25 de outubro de 2005
Pour une poignée de polenta. Vincent Vanoli (ego comme x). Histórias de dois semi-homens II.
Vincent Vanoli. Por um punhado de ideias.
Se bem que não é a primeira vez que VV se aventura pelo género autobiográfico, por onde passara com algumas páginas na publicação Lapin e em Sentiers Battus, e parecendo-me que estará mais à vontade com outros géneros que combinavam a ficção do maravilhoso a um círculo aparentemente banal da vida (sobretudo com L’Usine Électrique) é porém esta a primeira vez em que essa aventura é o mais completa e coesa possível.
Pour une poignée de Polenta apresenta cinco capítulos de tamanhos e temáticas desiguais, que tomados solitária e desassociadamente poderiam servir de histórias curtas, individuais, mas que fazem um todo: uma discussão entre que equilíbrio existirá entre o indivíduo, entidade separada e auto-suficiente, e a família como ideia de continuidade, fazendo deste livro um interessante relato no largo tema da memória e identidade. As raízes familiares, a memória dos outros como herança do próprio, as expectativas e as fantasias leves que elas proporcionam, está tudo aqui. Podendo ser o título ser traduzido literalmente por “Por um punhado de papa de farinha”, que é o que o seu avô paternal, lenhador italiano, recebia como pagamento diário, VV parece apontar para o punhado de ideias que tenta organizar neste novo livro.
Nas suas experiências anteriores, de histórias mudas (Giboulées) a adaptações de obras literárias (J’irai faire Kafka sur vos tombes?, a partir do romace de Michel Chevron e integrado na colecção do detective Le Poulpe da editora; e o Decameron de Boccacio), VV sempre apresentou um desenho muito estilizado, com as pontas dos narizes terminando num caracol, por exemplo. VV pertence a um grupo de artistas recentes que parece referenciar-se no Expressionismo alemão de Otto Dix ou num Murnau que tenha atravessado Cocteau – e isto é uma citação directa – referência que tem sido repetida várias vezes. Mas neste volume o desenho assume-se menos estilizado, apesar de não poderem ser considerados realistas e estar seguro que as suas figuras não agradarão a todos os leitores. O trabalho de um grafite carregado continua, tal como um certo minimalismo na disposição das vinhetas, sempre duas por prancha neste livro.
Não obstante o que disse até ao momento, de se tratar de um volume que se reporta ao autobiográfico, há momentos de escape, como quando surge um VV “italianizado” ou o último episódio, num hipotético futuro em que o autor se tornou um epígono do Imperial Disney. As imagens permanecem sempre no território do realismo, sem qualquer hipérbole, tirando um caso pontual das páginas 62-63 em que o protagonista surge conforme a fantasia do momento o ordena.
Conclusão: Ambos os autores, cada um à sua maneira, vão preenchendo mais uma variação do grande tema da “vida normal”, da “de todos os dias”, tradição cada vez mais respeitada e cujos avatares na bd se multiplicam. E esse respeito a um eventual cânone não diminui o interesse nem a relevância destes novos trabalhos. (Esta parte foi antes publicada na revista Número, depois da parte sobre Huizenga).
Sem comentários:
Enviar um comentário