Não deixa de ser “natural” que a Kingpin tenha encontrado
neste projecto a continuação de uma linha editorial que procura expandir. Não
havendo dúvida de que o critério eleitor nessa integração tenha sido a
prestação gráfica da autora italiana, acreditamos que terá a ver com certas
afinidades estilísticas com Tony Sandoval, cujo recente Nocturno também foi publicado há recente pela mesma casa, e cuja
colaboração também trouxe a lume Les
echos invisibles (que imaginamos ser desejado pela editora). O que une La
Padula e Sandoval é múltiplo: uma linha de contorno semi-livre e gestual, uma
figuração entre o anatómico e o cute-grotesco dos cabeçudos do século XVIII,
que já havíamos debatido a propósito de Phoenix, e uma aplicação de cores
suaves mas exactas. La Padula, todavia, parece herdar outras características
ligeiramente diferentes. Ainda que haja igualmente uma preocupação pelo
acrescentar de pormenores nos cenários cheios, parece-nos ser mais devedora de
um Nicolas de Crécy, ainda que sem atingir a mesma intensidade, verve e
alucinação. Mas os cenários urbanos, abertos, imensos, distorcidos de acordo
com boas práticas visuais, fazem-nos lembrar as vinhetas cheias de Le Bibendum celeste ou Journal d’un fantôme. É possível que tal
comparação seja desequilibrada, em detrimento para com Padula, mas há um mesmo
esforço, desejo e prestação. (Mais)
O jardim
de Inverno é menos impressivo no que diz respeito à sua narrativa. O
argumentista, Renaud Dillies, ele também artista, sobretudo de banda desenhada
infanto-juvenil animalière, parece
ser cultor de um repertório feito de tramas impressivas, emocionais, em torno
de pequenas relações imediatas entre uma pequena constelação de personagens. A intriga
deste livro roda em torno de um jovem homem, que parece paradoxalmente entalado
entre uma vida pacata e indiferente em relação à vida que o rodeia, desde o
emprego, a vizinhança e a memória distante dos pais, e com uma relação amorosa
sólida com a namorada. Um mero acaso leva-o a confrontar-se com o vizinho do
andar de cima, um velho abandonado, que o confunde com o filho e o lança assim
numa pequena tempestade de emoções, forçado a pensar sobre a sua própria vida
de uma maneira que não desejaria. Esse confronto aumenta de intensidade até
quase uma letargia, seguida da mais que expectável “libertação”, seguida de
toda uma série de resoluções positivas e um final feliz e esperançoso. Feel good movie, se é que há um.
Contudo, é uma estrutura narrativa que se esgota nessa mesma
prestação. Não há propriamente uma segunda dimensão que problematizasse essa
mesma estrutura, essas relações ou resolvesse as contradições internas. Afinal,
Sam, que trabalha num bar de jazz e tem uma namorada, para todos os efeitos, no
seio desta máquina diegética, “desejável”, não contém os ingredientes que o
tornariam o sorumbático que é. A crise que o afasta dos pais não surge como um
trauma irresolúvel, mas tão-somente uma birra ou, pior, uma indiferença graças
ao conforto encontrado na cidade. As putativas backstories do vizinho e da namorada nunca são desenvolvidas o
suficiente que as torne personagens de corpo e espírito inteiro que as jogasse
de modo mais articulado com o protagonista, reduzindo-as a funções actanciais
dele mesmo.
O resultado é um livro de temática algo delicodoce, de
leitura linear e simples, cujo prazer está de facto na descoberta parcimoniosa
dos cenários e expressividade instiladas por La Padula, que trazem maior
carisma e personalidade lá, onde na narrativa não vivem.
Concordo. Comprei pelo desenho, e fiquei desiludido com o argumento. Devia ter lido este artigo antes de comprar...
ResponderEliminarOu devia ter tentado uma leitura rápida na livraia antes de comprar, o que até era fácil neste livro concreto.