Saiu a
lume, pela Barco Bêbado, a versão portuguesa do “romance”
(usemos a palavra e aspas, para já) de Julián Ríos, lançado
originalmente em Espanha em 1983, Larva.
Babel de uma noite de São
João. A um só tempo figura
fulcral de uma certa reinvenção pós-moderna das letras espanholas
e marginal
do seu status quo,
este é um daqueles livros que reformula estrutural e ontologicamente
a própria noção de género, senão de literatura.
A literatura nem sempre é literatura.
A
maior parte das vezes apresenta-se como um veículo que se pretende
disfarçar a si mesmo enquanto transparente, meio para um mundo
diegético que se forma algures nas nossas mentes de leitores e nos
faz crer que tão-somente o observamos através de uma janela,
continuando o programa de realismo de Alberti. Talvez mesmo aquela
transparência de que Walter Benjamin fala [Durchsichtigkeit],
e que se torna obsessiva ao longo do século XX, e a sua noção de
avanço tecnológico, regime da razão e progresso, ocultando a
barbárie que é o seu preço. Famosamente, no seu ensaio “O
contador de histórias” (“Der Erzähler”), Benjamin separa o
acto (oral) de contar histórias do da escrita de um romance,
colocando este não apenas dependente do objecto-livro e da história
da imprensa, mas desligando-o também da experiência tornada comum,
ou “vivência” (Erlebnis),
nascendo do indivíduo isolado, sem recurso à sapiência. Escreve o
ensaísta o seguinte:
“Escrever
um romance significa levar o incomensurável ao extremo, na
representação da vida humana. No seio da completude da vida, e
através da representação desta mesma completude, o romance oferece
as provas da perplexidade profunda dos vivos.” (mais)