25 de junho de 2005
Barbara. Osamu Tezuka (Delcourt)
Esta é uma das séries mais “adultas” que Tezuka criou, juntamente com I.L (série também do início dos anos 70, sobre uma misteriosa mulher que se pode transformar fisicamente, e que se envolve em várias e estrambólicas estórias de amores de vário tipo, mesmo perversos; que eu saiba, ainda não traduzida no Ocidente), e com a excepção dos trabalhos semi-pornográficos. É óbvio que reduzo aqui o ser adulto a aspectos graficamente fortes ou a temáticas específicas, não só sexuais, já que se falasse antes de maturidade criativa, erigiria em primeiríssimo lugar Buddha, Os Três Adolfos e Phoenix. As referências são bem mais adultas no que diz respeito à cultura sua contemporânea: contestação política, o entretimento adulto no Japão, de bares a clubes privados, até mesmo à própria questão da liberdade e forças criativas de um artista.
De acordo com o autor, foram-lhe estes contos despoletados pela exposição aos Contos de Hoffmann, última ópera de Jacques Offenbach, ou seja, em curtas histórias de um ambiente lúgubre, envolto na dúvida do fantástico, e que sempre apontava para os recessos mais obscuros da alma humana. Porém, a redenção do amor está sempre esperando no final. Basta compararem ambas as obras para entenderem de imediato e sem esforço os pontos em comum. Um escritor de renome, Yôsuke Mikura, alberga em sua casa o que pensa ser uma jovem alcoólica sem-abrigo e sem rei nem roque, que se chama Barbara, uma hippie (com a cultura que lhe seria inerente no Japão dos anos 70, um dos aspectos mais datados). Ela apaixonar-se-á sempre por mulheres quase inatingíveis, mas sempre descobrimos que se tratam de ilusões macabras, pequenas comédias de erros: ou era um manequim, um animal, um fantasma, tudo erros atrás de erros... Mas a maior ilusão talvez venha a ser a própria Barbara, que o autor vai descobrindo e com quem vai ganhando uma mais profunda afeição. Nem sempre para o seu bem, como se entenderá. Há depois pequenas variações das ilusões que se lhe surgem pelo caminho.
Apesar do texto explicativo desta série do próprio Tezuka, incluído nesta versão (cuidada a este nível, com elucidativas notas), concordo com o editor em não entender que associação faz o autor japonês entre “Barbara” (mesmo na sua corruptela em japonês, “barubora”) com uma das musas da Antiguidade grega. De acordo com as características apontadas, parece tratar-se de Calíope – a mesma que Gaiman utilizou num dos mais auto-reflexivos episódios de The Sandman -, mas a estranheza do nome mantém-se. Aliás, esta aproximação com Gaiman não é de todo indiferente, se tivermos em conta que uma das linhas temáticas deste título é precisamente o perigo em procurarmos satisfazer os nossos desejos a qualquer custo, pois “o preço de os obter, de ter o que se deseja, é realizar o que se desejara antes” (como diz o Sandman de Gaiman num outro episódio, Sonho de uma noite de verão). E há outros detalhes que nos fazem aproximar o escritor Mikura, de Barbara, com Richard Madoc, o de Calíope.
Todas as características que tenho apontado a Tezuka se mantêm nesta série, ainda que com as suas especificidades, naturalmente. Há mais citações directas e indicadas, como será de esperar num livro em que passam escritores e literatura na sua parada habitual (e de certo modo criticados) Os enquadramentos são menos fantasiosos que noutros títulos já referenciados, mas isso apenas reforça o poder de quando surgem fora dos eixo costumeiros, retratando a vertigem de um autor com a sua própria (e necessária) loucura. Pergunto-me até que ponto Tezuka se reveria nesta sua personagem.
Gostei muito de "Ayako" do mesmo autor e na mesma colecção.
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