16 de fevereiro de 2006
As Inusitadas Aventuras do Capitão Vega. Richard Câmara (Revista Vega)
Há vários troços de pensamento que se entrançam ao ver as duas primeiras pranchas do "Capitão Vega", que começou a ser publicado na revista Vega (no.19):
1. Usualmente, revistas especializadas, quando convidam alguém para providenciar uma ou duas pranchas ou uma tira de banda desenhada, contentam-se com trabalhos medíocres que se mantenham num humor relativamente "limpo" ou "encurtado", e cujas personagens pouco ou nada dizem a quem não participe desse universo concreto. Não valerá a pena dar exemplos nacionais, que existem, mas fique-se pelo nicho de Dilbert e companhia... A Vega, uma revista especificamente dedicada à empresa náutica, aos desportos e lazeres do mar, às aventuras e negócios que as ondas proporcionam, das ciências às políticas que com ele se relacionam, enfim, a tudo o que meta água da melhor forma..., resolveu abdicar dessas expectativas e mercados feitos e lançar mãos a um projecto inédito e de franca qualidade. (Poder-se-ia falar do trabalho de Cotrim e Burgos, ou de José Carlos Fernandes no Diário de Notícias, mas falo de revistas especializadas, nichos muito específicos, atenção!)
2. Outra fraqueza dessas bandas desenhadas é a falta de um verdadeiro interesse inventivo formal e gráfico, e deixam-se num patamar pouco exigente. A escolha de Câmara apaga essas preocupações.
3. O convite a Richard Câmara é extremamente louvável e fresco, pois arriscam-se, ao convidar um autor tão dedicado e cheio de recursos, a permitir a existência de uma força grande, a qual - não obstante o valor e o público-alvo da revista - pode não coincidir com os propósitos originais da publicação. Nem todos os interessados em banda desenhada comprarão a Vega pelas pranchas de Câmara nem todos os interessados em assuntos náuticos apreciarão o seu trabalho. A mistura de públicos é, todavia, o melhor dos passos. E seguramente que, após este ano, reunir-se-ão estas pranchas num volume, espero.
4. Já antes falara aqui, brevemente, de Richard Câmara, a propósito da sua participação num projecto colectivo. O seu trabalho ainda se encontra num círculo relativamente restrito de publicações, mas de também relativo fácil acesso, e o seu blog ajudará a compreender a vastidão do seu trabalho.
5. A esmagadora maioria do seu trabalho revela preocupações formais interessantes, quase-oubapianas, que se revela numa grande afinidade com o trabalho de um Lewis Trondheim, por exemplo, mas onde explora o seu franco talento para criar personagens de fácil leitura mas que contêm em si uma grande expressividade. Promete-se já um grande projecto, Al-Medina, para o futuro próximo. Estas aventuras do Capitão Vega parecem colocar as maiores inventabilidades de lado, entrando por um caminho mais clássico, mas não displicente, um pouco como Pedro Nora adaptara as suas experiências gráficas a outro tipo de comunicabilidade nos seus projectos com João Paulo Cotrim. Não se trata, absolutamente, de um "descer a bitola", tão-somente de uma adequação dos meios ao propósito.
6. Parece-me que se procura criar aqui um ambiente de entusiasmo infantil, maravilhado com o mundo natural e com o mundo das histórias, mais análogo ao Spiral-Bound de Renier do que de um projecto mais dirigido como Ariol, de Guibert e Boutavant. Assim, Richard Câmara está na continuidade do seu Capuchinho Vermelho, por exemplo...
7. Assim, com Vega e a sua companhia, mesmo que pouco e aos poucos, Richard Câmara vai fabricando um ponto forte para a emergência de uma tessitura muito mais interessante de uma banda desenhada mais acessível mas que mantenha uma qualidade gráfica e narrativa visível, situação que me parece ser quase inexistente em Portugal, mais forte em "projectos artísticos" do que em "projectos comerciais".
8. O autor, trabalhando em vários tabuleiros ao mesmo tempo - mais uma vez, como a banda de L'Association - faz com que as suas forças, qualidades, intensidades, transitem entre todos eles...
Vou colocar uma chamada de atenção para este excelente artigo ('tá bem! post!)no Buraco da Rechadura (http://chavedoburaco.blogspot.com)
ResponderEliminarCumprimentos.
Zé Oliveira
Obrigado, Zé Oliveira, pelas suas palavras e o link. Aconselho todos a ver os seus blogs, sobretudo o sobre Lumege. É uma forma de pessoas da minha geração - filhos imediatos de quem fez a guerra mas pouco dela fala - (re)descobrirem parte de uma memória a não apagar...
ResponderEliminarObrigado!