31 de julho de 2015

Showa. A History of Japan (4 vols., 1926-1989). Shigeru Mizuki (Drawn & Quarterly)

Esta nova série de livros do autor faz já parte de um corpo de trabalho mais alargado. Trata-se de um projecto de longa duração que entrosa a autobiografia com interrogações de cariz político sobre a história da Japão, nomeadamente uma crítica acerba e musculada de um posicionamento insustentável de uma certa superioridade e excepcionalidade do povo japonês face às suas relações históricas com outros povos, desculpando o seu imperalismo e nacionalismo, violento, e cujas consequências ainda se fazem hoje sentir nas suas relações bilateriais com as antigas colónias ou países agredidos, como a Coreia, a China ou a Tailândia. A desresponsabilização do Japão em relação a esses crimes (até certo ponto, similar à desculpabilização que Portugal ou os portugueses fazem às suas antigas colónias), muitas vezes expressas pela sua classe política e alguns sectores da cultura popular, faz com que a missão de Mizuki seja urgente. (Mais) 

25 de julho de 2015

VERBD. Episódio 1.


A partir de hoje, e ao longo das próximas semanas (ou talvez dias), estará disponível finalmente online todo o programa televisivo Verbd, um documentário em cinco episódios sobre a banda desenhada portuguesa que o realizador Paulo Seabra e este vosso criado criaram em 2007, para a RTP2 (numa co-produção externa da Black Maria). A sua publicação em formato DVD estava planeada, mas por vários escolhos, acabou por não se verificar. A bem da divulgação e do acesso livre à informação, aqui fica. Eventualmente, publicaremos online também alguns "extras". 

O documentário tinha ou tem um blog-companheiro próprio, aqui

Há coisas que, em alguns anos, se transformaram profundamente: autores que pararam de produzir, outros que mudaram a prática, plataformas que se alteraram, circunstâncias que se reestruturaram. Mas esperamos que a pertinência da maior parte dos assuntos ainda se mantenha. E não perdemos ainda a esperança de que "venham mais cinco"...

Episódio 2.
Episódio 3.
Episódio 4.
Episódio 5.

Vacancy. Jen Lee (Nobrow Press)

Quando mencionámos a série de webcomics Thunderpaw, da mesma autora, tecemos uma série de considerações em torno do estilo “furry” (ou “semi-furry”) a que esse trabalho pertenceria, assim como a que territórios deveria algumas das suas características formais e estilísticas. Remetemos a essas breves notas para complementar esta outra breve nota, a um pequeno comic book publicado no programa da Nobrow em providenciar um espaço de expressão, circulação e experimentação a novos e jovens autores, uma experiência que havíamos debatido com Fish, de B. Bagnarelli. (Mais) 

23 de julho de 2015

Richard Stark e Darwyn Cooke. Parker, O Caçador (Biblioteca de Alice)

No seu estudo agora clássico, Qu’est-ce qu’un genre littéraire?, Jean-Marie Schaffer discutia os géneros literários para além (ou aquém?) do seu projecto de definição, afirmando que “seja qual for a função comunicacional última dos nomes genéricos, têm eles sempre a pretensão de identificar os textos em relação a um nome colectivo”. Ora, nesse sentido, o que significa é que a decisão de um leitor em ler um determinado texto sob a ideia de um género colocá-lo-á imediatamente numa rede de relações intertextuais, isto é, uma leitura comparada com outros tantos textos. Nunca se lê, portanto, um texto “sozinho”, mas num cadinho de sucessivas e re-formuladas integrações. Parker, O Caçador é um livro que se lerá nos sucessivos descritivos de “adaptação literária”, “banda desenhada de crime”, “obra de Cooke”, “volume da Biblioteca de Alice”. (Mais) 

22 de julho de 2015

Quarto Interior. Exposição de Francisco Sousa Lobo.

Gostaríamos de informar todos os interessados que esta Sexta-Feira, 24 de Julho, inaugurará às 18h a exposição retrospectiva do artista Francisco Sousa Lobo, Quarto Interior.

Esta exposição integrar-se-á numa nova programação da Bedeteca da Amadora, sita na Biblioteca Municipal Piteira Santos, sob a minha responsabilidade. Intitulada Os 5 sentidos da banda desenhada, esta programação contará com grupos de leitura, acções de formação, exposições e debates. Sendo esta exposição uma experiência "beta" (no sentido informático, não de classismo social), prevê-se que a apresentação oficial do programa seja feita em Setembro. 

Quarto Interior conta com a  apresentação de dezenas de pranchas da arte original dos títulos do autor de O desenhador defunto, sobretudo de trabalho mais recente, inclusive várias curtas e mesmo trabalhos inéditos. 

O título é tirado de um poema curto de Fiama Hasse Pais Brandão.


Quarto interior
Na cómoda algumas gavetas
com os caprichosos guinchos da madeira
não só entoavam sons como aspergiam
o ar de antiquíssima alfazema.
Moviam-se devagar para o regaço,
aceitavam escassamente a luz,
gemiam até estancarem
abertas e exalarem
por fim a plena
onda de aroma.

Contamos com a vossa presença!




20 de julho de 2015

But I Just Found Out that my house is in flames. André Catarino (Célula & Membrana, etc.)

Podemos entender cada uma da categorias ou descrições de livros – fanzines, álbuns de banda desenhada, livros de artista, livros ilustrados, etc. - como “modelos”, como indica Pascal Lefèvre. Isto permite duas operações a um só tempo. Por um lado, o emprego de uma (ou outra) dessas expressões cria de imediato um horizonte de expectativas, um intervalo de pré-determinações, de modos de aproximação e de protocolos de leitura, que convida a um uso do objecto em si. Por outro, já no interior desse mesmo uso, ou leitura, o confronto com todos os aspectos que se apresentam como desviantes e, por isso, particularmente significativos. Se bem que criar uma associação quase mecânica entre o número de desvios à sua potência interpeladora, ou até mesmo inovadora”, seja um perigoso fetichismo, sobretudo se sub-argumentado, adivinha-se que qualquer escolho à sua fruição “natural” ou “normativa” aponte para a necessidade de um esforço maior de interpretação. Isso ocorre precisamente com este objecto. (Mais) 

17 de julho de 2015

QCDI 3000. Autores do Clube do Inferno (Chili Com Carne)

Este projecto da CCC nasceu desde o primeiro momento como um diálogo com uma nova geração de autores de banda desenhada que têm trabalhado no mundo dos fanzines mas abertamente integrados numa economia de circulação de ideias e práticas global. Se a nacionalidade ainda faz sentido em termos de solidariedade e esforços de produção, em termos temáticos, políticos e de método artístico, já nada os enclausura nesse descritivo. Se o primeiro número era dos “meninos” e o segundo das “meninas”, este recupera alguns dos autores, concentrando-se no colectivo Clube do Inferno: Astromanta, Mao, Hetamoé, e o único autor a dispensar nom de plume, André Pereira. (Mais) 

16 de julho de 2015

The League of Regrettable Superheroes. Jon Morris (Quirk Books)

Corre a ideia feita de que o género dos super-heróis é o único género que nasceu em exclusividade no cadinho do meio da banda desenhada. Não nos compete a nós contestar nem defender essa ideia, que peca, a nosso ver, por, paradoxalmente, misturar forma e conteúdo mas não tomar em atenção especificidades formais e expressivas do meio, cristalizar um conceito apesar das suas constantes reformulações e todavia estender em demasia a atenção por campos diversos e até mesmo incomparáveis. Aceitemos, porém, essa ideia. Por mais que seja um conceito de que se goste, por estar embebido em toda a sua cultura (os super-heróis são uma “cultura holística”, e não propriamente um campo alargado no qual depois se possam escolher intensidades), eles são um modelo de uma fantasia algo estrambólica. E como sabem os seus leitores, mais até do que os não-leitores, há variadíssimas gradações de delírio. Este livro pretende encontrar personagens com um elevado grau desse delírio. (Mais) 

Habibi/Finalmente o Verão. Craig Thompson/Jillian e Mariko Tamaki (Devir/Planeta Tangerina)


Sendo rara a nossa opção em pura e simplesmente fazer divulgação dos livros publicados em Portugal, repetindo as notas de imprensa ou tecendo duas ou três frases de circunstância e genérica, é com algum prurido que colocamos aqui a nota da existência destes dois volumes. No entanto, na senda das considerações feitas a propósito da colecção Novela Gráfica, e nos esforços, ora continuados por certas editoras, ora estreantes de novos intervenientes, nota-se e espera-se que haja de facto uma abertura na oferta e na diversidade dos títulos de banda desenhada contemporânea (mas também "histórica", claro), independentemente de pertencerem ou não a um espécie de "cânone internacional", "top mais" da crítica especializada ou sequer mesmo, importe a quem importar, a uma putativa e fechada "lista de predilectos" do indivíduo que escreve estas linhas. (Mais) 

14 de julho de 2015

→ . Marc-Antoine Mathieu (Delcourt)

Poder-se-ia argumentar que a banda desenhada nasceu (“always already”, apetece acrescentar) num ambiente meta-textual. Quer creiamos na teoria da origem num só ponto/autor (Töpffer) ou em múltiplas origens (cf. Thierry Smolderen), encontraremos em muito dos exemplos da banda desenhada da modernidade (a partir do século XVIII) experiências que jogam com a própria forma que se foi cristalizando no que se conheceria por esse nome. Quer se pense nos comentários sobre o próprio desenho no interior da narrativa (de novo, Töpffer), ou na mostra de marcas pseudo-indexicais no próprio trabalho (Doré), ou ainda por revelar as próprias limitações do uso das imagens fragmentárias (Christophe, Frost, Caran D'Ache, Verbeck), sempre existiram artistas que exploram a própria materialidade do meio como um comentário auto-reflector. Contudo, é também discutível o facto de que, ao longo da sua história, a banda desenhada se foi tornando mais ou menos subsumida a formas e convenções “clássicas”, as quais contribuíram para a noção de que este seria um meio transparente, aberto de forma simples para um espaço de mundos imaginários. É graças a essa história (ou melhor, a essa percepção parcial da história), ou “normalidade”, que certos autores podem ser vistos como “experimentais”, “vanguardistas”, “diferentes”, “artísticos”, e por aí fora. (Mais) 

9 de julho de 2015

Punisher, Black Widow, Deathlok. Nathan Edmondson et al. (Marvel)


Com o seu programa editorial Marvel Now, uma das maiores forças de produção da banda desenhada mainstream norte-americana, sobretudo de super-heróis (mas não só, já que a Disney e a saga de Star Wars tem entrado aos poucos na sua produção), tentou toda uma série de direcções novas, sobretudo apostando num grau de (possível) diversidade autoral, humores e estilos. É possível lermos títulos bem-humorados e frescos como Ms. Marvel ou Silver Surfer, espatafúrdios como The Unbeatable Squirrel Girl, de contornos cosmo-épicos como os vários Avengers de Hickman et al. Nesta paisagem, portanto, não nos surpreende que encontremos títulos mais “duros”, em termos de violência, e referências ao mundo real dos conflitos bélicos, o poderio industrial-militar, os jogos de poder político entre as potências, e todos os ditos “danos colaterais”. Ocupando esse território, destacar-se-iam os títulos escritos por Nathan Edmondson. 

7 de julho de 2015

Segredos na floresta. Jimmy Liao (Kalandraka)

E se a noite não fosse habitada por monstros nem inquietações ou ansiedade, e fosse simplesmente o momento de nos abandonarmos a uma fuga por entre paisagens, onde decorrem festas e encontros? Esta é uma pergunta que é colocada pelo homem desde que a consciência humana emergiu, provavelmente, e são os autores da literatura e do cinema infantil que mais têm respondido. O livro de Liao é uma outra dessas respostas. (Mais)

6 de julho de 2015

The King in Yellow. Robert Chambers e INJ Culbard (Self Made Hero)

Como havíamos indicado já na leitura da adaptação de The Dream-Quest of Unknown Kadath, de Lovecraft por Culbard, este artista britânico estava a trabalhar uma outra adaptação da literatura do horror fantástico, ou mais especificamente, da literatura weird. Aliás, estava mesmo a dedicar-se a um dos autores que é apontado como um dos seus progenitores: Robert W. Chambers. Apesar da alargada produção literária deste escritor norte-americano da passagem do século XIX, sobretudo numa veia romântica, é The Yellow Sign, de 1825, um volume de contos, a sua obra mais famosa. Por duas razões, estamos em crer. Em primeiro lugar, por ser uma enorme influência sobre H. P. Lovecraft, Derleth, e outros escritores que dariam continuidade à “mitologia” de Cthulhu, de Carcosa (o reino referido em Chambers), e as mesclas destes universos, iniciadas pelo próprio Lovecraft; em segundo, e mais recentemente, por ser uma das referências recorrentes, mas oblíquas, da primeira série de True Detective, de Nic Pizzolatto. Ei-la. (Mais)