O regresso de Tintin.
Correndo o risco de nos repetirmos, uma das expressões mais curiosas de escutar
em relação à exposição e regular “consumo” da banda desenhada é aquela empregue
por leitores adultos de que “cresceram com” determinado título ou género ou
autor ou personagem. Depreende-se de que o crescimento é aquele dos
interlocutores, em termos físicos, psicológicos, emocionais, uma vez que essa
realidade a que se retorna, da banda desenhada, espera-se que se mantenha a
mesma, com algum nível de conforto e de confirmação da nostalgia. Não nos abstemos, como afirmámos a propósito
de O testamento de William S., de nos
integrarmos pessoalmente em experiências dessa natureza, que ignoram os avisos
da lógica mental para acederem de imediato aos centros nevrálgicos da nostalgia
e das respostas automáticas de prazeres infantis. Todavia, é o esforço e
exigência da educação e da verdadeira maturidade que nos deve fazer procurar
por outros domínios da banda desenhada, que com efeito cresceram com os tempos,
e dessa forma ora trazem modo mais complexos de narrativas, ora aumentam os
graus de referencialidade e integração cultural, ora se estruturam com formas
visuais e compositivas mais consentâneas com uma sofisticação próxima da de
outras áreas artísticas, e por aí fora. (Mais)
23 de janeiro de 2017
20 de janeiro de 2017
Colaboração no du9. My Ogre Book, Shadow Theater, Midnight, de Marcel Broodthaers.
Como tem sido hábito, transmito aqui a indicação de que está disponível um artigo, na du9.org, sobre uma belíssima edição da Siglio que reúne três obras distintas de Marcel Broodthaers em tradução inglesa: dois livros de poesia e uma colecção de imagens, matérias transformadas num novo projecto que sendo antigo, nunca existira nesta forma.
Broodthaers é uma referência fulcral da cultura belga moderna, e as suas pesquisas multímodas, acima de todas aquelas que auscultam as fronteiras porosas entre as imagens e a literatura, deveriam ser (e são-no) um modelo para aqueles que trilham o mesmo caminho.
A questão central que nos ocupa é menos a crítica da poesia ou dos projectos artísticos do artista, o que nos escaparia, do que este novo "agenciamento" proporcionado por um novo objecto-livro, que reapresenta um novo fôlego e vida a essas mesmas produções.
Como sempre, a tradução para francês esteve a cargo de Benoît Crucifix, a quem queremos deixar os mais vivos agradecimentos. Merci bien pour ta patience et ton amitié! 0
Link directo, aqui.
13 de janeiro de 2017
Pandora # 2. AAVV (Casterman)
Se em Portugal estamos a seco há
décadas em relação a títulos regulares de banda desenhada cujas
narrativas sejam publicadas em capítulos, ou que mesmo antologias de
histórias curtas saiam somente de quando em vez e usualmente como
gestos únicos ou limitados, o mesmo não pode ser dito de outros
mercados mais consistentes financeiramente. Esta é apenas uma
constatação de factos, não um juízo de valor, já que se tentam
várias vezes reatar essas chamas por cá, com fortunas díspares mas
quase sempre sol de pouca dura (mas trabalhos em si de qualidade). Em
França, por exemplo, ainda há vários títulos que garantem a
chamada “pré-publicação”, um pouco para todos os gostos, desde
o mais mainstream (a Bodoï, depois transformada em
webmag, a Lanfeust) às mais clássicas (Spirou)
até mesmo às que servem o círculo independente (a Lapin,
agora transformada em jornal). Mesmo assim, no panorama actual mais
empobrecido na abordagem convencional – já que em termos de
“reportagem em bd” a existência da Révue XXI e La
Révue Dessinée apenas nos fará sonhar num mundo mais perfeito
-, o surgimento de um título como Pandora encaixa-se num
contexto de maior diversidade, mas terá certamente o seu papel. (Mais)
8 de janeiro de 2017
O testamento de William S. Yves Sente e André Juillard (Asa)
Quando falámos de Sous le soleil du minuit, aventámos a toda essa prática
contemporânea no interior do contexto específico da banda desenhada europeia,
pautada sobretudo pela criação de “autor”, ou pelo menos de “personagens de um
autor”), a que a crítica Jessie Bi havia chamado de profaçon, que a autora, especularmente, descreve recorrendo a outro
conceito por ela assinado, a de uma plagionomia
legítima. Quer dizer, de uma forma
simples, a maneira como o “mercado”, de forma legítima, autoriza que uma obra, um
estilo, uma voz, procure ser continuada por outros autores que não o original. Para
nos atermos à história da arte ocidental, uma vez que outras estruturas
civilizacionais e culturais poderão seguir outros passos bem distintos, e até
ao longo da história práticas houve que sustentavam a “imitação do mestre”,
aquilo que seria considerado um mero plágio, imitação, derivação, pálida
sombra, etc. de um ponto originário na literatura, cinema, ou artes visuais, na
banda desenhada é vista como uma “nova vida” para as “queridas personagens”. Nem
sequer estamos a falar de pastiches, que são exercícios legítimos e sempre de
uma distanciação crítica em relação ao original, provocando sempre uma noção de
comparação automática. Mas de uma verdadeira “continuidade”, em que, apesar de
tudo, se particulariza a “biografia ficcional” das personagens como se fosse
verdadeira. (Mais)
6 de janeiro de 2017
Repeteco. Bryan Lee O'Malley (Companhia das Letras)
Depois do sucesso estrondoso, a nível
comercial mas também crítico, de Scott Pilgrim (para
o qual terá contribuído sobremaneira a adaptação cinematográfica
exemplar de Edgar Wright, tendo nós falado de ambos anteriormente),
O'Malley parece ter querido trabalhar temas um pouco mais graves, sem
abdicar porém do seu registo visual de “mangá-via-Ocidente”,
numa espécie de linha clara, aqui ainda mais sublinhada pelo uso de
cores planas para a maior parte das superfícies, gradientes nos
momentos certos, linhas coloridas para cenas específicas, e um
equilíbrio exímio entre a abordagem estilizada, os momentos chibi,
e os pormenores realistas e pormenorizados. Seconds,
ou na tradução aqui lida, Repeteco,
reitera um tema recorrente do autor – a personagem ligeiramente
deslocada de uma certa ideia de “normalidade”, mesmo que dentro
de um contexto onde todos afirmam diferenças dessa suposta “norma”,
a qual acaba muito diluída. No caso, trata-se de uma jovem chefe de
cozinha, Katie, embrulhada numa complexa encruzilhada da abertura do
seu novo restaurante, as suas relações profissionais e amorosas e,
o que perfaz o cerne da intriga, o seu encontro com uma dimensão
fantástica. Nesse “crescimento”, quase faria pensar em Jeff
Smith, mas onde Bone é
uma obra quase perfeita e RASL
menos conseguida, por ser um salto que se move entre géneros mas não
entre concentração dos instrumentos, a relação entre Scott
Pilgrim e Seconds
é a de um desabrochar de uma linguagem interna. (Mais)
5 de janeiro de 2017
28 de Janeiro: Seminário Banda Desenhada e Pensamento Político: Sessão 3
Na continuidade do Seminário que antes enunciáramos, temos o gosto de vos convidar a aparecer e participar na próxima (3ª) sessão, desta vez dedicada à banda desenhada de super-heróis e o modo como elas respondem à questão das utopias, distopias e eutopias, assim como os contornos éticos pelos quais, historicamente, se balizaram, ultrapassaram, desrespeitaram ou tentaram suportar.
Desta forma, o convidado é José Hartvig de Freitas, sobretudo na sua qualidade de editor (mas também promotor, tradutor, etc.) de alguns dos títulos de super-heróis de maior peso que têm sido publicados entre nós recentemente, como são os casos da "trilogia desconstrutiva" de Alan Moore et al., Miracleman, V for Vendetta e Watchmen. Participa ainda o investigador e coordenador do Seminário, Helder Mendes e este vosso criado como moderador.
Apareçam!
Desta forma, o convidado é José Hartvig de Freitas, sobretudo na sua qualidade de editor (mas também promotor, tradutor, etc.) de alguns dos títulos de super-heróis de maior peso que têm sido publicados entre nós recentemente, como são os casos da "trilogia desconstrutiva" de Alan Moore et al., Miracleman, V for Vendetta e Watchmen. Participa ainda o investigador e coordenador do Seminário, Helder Mendes e este vosso criado como moderador.
Apareçam!