A palavra medíocre, no seu sentido primário, significa "a meio da subida de uma montanha". Ainda que nem sempre nos possamos obrigar a sofrer experiências-limite, é perfeitamente possível apreciarmos ao máximo o meio de um caminho, se descobrirmos onde se encerra a mais subtil das belezas nele próprio. Hanawa foi um dos participantes da Garo, a plataforma de lançamento de uma manga menos convencional, menos devedora a Tezuka, e mais autoral. Preso três anos por posse ilegal de armas de fogo, essa experiência levá-lo-ia à criação deste livro, que mostra a sua vida na prisão. Fã e "discípulo" de Tsuge Yoshiharu, também Hanawa prefere menos melodrama e mais atenção às subtilezas que podem compor (ou antes decompor) "o tempo que passa". Numa imagem que mostra a sala de jantar, indica-se o local da "Ratoeira. Às vezes apanham-se ratos". Essas ratoeiras estão espalhadas pelo livro todo, e servem para nos apanhar quase imperceptivelmente. Numa leitura descuidada uma colecção de narrativas pedestres, este é antes um livro que segue o coração, a cabeça e o estômago: a contínua dissertação sobre comida, a concentração nos movimentos das mãos e dos rostos, as pequenas relações ora tensas ora desprendidas entre as pessoas, os momentos em que a representação física se altera com alguma metáfora visual, a adaptação de uma canção infantil, são apenas indícios dissemelhantes e dispersos numa obra quase arrítmica e, por isso, mais imitativa da vida. (Em 2002, foi adaptado ao cinema).
(publicado em Mondo Bizarre 21)
23 de novembro de 2004
Na prisão. Hanawa Kazuichi (ed. fr., Ego comme X; ed. ingl. e esp., Fanfare/Ponent Mon)
Publicada por Pedro Moura à(s) 5:55 da tarde
Etiquetas: Japão
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário