectiva científica e
racional, e o modelo que melhores frutos tem dado nos quadros
explicativos e projectivos, o autor não abandona a possibilidade de
apelar a “imagens” que procuraram narrativizar, naturalizar e
humanizar esses mesmos fenómenos. Ao mesmo tempo, porém, ocorre um
fenómeno paralelo: é que essas imagens “metafóricas” e
“ilustrativas” surgem enquanto tal, ou seja, acabam por sofrer e
serem subsumidas à “imagem verdadeira”, que é a das explicações
científicas, apresentadas pela ininterrupta e inflexível faixa
verbal e as imagens abstracizantes-esquemáticas.
A
formação do planeta Terra, por exemplo, é acompanhado por imagens
de uma bola de neve a formar-se descendo uma encosta, ou um magneto a
agregar limalhas de ferro, para dar conta da acumulação de matéria
formada pelo movimento das forças gravitacionais e eletromagnéticas
à escala planetária. É portanto uma “tradução” relativamente
expectável, prevista, consabida, que explicita e explica esses
mesmos fenómenos.
Por
vezes essas imagens são encadeadas numa sequência que se pretende
clara na sua progressão. É o que se passa quando se discute a
formação dos aminoácidos organizados na dupla hélice, e surge a
fotografia famosa de Crick e Watson ao lado do modelo helicoidal,
várias posições da linguagem sígnica das bandeiras para
metaforizar os nucleotídeos, vários monstros compósitos e ainda a
ovelha Dolly. Todas essas imagens são como que partículas que
gravitam em torno de uma mesma ideia, e sejam elas especulações
mitológicas, consequências científicas ou propostas de modelos
explicativos, eles articulam-se nesse nódulo para poder precisar o
escopo e alcance da noção debatida. Harder não está, portanto,
preocupado em criar uma clara história das ideias científicas, nem
tampouco na de uma recepção das noções e da sua transformação
cultural, mas tão-somente explorar como é que essas mesmas ideias
foram sendo negociadas no cadinho da cultura humana, do modo mais
abrangente possível. Nesse sentido, estes livros não têm um
propósito claramente pedagógico, como têm, a título de exemplo,
os vários projectos de Larry Gonick (que são extremamente
cuidadosos na forma de apresentar os factos, teorias e detalhes de
uma compreensão, mas ao mesmo tempo são revestidos por uma grande
dose de humor), de Squarzoni (cuja dimensão política é mais
vincada) ou até de projectos mais populares (Era uma vez o corpo
humano, um exemplo tão bom quanto outro, nos seus esquemas
antropomórficos). Estaria mais próximo de um Musterbuch, por
exemplo. De um depósito ou museu de curiosidades.
Alguns
dos momentos são, talvez necessariamente, simplificados. Por
exemplo, a emergência da reprodução sexual parece estar prevista
desde logo e é mostrada como uma espécie não apenas de
inevitabilidade como único processo possível, assim como a da
divisão entre géneros masculino e feminino. Uma breve comparação
com esse outro grande divulgador da ciência em banda desenhada,
Larry Gonick, e sobretudo o seu especializado The Cartoon Guide of
Sex, mostra um processo bem mais complexo e matizado. Por
exemplo, na cena em que se fala dessas transformações, mostram-se
imagens sucessivas de caracóis, cervos, ursos polares, flamingos,
hipopótamos, joaninhas e uma espécie de sapos, todos animais
“modernos”, para além das imagens colhidas nas variadas
mitologias. Isso poderá provocar a ideia de que o sexo surgiria
precisamente com esses mesmos animais diversos, e não o que sucedeu
consequentemente, isto é, é o primitivo surgimento da solução
sexual para a reprodução das espécies que daria azo às mutações
e variações que levariam a essa tamanha diversidade biológica.
Textualmente isso é explícito, mas a sua concorrência imagética
num mesmo plano pode levar a essa confusão. Essa é uma faceta
diferenciadora do carácter pedagógico e completo de Gonick e
outros, ao passo que o projecto de Harder é o de um estranho e
fluido edifício de cadeias visuais.
A
estrutura não deixa de ser convencional, então. O que acontece nos
momentos de grandes extinções, causadas por alterações
climatéricas, cataclismos vulcânicos, etc.? O autor não deixa de
seguir os esquemas já existentes, criando divisões capitulares com
esses eventos, mas isso apenas sublinha mais uma vez o “intervalo”,
e não propriamente a ligação subtil e contínua das espécies de
sobrevivem (inclusive vegetais). E há um (compreensível?) maior
interesse pela vida animal que pela vegetal (já para não falar do
reino protista, que após uma breve menção, é colocado de lado, ou
até de formações rochosas, etc.).
Para
além desses encadeamentos e sequências, ou séries e ciclos,
existem imagens que ocupam toda a prancha, ou até um spread,
criando um ritmo paradoxal. Por um lado, interrompem o fluxo,
aumentando o grau de não-narratividade, mas por outro surgem como
“picos” ou charneiras desta linha de desenvolvimento, confirmando
essa direcção, como prometido no título. Essas imagens são a
constituição da nossa galáxia, a ignição do Sol, a formação da
Terra (estranhamente, a imagem mostra a Terra actual), a queda das
primeiras chuvas de água, o surgimento das bactérias, dos
eukaryotas, os muitos vermiformes, a diversidade biológica do
câmbrico, os coelacantos aventurando-se nas costas devónicas, as
florestas carboníferas ou as do terciário, os diplodocus e os seus
corpos imponentes, os archaeopteryx aventurando-se nos ares
jurássicos, os elefantes primitivos, e, a última imagem, a de um
hominídeo, já armado de lança, irrompendo na cena. O uso do termo
antropoceno vem confirmar então a visão teleológica que é
empregue em todo o projecto (ainda mais confirmada para o facto de
que a história da civilização humana ocupará três volumes, mesmo
que um seja hipotético: a relação de três volumes para um nada
tem a ver dos meros milhares de anos da história da civilização
humana para com os milhões do desenvolvimento cósmico, mas mais uma
vez se justifica por esse foco humano e pela “aceleração” dos
factos observáveis à nossa escala).
A
estrutura narrativa desta “história do universo” segue
necessariamente a organização linear das mais comprovadas teorias
da física contemporânea, mas é precisamente para “texturar”
essa mesma lisura e linearidade que Harder “interrompe”, por
assim dizer, a progressão das suas representações também
forçosamente abstractas, com estas imagens à escala da compreensão
humana. Pois sendo um livro, claro está, criado por um ser humano
para seres humanos, é natural que toda a história do universo
esteja criada de maneira teleológica, tendo o ser humano como seu
omega, fito, coroação, razão, propósito. Dessa forma, Harder bebe
de todas as fontes possíveis e imaginárias (com uma particular
incidência nas produções da cultural ocidental, naturalmente) para
criar essa “faixa simbólica”. A identificação de cada imagem,
que vai da tapeçaria de Bayeux a Grandville, de Melville a Magritte,
de manuscritos medievais a imagens televisuais, é por demais extensa
para tentar sequer aqui um seu elenco enciclopédico, de resto inútil
numa interpretação genérica.
Mas
o que tem a ver o tumulto da composição dos oceanos com a
observação tipológica de Leonardo ou a elegância da onda de
Hokusai? Podemos interpretar as explosões de magma como imagens dos
Infernos imaginados pelos humanos? Um momento problemático é quando
se discute o surgimento de mecanismos de defesa e ataque no período
câmbrico, como cascas duras, garras, exoesqueletos, dentes, etc.,
falando-se da “infindável corrida de armamento”, comparável
imageticamente a cenas de batalhas, guerras, canibalismo e até mesmo
ao quadro de Goya de Saturno comendo os filhos. Mas não se estará
assim a influir uma moralidade humana, um juízo de valor que envolve
o mal e um comportamento evitável, houvesse a consciência para o
fazer, em vez de simplesmente mostrar um processo natural?
E ao se revelarem os novos depósitos de carbono durante o
carbonífero com imagens do seu aproveitamento industrial, não se
estará a preparar o terreno de que essa formação geológica
serviria
um propósito humano?
A
linguagem também é problemática. Num momento falam-se de espécie
que “entram em cena e ocupam o seu lugar” (como se viessem de um
“fora” inimaginável e impossível de integrar na narrativa);
noutro falam-se de “habitats extravagantes e demasiado
desenvolvidos de florestas pantanosas” (como se existisse um
excesso marcado pelo que viria a seguir).
No
epílogo a este volume, Harder explica como os princípios de
“variação, mutação, simbiose, combinação, convergência e
adaptação não estão limitadas às disciplinas biológicas mas
encontram-se igualmente na evolução da tecnologia e de áreas tão
distintas como linhas sociais, sistemas linguísticos, arquitectura,
música...”. E poderia ter acrescentado, a banda desenhada, que ele
manipula precisamente como um meio particularmente apto à ideia de
variação dinâmica, de leituras pluridireccionais e
plurisignificativas. Algures nesse texto, o autor emprega a palavra
“panóptico”; se excluirmos o valor torcionário desse vocábulo,
assim como a descarnação do “olho que vê indetectado”, a ideia
de um universo feito visível e esbatido numa dimensão de distância
é uma metáfora apropriada a este projecto.
O desenho de Harder continua a obedecer aos princípios que pautam o seu estilo. Um trabalho de linha sólido, de contornos fechados, e depois um burilar mais delicado para marcar texturas, dobras, sombras, por vezes recordando o vitral, outras um desenho antiquado, próprio de reproduções antigas. Mas a utilização de abordagens tais como o pontilismo, a aguada, sempre oscilando entre o uso de três cores (sendo as segundas cores variadas - cinzentos azulados, laranjas esbatidos, um azul opaco, etc., que pode ou não ter uma relação directa com a “fase” representada – e a terceira um verniz metálico, talvez, que dá um toque de luxo a todo o volume).
O
livro encontra-se dividido em vários capítulos, organizados pelas
mais distintas divisões cronológicas ou categoriais, como uma
primeira fase em outro nome que não “universo”, seguindo-se os
éons geológicos (hadeano, arqueano), as eras e períodos (câmbrico,
ordoviciano, etc.).... Além disso, em momentos-chave, existe uma
pequena separata textual, em que se apresentam curtos blocos de texto
que re-apresentam as mesmas informações com uma data, de maneira a
que possa ser empregue como uma consulta rápida.
Não
é de forma alguma a primeira vez que se formam histórias de
personagens não-humanas e não-antropomorfizadas, baseando-se em
conhecimentos científicos para criar relações narrativas.
Recordemo-nos como existem projectos tais como o de ficção/divulgação
científica Clan
Apis,
de Jay Hosler, em torno da vida das abelhas, ou as “sagas” de
dinossauros Tyrant,
de
Steve
Bissette, ou Age
of Reptiles,
de Ricardo Delgado. Em todos esses casos, pode-se argumentar que há,
se não pela utilização de diálogos, nomes, e outros traços de
antropomorfia (Hosler), o modo de focar certos comportamentos e
emoções, e até a cadeia de acontecimentos insiste numa dimensão
“humana” (Bissette e Delgado). Mas parece-nos
que Harder subsume de facto a história quer da formação do
universo, quer da Terra, quer ainda de todas as espécies à escala
humana. Não é um problema de criar um enquadramento de compreensão
à escala humana – ça
va de soi,
afinal, repetimos, é um livro feito por um humano: quando as
trilobites puderem gravar as suas crónicas ou as galinhas agarrar
num lápis, criarão a sua versão dos factos – mas a de agregar
todos e quaisquer factos a uma teleologia humana. É um problema em
si, ou da banda desenhada? Não. É um problema de “direcções”?
Sim. A explorar, portanto.
Nota
final: agradecimentos à editora inglesa Knockabout, pelo envio do
pdf do primeiro volume. Algumas das imagens colhidas da internet, das várias edições.
Olá Pedro,
ResponderEliminarComo te disse, ainda não li isto, mas já o tinha folheado. Com o folhear, tinha ficado com a sensação que um dos objectivos era explodir com as hierarquias entre os diferentes 'sistemas de conhecimento', porque as origens mitológicas pareceram-me apresentadas ao mesmo nível das origens fundamentadas na ciência (que também podem ser 'mitológicas', claro, quando se dão a muitas liberdades criativas ou quando estão contaminadas com ideias feitas, etc.). Na verdade, nem reparei que havia uma faixa de texto, que, como dizes, determina uma interpretação mais específica das imagens e que força a leitura científica.
A mim, interessava-me essa ideia de justapor opções concorrentes e de evidenciar o carácter fundamentalmente interpretativo da ciência. Achas que está muito longe disso? Achas que seria mais bem sucedido se não tivesse a tal faixa de texto, se fosse só imagem?
Olá, Hugo.
ResponderEliminarVou tentar responder à pergunta, difícil, porque obriga a um exercício de ficção autoral, que não me cabe, mas antes uma palavra sobre o teu primeiro parágrafo.
Não penso que seja a existência de texto em si que se torna determinante na interpretação, se bem que ela fique mais clara. De um ponto de vista religioso, ou aceitamos um dogma ou não, logo, a utilização de várias mitologias, mais do que criar uma espécie de "abertura" (New Age, ou seja o que for), coloca todas elas num mesmo campo, o da "ilustração", o da "simplificação", que apenas têm associações superficiais à verdade científica. O próprio autor fala das suas preocupações de que nos Estados Unidos e, surpreendentemente, na Alemanha (!), o Criacionismo (Intelligent Design, etc.) começa a ganhar terreno em relação à abordagem da ciência (basta ver a forma como as pessoas não compreendem o que significa a palavra "Teoria" no campo científico, julgando que se trata do seu uso mais corrente). Isso cria um paradoxo, porém: se a sua preocupação é dar a ver os modelos mais consensuais da ciência, porquê "ilustrá-los" com cenas mitológicas e/ou da produção humana? O meu grande "beef" com o livro é antes a sua teleologia, a subsunção de existência de tudo à razão de ser humana. Mesmo que veja no "milagre termodinâmico" uma imagem relativamente delicodoce, e seja um prisma bom para reflectir na nossa frágil existência à escala universal, é difícil acreditar que há uma "razão" para que os aminoácidos se juntem em cadeias "significativas", ou que o carbono se junte à vontade com outros elementos para que possa surgir a carne, ou que sol está em combustão para irmos à Costa da Caparica...
Quanto à pergunta, directamente: não sei. O uso apenas de imagem tornaria ainda mais confusa a associação que se pretende entre as faixas concorrentes, e provavelmente criaria um puzzle - nestas condições precisas - inexacto e opaco. Teria de ser outra combinação, parece-me. Já sobre o "carácter fundamentalmente interpretativo da ciência", é muita fruta, parece-me. Mesmo os livros do Larry Gonick, apesar de tudo, apresentam as cadeias subsequentes da "evolução" dessas interpretações. Ainda está por fazer, digo eu, uma narrativa popularizante que demonstre os pára-arrancas das ciências, mas ao mesmo tempo confirmando que é ela própria quem providencia os melhores mecanismos da sua correcção. Noto que há cada vez mais uma desconfiança para com a ciência, que nasce de problemas reais e válidos, mas que começam a transbordar para questões mais ontológicas do próprio enquadramento da razão. Em parte, diria que a "culpa" está nas mãos da falta de capacidade da comunicação da ciência... Mas "Alpha" não está ainda aí.
pedro