22 de dezembro de 2005

Same Difference and Other Stories. Derek Kirk Kim (Top Shelf)


Este livro já tem pelo menos dois anos, o que escapa a uma das regras impostas neste blog, de apenas falar em edições recentes ou reedições caso se trate de um novo acesso ao mesmo “texto”. Se as excepções ajudam ao reforço, que assim seja. A minha edição, porém, é mesmo de 2005.
Derek Kirk Kim é um dos mais profícuos autores cuja obra ganhou larga publicidade através da internet, graças ao seu site. No entanto, esse argumento não trará nada de surpreendente e específico em relação às potencialidades da internet sobre a feitura da banda desenhada. A sua produção era conforme uma eventual futura publicação em papel, não obstante as “pranchas” serem apresentadas num longo (ainda que em capítulos) “rolo” que se tem de “scroll down”... (Dois exemplos da forma como se podem apresentar bandas desenhadas de uma forma específica à net podem ser vistos em dois espectros opostos, desde uma simples disposição gráfica das vinhetas numa montagem, como a Chan Woo Kim, de Kevin Huizenga (repescada em Or Else #3) e a criação de conteúdos impossíveis de repetir numa edição em papel, como Delta Thrives: Set the controls for the heart of the sun (e as outras obras no site), de Patrick S. Farley).
Como se poderá confirmar na cronologia que o próprio autor apresenta, este livro apresenta trabalhos que vêem desde 1997 até fins de 2003. E verificarão também, de acordo com essas datas indicadas, a natural e visível “evolução” do traço do artista. Escrevo evolução entre aspas, pois na verdade não sei se estamos perante uma transformação irreversível, de um “avanço” e “melhoria” ou simplesmente frente às várias capacidades gráficas, aos “estilos” a que Derek Kirk Kim se pode entregar. Por isso encontrarão sobretudo três “estilos”: um mais abonecado, com grandes metáforas visuais, corpos flutuando acima do solo ou seguindo vários estratagemas clássicos (à la Barks, apetece dizer) – assim, Valentine’s Day, The Shaft, etc.; um outro, bastante mais próximo da referência com o real - Super Unleaded (que parece ser escrita sob a égide de Adrian Tomine); e outra com um traço solto, de compromisso entre as duas opções, ora inclinando-se para o pendor mais realista – Pulling – ora cristalizando-se numa forma leve – Same Difference (que o colocará numa família grande, quer americana – Bob Fingerman, Chester Brown – quer francesa – David B., p. ex.).
Mas não só os estilos gráficos diferem. Também os tons e os propósitos das histórias, cheios de humor a maioria das vezes, sejam sub-tematizados pela autobiografia ou absolutamente ficcionais (e aqui utilizando o que parecem personagens tentativamente regulares ou não, etc.), e outras mais “sérios”... Há mesmo uma série de multiplicidades e níveis de diferenciação que tornam este livro mais interessante por essa razão do que pela sua coesão autoral propriamente dita. Same Difference, apesar de ser um título da primeira (e mais bem conseguida) história, e ter aí um sentido muito especial, assume assim outra leitura mais geral.
A verdade é que se cada história encontrará seguramente o seu leitor ideal (existirá?), a junção delas todas num só volume pode levar a que os valores instituídos por uma delas seja anulado pela leveza de uma outra. No fim, termina-se com um estranho gosto de uma salada mal casada, pois os valores em causa não se multiplicam entre si. Penso que se Kim tivesse editado apenas Same Difference numa só publicação, menor mas necessariamente mais coerente, porque una, teria ganho uma atenção redobrada e mais sentida.
A vida dos autores coreano-americanos é muito complicada, associada a uma diáspora forçada pela Guerra de 50 e anos seguintes e a miséria que se seguiria nos 20 anos seguintes (o número de crianças adoptadas por cidadãos norte-americanos, canadianos e europeus na década de 70 é, no mínimo, assombroso). Por outro lado, não é insólito encontrarem-se em situações que repetem umas das piadas mais conhecidas de King of the Hill, série de animação de Mike Judge (autor de Beavis & Butthead); quando Dale se aproxima de um migrante do Laos, pergunta-lhe: “És chinês ou japonês?”, ao que o outro responde vir do Laos; Dale pensa um segundo e depois pergunta-lhe: “Então és chinês ou japonês?”. É como se os nossos cérebros e referências culturais só tivessem lugar para um ou dois clichés e ideias e não pudessem acreditar na existência de outras opções mais complexas... Existem mesmo grupos de autores (artes visuais, fílmicas, etc.) que se juntam para que exista uma presença e afirmação mais forte das suas especificidades... É óbvio que existirá logo um argumento contrário a esta atitude, que pode ser vista como nacionalista ou demasiado grupal, um argumento mais inclinado a uma importância pessoal, individual, enfim, a única forma que teremos alguma vez de ler o trabalho de um artista forte e significativo. Talvez pareça estar a perder tempo nesta questão, mas para Kim – o que também não é surpreendente – a afirmação nacional e cultural é importante, se não mesmo central. Não atingindo níveis politizados elevados, ou que mostrem alguma profunda crise, uma espécie de corte violento na sua personalidade, mas antes revelando-se até como bem disposta fonte de felicidade, essa é uma questão que não está longe de quase todas as histórias aqui reunidas, sobretudo na primeira, ainda que mais velada do que nalgumas outras seguintes.
Estando todas estas histórias disponíveis no seu site, não há qualquer mais valia em relação à sua edição em papel, nem qualquer refazer ou recriar, por isso trata-se tão-somente de uma transposição a um outro leitorado... Ainda assim, merecerá a atenção este jovem autor que, não sendo um inventor ou um arriscado experimentalista, mostra alguma proficiência na aplicação dos mecanismos mais clássicos da construção de uma banda desenhada. Posted by Picasa

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