10 de abril de 2005
Le Chant des Baleines. Edmond Baudoin (Dupuis). Cantar com o Desenho 1.
Alguns autores acabam por dedicar toda a sua vida criativa em meia-dúzia de “temas” ou “obsessões”, e é-lhes suficiente para uma aturada investigação "daquilo que querem dizer". Baudoin, mais uma vez, dedica-se ao seu último tema, a procura da música interna, do ritmo único que é possível retratar, que ele deseja retratar, nas suas bandas desenhadas. Aos poucos, é como se estivesse na plena consciência de que qualquer um dos seus textos contribuirá enfim para o seu próprio Poema Contínuo (Herberto Helder) ou para o Poema Universal (Shelley). De facto, cada um dos álbuns de Baudoin, sejam escritos por si mesmo como história ficcional ou autobiográfica (e para o autor as fronteiras são ténues), sejam escritos por outros autores (colaborações com Nadine Brun-Cosme, adaptações de Fred Vargas, ilustrações a Genet, Pasolini, Lautréamont), de ensaios (La Musique du Dessin) a lições para crianças (Questions de Dessin), parece estarmos como perante variações musicais de um mesmo tema, ou testemunhando as inflexões possíveis de uma mesma Ideia.
O protagonista tanto se pode confundir com o autor real, histórico, como com todos os outros protagonistas (inclusive os femininos) dos seus textos: alguém buscando qualquer coisa, perdendo outras e sempre com a mesma questão na cabeça (o tema), expresso na seguinte fórmula: "...comment dire, et surtout, pourquoi essayer?". Essa busca pelo "traço único" é, para Baudoin, a impotência, mas uma impotência que antes o lança na busca permanente, e não numa miserabilista derrota de si mesmo. É quase como se Baudoin tivesse uma intuição que o aproximasse de um pensamento filosófico atento às percepções humanas, às "dobras obscuras" que compõem a alma de uma pessoa (Leibniz e as lições de Deleuze sobre o primeiro), e as fosse explorando na constante inquietude da criação.
Na página 47, a personagem salta uma brecha nas montanhas, enquanto na sua memória (visível para nós leitores-espectadores), a sua mãe (que ecoou na velha da montanha) fala aos tomates do jardim. A vinheta central apanha-o nesse voo. Mais à frente, o homem sobre outra brecha, enquanto pensa em todas as mulheres que amou ou poderia ter amado... são revisitações constantes em Baudoin.
Há um ditado chinês que o artista cita várias vezes, qualquer coisa como "a vida é como quando um cavalo salta por cima de uma ravina". Quer dizer, é o efémero desse momento em suspensão que melhor representa a vida. Um efémero que possui uma musicalidade própria, e que Baudoin procura restituir. Cantando com o desenho.
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