Pepedelrey tem criado toda uma série de pequenas publicações através do seu selo editorial, na qual vai explorando, da sua forma livre consabida, pequenos relatos onde o humor pode viver lado a lado com uma crítica mordaz da sociedade actual, as diatribes de bicho isolado se unem à atenta participação, a capacidade de vislumbrar a vida dos outros se confunde com a irritação da imbecilidade generalizada. Sílvia é, talvez, uma pequena excepção, como gesto de estranha empatia.
Na história da banda desenhada, podemos encontrar várias instâncias de peças que, com humor, criam desvios em termos da representabilidade dramática mais usual, escolhendo ângulos, proximidades ou vistas “pouco naturais” - closes-ups extremos, planos em zénite ou nadir, perspectivas de dentro da cabeça das personagens, focalições zero, etc. A título de exemplo, o autor holandês Jan Linse tem uma peça publicada por volta de 1870, na Humoritisch Album, intitulada “Um romance em quarenta pernas”, de apenas 8 vinhetas, mostrando, no fundo, uma sequência em torno de um romance “assolapado” entre um cavalheiro e uma dama e, depois, os pais desta. Este tipo de “limitações” auto-impostas conduz a exercícios oubapianos, ou outros, curiosos, que servem um propósito de humor, de novas perspectivas, e ao mesmo tempo de revelação da linguagem oculta, física, emocional ou outra, das suas personagens. Numa antologia de 1999, Paroles de Taulards (“Palavras de reclusos”), reunindo testemunhos e vidas de reclusos prisionais, Edmond Baudoin também deu corpo a um dos testemunhos sem jamais mostrar-lhe o rosto, como se se pretendesse, a um só tempo, demonstrar a perda de humanidade ao se viver numa prisão mas ao mesmo tempo defender a última possibilidade da dignidade humana que lhe restaria. (mais)