12 de outubro de 2005
The Amazing Joy Buzzards. Mark Andrew Smith & Dan Hipp (Image)
Há aqui uma certa convergência atenta a todo um vasto leque de cultura pop e urbana, desde pessoas que coleccionam bonequinhos do Godzilla até fãs do grupo Gorillaz.
Jim Mahfood e Paul Pope talvez sejam os percursores e os testas-de-ferro – salvas as distâncias e as singularidades entre os dois – desta leva de autores que opta por uma banda desenhada descontraída, sem grandes preocupações de profundidade, implicações, narrativas complexas, e dar-nos uma série de passatempos divertidos e cheios de referências díspares. Bom, admito que Pope terá um ou outro título de maior peso (The Ballad of Doctor Richardson, talvez), mas todos eles optam por levezas (no seu sentido mais imediato, “leviano”, não no de Calvino).
Os Buzzards são um grupo de rock (deste rock “novo” que vai desde os “Borrão” até aos “The White Strobes”, passando pelos “Francisco Fernando” e os “The Strikes”) empregues por uma agência análoga à C.I.A. que se dedica à captura e destruição de fenómenos paranormais (“Hey, também o Mign..cof! cof!”). A banda é composta ao milímetro como mandam as leis capitalistas da indústria fonográfica: um rapaz giríssimo, um intelectual de óculos e um simiesco, pouco falador, mas não por isso menos atractivo personagem. A esta fórmula de partida junte-se uma série de detalhes “cool” como terem como mascote/protector/amigo um campeão mexicano de luta livre místico que só eles vêem e é guloso à brava, fãs que se atiram literalmente ao grupo (ao vocalista), máquinas e esconderijos interessantes, anjos caídos, vampiros, robots (rosa), massas amorfas gigantes (Quarteto Fantástico, alguém disse?), pedras de roseta, ídolos amaldiçoados, o vazio cerebral de Hollywood, piadas sexuais e mortes fora de cena...
Tudo bem. Os elementos estão lá: um desenho dinâmico, mesmo na sua primeiríssima fase, algum grau de inventabilidade das pranchas (por vezes, porém, mais confuso que inventivo), diálogos a vários níveis de linguagem (mas que por vezes me lembram Jacobs por ser demasiado), etc. & tal... Mas uma obra de banda desenhada – ou doutro modo qualquer – não é feita como uma mera soma dos seus elementos. É, acima de tudo, necessariamente, um todo harmónico e coeso. Já tinha dito isto em relação ao livro de José Carlos Fernandes, a completude [holès] é imperativa. Mas ao passo que J. C. Fernandes consegue-o através da colação de elementos aparentemente (superficialmente) autónomos, Smith e Hipp não parecem fazer projectar toda esta sua colecção dos Buzzards como uma obra coerente. Também não é caso de “liberdade criativa” ou “construir à medida que se faz”... Há toda uma série de reparos internos à história que faz notar que desejam criar uma obra de fôlego, em que todos os detalhes se encaixariam numa imagem final. Bom, é certo que este é o primeiro volume e sabemos – temos pistas manifestas – que muitos dos nós serão desfeitos mais tarde. Seja como for, neste volume surgem pelo menos 4 episódios (não falo de capítulos) que pouco ou nada se encaixam uns nos outros. Aristóteles novamente, na Poética: uma intriga pode ser ordenada por episódios que se seguem, sem verosimilhança nem necessidade, uns atrás dos outros [met’allèla]; ou por episódios que se encadeiam uns nos outros, uns por ocasião dos outros [di’allèla]: só este último é que garante a verosimilhança, logo a sua coerência e completude. Infelizmente, é o primeiro caso, ordenado mas desunido, o que acontece em The Amazing Joy Buzzards. É tão divertido como fazer zapping por alguns canais: poderás criar algumas ligações internas entre as imagens, mas é sempre mais uma coesão circunstancial do que um traço interno.
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