21 de setembro de 2017

Desenhar em cima da conserva. AAVV (Arranha-Céus)


Este pequeno livrinho, oblongo e fino, nasceu de um projecto que envolveu os artistas e a Conserveira de Lisboa, numa lógica de exposição/decoração temporária da fachada do seu estabelecimento. Isso daria origem a uma colaboração directa entre os autores para que fabricassem uma narrativa curiosa nos seus contornos estruturais. Este é o resultado.


Os autores são sobretudo autores de ilustração e banda desenhada da nossa praça, entre veteranos e mais jovens, e afectos a vários territórios dessa criação, entre a ilustração para a infância, o trabalho editorial, o institucional, a animação, e, claro, projectos autorais propriamente ditos. Assim reúnem-se, pela ordem de aparição no livro, Nuno Saraiva, Susana Carvalhinhos, Lord Mantraste, João Maio Pinto, Pedro Brito, Pierre Pratt, Cristina Sampaio, Dileydi Florez, Pedro Lourenço, Alberto Faria e André Carrilho.


A estrutura faz com que os autores apresentem quatro ilustrações em sequência, quase criando uma pequeníssima cena, quase auto-conclusiva. Mas o autor seguinte responde à última imagem com a sua própria primeira imagem, criando elos temáticos, simbólicos ou mesmo repescando (o verbo não é inocente) as personagens envolvidas. A história que emerge destas associações é relativamente simples e até mergulhando em algumas ideias clássicas, ou mesmo clichés, de um imaginário romântico-marítimo: o protagonista é um capitão pescador, e envolve um triângulo amoroso entre uma sereia e a varina com que ele vive. E, claro está, criaturas do mar revolto: sardinhas, polvos, medusas e baleias.


Muitos dos autores trabalham, como seria de esperar, as suas forças. Nuno Saraiva introduz e canta um fado trágico na pesca de arrasto. Susana Carvalhinhos mostra a dúvida entre o amor e a partida, a sedução e o intervalo. Lord Mantraste dá continuidade à música, mas trá-la à costa, para a depositar em amores mais terrenos. João Maio Pinto aumenta a octanagem para provocar thrills & spills como homenagens às tiras de aventuras norte-americanas dos anos 1920-30. Pedro Brito dá continuidade ao pesadelo e à acção, mas mostra a salvação na forma de outro tipo de sereias. Pierre Pratt, em lindíssimas imagens pinceladas com vigor, enclausura a história numa redoma doméstica, mas mostrando os pontos de fuga permitidos. No interior ainda dessa domesticidade, Cristina Sampaio apresenta com as suas linhas vectoriais o que parece ser uma singela história de amor mas que acaba por ser legível como um comentário forte sobre elos familiares, papéis femininos e entendimentos da maternidade. Dileydi Florez volta a inverter a ordem dos espaços, mas sobretudo as usuais estruturas das fantasias de sereias (que vêm para terra), e faz com que o protagonista se perca num novo mundo, sob as águas do mar revolto. É aí que Pedro Lourenço cria cardumes de peixes e sereias de uma forma tão gestual e marinha com os seus pincéis que quase nos distraímos nas suas paisagens dos acontecimentos em si. Alberto Faria, nas suas formas cândidas, mostra uma breve fábula de como há sempre um peixe maior pronto a abocanhar o anterior. E André Carrilho, para terminar paradoxalmente com acções bombásticas e a subsequente calmia, cria magníficas imagens invertidas de uma dinâmica que nos leva a sonhar como seria um Moby Dick nas suas mãos.


O livro em si é uma pequena pérola editorial, e interessante jogo de colaboração. Conversa em conserva, a servir ao natural.

Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta do livro.

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