1 de setembro de 2005

The Comics go to Hell. Fredrik Strömberg (Fantagraphics)


Segundo volume de um ciclo de pequenos livros profusamente ilustrados, uma espécie de guia, ou melhor, para utilizar a expressão do autor, “enciclopédia visual”, este é dedicado ao Diabo. Esta personagem de quase todos os contextos da existência humana, e que atravessa tantos avatares e facetas, tempos, geografias e culturas e crenças, não podia deixar de ser abordado pela banda desenhada, e como seria de esperar, das mais variadas formas, desde as mais iluminadoras às mais ridículas, das mais divertidas às mais chãs.
Strömberg é um escritor e especialista de banda desenhada sueco, mas este livro (tal como o anterior sobre a figura dos negros e o próximo sobre os judeus, o que une a todos como um estudo da figura do “outro” na cultura popular) é escrito em inglês. Esse inglês é escorreito, bem escrito e de fácil leitura, aparte alguns erros ortográficos e uma certa repetição frásica nalguns pontos. Esse inglês nunca me parece fruto de ter escrito o livro numa língua que não a dele, mas antes uma genuína preocupação em ser claro nas suas ideias.
O livro é basicamente uma recolha de algumas das representações do Diabo, ou de temas imediatamente relacionados com ele, organizadas em capítulos muito bem pensados. Face à sua escolha dessas representações, é sempre tentador a pulsão de acrescentar mais um ou dois exemplos que julgamos em falta, mas perante o trabalho feito, suficientemente alargado a um vasto espectro de produção, que atravessa variadíssimos temas, épocas, géneros, locais, propósitos (sem bem que haja uma inevitável inclinação para um ou dois pólos “centrais”), uma pesquisa que não só é inteligente mas divertida, e muito bem estruturada, esses eventuais acrescentos seriam algo altaneiros... A menos que houvesse esse convite directo.
É um livro bem informado, culto, informativo de forma impecável e de fácil consulta. Estando perante um assunto de uma extrema complexidade, há um pendor natural para a simplificação das questões, mas nunca o autor se torna simplista, e pode este até ser um excelente ponto de partida cujas pistas se podem seguir pela bibliografia apresentada, a quem o assunto interessar. Não há, portanto, pesos excessivos de erudição ou instrumentalização desse saber. Mas aí é que reside o hausto que poderia tornar esta numa obra mas acabada. Uma vez que não se trata de um trabalho académico, de análise profunda – aliás, o próprio autor confessa estarmos perante de uma pesquisa pop -, há uma certa falta de profundidade nos textos que acompanham os exempla. Uma análise circunstancial de um uso particular do demónio poderia relevar ilações bem mais interessantes. Num dos passos do Journal 4, de Fabrice Neaud, um amigo do autor discorre durante umas páginas sobre a ideia teológica e teleológica que subjaz à obra de John Byrne no famoso episódio do Julgamento de Reed Richards (ou Mr. Fantastic)... Essa análise é fascinante, e não há nenhum momento na obra de Strömberg que chegue a esse nível de discussão ou frutos. Não obstante, esta é precisamente uma obra que poderá representar um ponto de partida a essas discussões mais profundas. The Comics go to Hell é também um livrito com um design simpático, que o elege como excelente objecto de “mesa de café” (como dizem os americanos, “coffee table book”, ainda que seja para os modernos cafés apertadinhos, pelo tamanho do volume). Apresentando-nos as 1001 caras do Anjo Caído nesta bela arte que tanto prezamos, e atravessando quase todos os azimutes da sua este torna-se um compêndio interessante, quer para os analistas ou meros fãs curiosos, e até os satanistas de Domingo. Posted by Picasa

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