1 de maio de 2005
Príncipe Valente 1943-44. Hal Foster (Livros de Papel)
Uma das possíveis maneiras de definir um clássico seria a atenção à sua capacidade de nos deixar sem fôlego. Não porque seja abusiva e nos consuma o ar que nos cabe no mundo, mas porque nos alerta subitamente termos mudado de atmosfera, e demorarmos tempo a encontrar um ritmo que nos ajude a sobreviver nela. É o mesmo que acontece no mergulho com garrafas: parece que precisamos de voltar a aprender a respirar, mas basta fazê-lo tal como o fazemos todos os dias, simplesmente fazemo-lo num meio diferente, todo um outro mundo. (Mais)
Ler “Obras Completas” de um autor “grande” participa sempre desta sensação esmagadora. Basta olhar para as lombadas dessas obras (exemplos ao acaso: as de Barks, as de McKay, as de Tezuka, as de Schulz) para sentirmos o peso que quase nos impede de avançar na leitura. Só depois de os ler é que descobrimos a espantosa leveza que nos oferta perante todo o resto do mundo (pois durante a sua leitura, todo o mundo outro passa a ser “resto”). Só tem medo dos clássicos quem os não lê.
O Príncipe Valente, ou Prince Valiant, de Hal Foster, nunca conheceu uma edição integral, até porque a série – como muitas outras dos syndicates norte-americanos – nunca conheceu o seu termo, narrativamente falando. É, porém, possível coleccionar a parte que cabe a Hal Foster, cf. a edição (50 volumes a cores, e a continuar) da Fantagraphics. Esta nova edição em língua portuguesa é, todavia, superior no aspecto gráfico (o papel, a impressão) e espero que seja de facto o primeiro passo da prometida saga (nos próximos seis anos!) pelos editores. Saga, não só pela história do jovem príncipe dos tempos do rei Artur (numa versão deliciosamente a-histórica, como todos os mitos o devem ser), mas pelas dores de cabeça que devem estar envolvidas na autorização, tradução, balonagem, restauração de pranchas, impressão, etc. Não é só através dos contactos com a King Features, algumas das pranchas são reproduzidas directamente da colecção pessoal de originais (as pranchas de jornal americanos, maiores que a minha mesinha de trabalho) de Manuel Caldas, um dos “carolas” da banda desenhada em Portugal e um dos editores deste grande volume (com José Manuel Vilela). A opção pelo preto-e-branco e não pela cor prende-se com um aspecto prosaico, mas pertinente: “é mais fácil fazer uma edição excelente a preto e branco do que a cores.” De acordo com Manuel Caldas, esta edição dedicar-se-á “'apenas' às 2244 pranchas que Foster escreveu e total ou parcialmente desenhou.” Está no seguimento das anteriores edições em Portugal, indicadas na badana, mas suplantará essas todas em vários aspectos – seja como for, será a única a que terei acesso mais fácil e prazenteiramente.
No fim desta edição, há uma pequena colecção de recensões. Numa delas, o crítico J.P. Boléo diz que este volume “não é para nostálgicos”, e isso é verdadeiro, porque é uma edição que nos re-apresenta Foster de um modo tal, que o mesmo nos surge como actual, legível, apreciável. Manuel Caldas chega mesmo a dizer, “quem não se tornar admirador do Foster com uma edição como a minha, nunca será capaz de o admirar”, e não soa a amor incondicional de editor, mas a aposta segura na qualidade.
O meu único conselho é que seja a leitura e o manuseamento desta edição a decidir, e que ninguém se guie por supostos preconceitos em relação a um determinado estrato da produção de banda desenhada. Pois como acontece em todas as artes, o fluxo de energias perenes faz-se por caminhos indescerníveis.
(Para adquirirem uma cópia, contactem Manuel Caldas, pelo mcaldas59@sapo.pt)
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