23 de novembro de 2004
Na prisão. Hanawa Kazuichi (ed. fr., Ego comme X; ed. ingl. e esp., Fanfare/Ponent Mon)
A palavra medíocre, no seu sentido primário, significa "a meio da subida de uma montanha". Ainda que nem sempre nos possamos obrigar a sofrer experiências-limite, é perfeitamente possível apreciarmos ao máximo o meio de um caminho, se descobrirmos onde se encerra a mais subtil das belezas nele próprio. Hanawa foi um dos participantes da Garo, a plataforma de lançamento de uma manga menos convencional, menos devedora a Tezuka, e mais autoral. Preso três anos por posse ilegal de armas de fogo, essa experiência levá-lo-ia à criação deste livro, que mostra a sua vida na prisão. Fã e "discípulo" de Tsuge Yoshiharu, também Hanawa prefere menos melodrama e mais atenção às subtilezas que podem compor (ou antes decompor) "o tempo que passa". Numa imagem que mostra a sala de jantar, indica-se o local da "Ratoeira. Às vezes apanham-se ratos". Essas ratoeiras estão espalhadas pelo livro todo, e servem para nos apanhar quase imperceptivelmente. Numa leitura descuidada uma colecção de narrativas pedestres, este é antes um livro que segue o coração, a cabeça e o estômago: a contínua dissertação sobre comida, a concentração nos movimentos das mãos e dos rostos, as pequenas relações ora tensas ora desprendidas entre as pessoas, os momentos em que a representação física se altera com alguma metáfora visual, a adaptação de uma canção infantil, são apenas indícios dissemelhantes e dispersos numa obra quase arrítmica e, por isso, mais imitativa da vida. (Em 2002, foi adaptado ao cinema).
(publicado em Mondo Bizarre 21)
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