A
estreia da luso-brasileira JBC no nosso mercado foi estrondosa, tendo
começado com dois clássicos de peso – Akira
e
Ghost in the Shell
–, e obrigatórios em qualquer biblioteca de banda desenhada que se
preze, ciente da sua história contemporânea, já para não falar
das suas repercussões cruciais no mundo do cinema de animação, dos
jogos, na recepção e/ou diálogo entre a cultura japonesa e o resto
do mundo, na cultura popular em geral, e muitas outras dimensões.
Apenas questões internas ao Lerbd nos têm impedido de escrever com
a mesma regularidade habitual, e é possível que ainda revisitemos
esses títulos. Seguiram-se apostas numa série mais comercial de
grande sucesso, Ataque
dos Titãs,
e neste pequeno volume, de um registo bem distinto dos demais. (Mais)
Todavia,
a dimensão comercial não pode ser descurada, já que esta série de
curtos episódios foi igualmente um caso de grande sucesso comercial
no próprio Japão e noutros locais onde foi traduzido. A sua
adaptação ao cinema, mesclando as duas histórias presentes neste
livro, não é, forçosamente, uma “prova” da sua fortuna crítica
e/ou estética, mas ajuda à circulação do seu texto. Há indicação
de que o autor terá criado mais histórias com a mesma personagem do
cão, Happy, mas apesar da distância temporal entre o seu lançamento
primeiro (2008) e esta edição, a JBC apenas se ateve ao projecto
original (presumimos que se adivinhará igualmente o lançamento de O
outro cão que guarda as estrelas).
Apesar
da coincidência do nome, este Takashi Murakami não apenas não é o
mesmo artista visual de renome internacional, como a sua assinatura
gráfica nada tem a ver com esse outro estilo “superflat”, de
cores vivas e planas, e linhas sólidas e plásticas. Aqui, o desenho
é composto por linhas simples e suficientes, uma figuração quase
basilar e quase sempre atarracada ou de atalhos visuais, e empregando
toda aquela flutuação costumeira de registos para dar conta de
momentos de maior tensão emocional. O uso de cinzentos ou aplicações
de tramas ajuda nalguma densidade, mas estamos perante um daqueles
casos de uma espécie de minimalismo, não do desenho, mas da
estratégia expressiva.
Dito
isto, o forte da obrinha está na forma como o autor conduz a
focalização da história. Se a trama principal da história curta –
3 episódios compondo a história principal, que dá nome ao livro, e
depois outra extra e tangencial à primeira, mas que, ao mesmo tempo,
a envolve e devolve (a relação diegética entre as duas histórias
é um óptimo caso de estudo na introdução aos estudos
narratológicos) – se prende à lenta mas imparável descida social
de um tradicional “pai de família” japonês, pois é ele quem
comanda o ritmo e a direcção das acções, toda a atenção e
enquadramento narrativo é feito pelo pequeno cão, Happy. Temos
acesso, desde o início (após um prólogo “desligado” da ordem
cronológica), aos pensamentos do cão, sob a forma de legendas
supra-narrativas, em que ele nos fala na primeira pessoa e vai
descrevendo o que compreende do mundo. Enquanto seres humanos, haverá
sempre momentos em que “sabemos” mais que o cão, uma vez que
existirão aspectos societais ou comportamentais que nos parecerão
limitados, e faremos inferências para perceber melhor o que está a
acontecer. Mas essa é parte da estratégia eficaz de Murakami.
Apesar
desse acesso ao pensamento, sob a forma verbal (que, de acordo com
Aristóteles, seria aquilo que nos distanciava dos demais animais),
Murakami não tenta, parece-nos, antropomorfizar o cão. As suas
expressões, comportamentos e instintos, reacções, posições
físicas, mantêm-se sempre no interior da representação realista,
e se existem estratégias de acrescento de significado típicas da
banda desenhada – linhas de movimento, gotas de pânico,
onomatopeias, etc. - em nada destoam do que é empregue junto aos
humanos. Mesmo os olhos mantêm sempre a qualidade canina, apesar do
brilho presente e, de vez em quando, gerido para despertar junto aos
leitores (humanos, necessariamente) uma qualquer reacção
interpretativa, reforçada pelas escolhas de enquadramento ou ângulo.
Estamos
bem longe de todas aquelas histórias lamechas em que a vontade e
vivência do cão, ou outro animal, se subsume à felicidade do ser
humano com quem cria a sua relação social. Ainda assim, mantém-se
uma certa dependência, material, familiar e, acima de tudo,
emocional da parte do cão, que não ganharia a mesma independência
que um ser humano em relação a um “seu” animal. Aquela matéria
verbal/mental cria então uma personalidade algo ingénua, mas que,
em vez de minar, reforça a qualidade e até o grau dos valores que
transmite. O que interessa é que o cão mantém-se sempre “cão”,
mas por isso mesmo a sua “genuinidade”, e os sentimentos de
amizade, fidelidade, companheirismo, confiança, são protegidos,
mesmo que todos saibamos que esses traços não são mais que
projecções dos próprios leitores. E esta personalidade, digamos
assim, é reforçada pela segunda história curta (não estamos
sequer perante “novelas”), que coloca em cena outra relação
homem-cão que espelha a primeira e tematiza a disponibilidade e
felicidade canina.
Uma
obra que se encontra tanto na tradição “humanista” de Tsuge e
Tatsumi como naquelas linhas da observação do quotidiano de
Taniguchi, ou aquelas espécies de “diários de observação” que
envolveriam Makoto Kobayashi, Junji Ito e Jeffrey Brown (sempre
gatos, na verdade), O
cão que guarda as estrelas
é um gesto simples e bonito (é a palavra certa), sem grandes
desculpas.
Nota
final: agradecimentos a Beatriz D., pelo empréstimo da sua cópia.
"obrigatórios em qualquer biblioteca de banda desenhada que se preze"
ResponderEliminar??
qual o problema agora, pedro pan?
zeus!
Deve ser na biblioteca de bd ideal!!
ResponderEliminarconcordo com o mmmmmmnnnnnnrrrrg, akira e ghost é BD para crianças! o dr. moura esticou-se nesta resenha!
ResponderEliminarobrigado anónimo mas é MMMNNNRRRG!
ResponderEliminarquanto ao resto: "Crianças a bordo!"
abraços
Desde quando que Akira é para crianças? E se o ghost in the shell fôr metade da adaptação em Anime já vale bem a pena...
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