22 de julho de 2005
Terre de Rêves. Jiro Taniguchi (Casterman)
Pertencente à fase de trabalho a solo de Taniguchi – como quase todos os volumes desta colecção em particular – é natural que testemunhemos a lenta metamorfose de um autor que começara de forma mais convencional (Le Sommet des Dieux, Le Chien Blanco) para atingir o patamar de uma mangá mais pessoal. Se bem que toda a sua participação seja ficcional, ela será mais propriamente semiautobiográfica, já que parte das suas experiências pessoais, ou melhor, cai nessa categoria a que se dá o nome de “auto-ficção”.
Os primeiros 4 episódios desta recolha volita em torno de um período de tempo da vida de um casal trintão, que vive nos subúrbios de Tóquio (a escolha deste cenário permite a Taniguchi parecer revisitar essa poeticidade do subúrbio japonês, flores entre detritos e oportunidades de surpresa únicas, como nos filmes de Ozu, comparável também em termos de ritmo, apesar das linguagens diferentes – falo dos planos esvaziados de personagens mas não de menor intensidade), e a sua relação com três criaturas: o velho cão que morre, a nova gata, a sobrinha. E são os que revelam essa faceta cada vez mais pessoal do autor, cujo ápice, a meu ver e do que conheço, foi Le Journal de Mon Pére, apesar das adaptações das estórias de Utsumi Ryuichiro em L’Orme du Caucase esteja também próximo disso.
O último episódio não deveria sequer ser chamado de “episódio” nem de “capítulo”, já que não tem qualquer relação com os anteriores: é antes uma história separada, balizada pelo fantástico e é impossível não pensar em Le Sommet des Dieux (baseado num romance), já que também a protagoniza um alpinista em busca da sua ambição. Mas uma vez que desvia toda a atenção para um certo laivo de “grandes desafios, grandes recompensas”, escapa-se do tom humano que tanto o elevaram – longe irão os tempos em que se espera que repita a fórmula de Hotel Harbour View (com Natsuo Sekikawa, com quem não só criara uma série de hardboiled mangá como também a adaptação do clássico de literatura japonesa Botchan), na qual se juntavam a intriga de novelas de yakuza, amores ainda em chaga e um lento ritmo próprio da introspecção, mas que O Homem que Caminha (que se prepara para ser editado entre nós, nesta colecção aqui) preparou melhor e nos abriu os olhos.
Na feliz, ou talvez não, expressão de Fréderic Boilet, Taniguchi é um dos percursores da nouvelle manga. Terre de Rêves é, assim, mais um dos blocos que constroem essa imagem de uma mangá que nada deve às formas de rápido e inócuo entretenimento a que a maior parte das publicações se entrega.
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