13 de maio de 2006
The Envelope Manufacturer. Chris Oliveros (auto-edição)
Chris Oliveros é reconhecido como sendo o editor da Drawn & Quarterly, uma das melhores editoras da América do Norte (é do Canadá, por isso falo aqui do conjunto geográfico) contemporâneas de banda desenhada e talvez a que mais claramente revela uma influência de “sabor europeu”. Menos imediata (e errática) é a sua própria carreira como autor de banda desenhada, escritor e desenhador. The Envelope Manufacturer é a sua “obra”.
O primeiro episódio-livro, de pequenas dimensões, saiu em 1998. por razões sobejamente conhecidas ou facilmente imagináveis, e também típicas da “small press”, diga-se de passagem (por razões económicas, sociais e de dedicação pessoal), só este ano podemos testemunhar o aparecimento do segundo. De acordo com o autor, “o terceiro e último episódio estará pronto antes do final deste ano. Por isso serão oito meses entre os números, em vez de oito anos” (email pessoal). Surpreender-nos-á, talvez, o facto de que The Envelope Manufacturer não é publicado pela D&Q, mas que tenha sido auto-editado. Revela ainda Oliveros que via isso como uma espécie de conflito de interesses, o que me parece um gesto de humildade, desarrogância, elegância para com os outros (excelentes) autores que publica, e necessidade de afirmação “sem favores”, tudo ao mesmo tempo. Provavelmente depois de os ter prontos, reuni-los-á num formato comercial e tentará que seja publicado noutra editora, que não a D&Q.
Tal qual o título indica, esta é a história de um fabricante de envelopes, Jack Cluthers, dos vários pormenores da sua empresa, da sua relação com os empregados e clientes, e o esforço contínuo em manter o negócio num nível satisfatório de sobrevivência. Tudo isso sem grandes clímaxes, tramas complicadas ou “sub-plots” desnecessários. É mais um retrato que uma acção coesa. Jack Cluthers fala sozinho, imaginando situações de êxito comercial, e não fala quando se lhe dirigem ou quando deveria fazer a sua presença sentida num qualquer contexto. Ele vive a sua vida, sobretudo a profissional (onde se centra a atenção do livro), mas como se pairasse sobre ela, mergulhando de quando em vez em alternativas que sonha de olhos acordados.
Este desvio da realidade é mantido pelas próprias estratégias visuais, especialmente quando a vinheta representa não a personagem que está a falar (a cauda do balão segue para fora do “enquadramento”) mas o espaço imediatamente ao lado, do outro lado, ou num outro lado qualquer. Não se trata de um “olhar subjectivo” de uma das personagens vogando pelo espaço, é mais próximo de uma espécie de “distracção” do narrador (o seu foco visual que compõe as imagens das vinhetas) que se descentrasse e escapasse do centro nevrálgico da acção.
Em muitos aspectos, mesmo formais, o trabalho de Oliveros poderá recordar Ben Katchor, pela sua atenção a uma “vida de esquina” inserida numa grande cidade, mas o seu foco pausado e quase trágico de um pequeno negócio apontará também na direcção do Seth de Clyde Fans. Entre estes três artistas, paira uma nostalgia gráfica por estilos arreigados à década de 40 (o vestuário, a arquitectura, os automóveis), mas que subsiste como um fantasma na contemporaneidade. Naturalmente, é esse “fantasma” que toma corpo nesta(s) narrativa(s), e a contemporaneidade que se dissipa paulatinamente no fundo.
Para terminar, e para uma espécie de contributo para a questão da auto-ficção e/ou da mistura da autobiografia e da ficção, a uma questão simples, Oliveros respondeu: “É uma obra de ficção, apesar de não poder negar que as realidades financeiras da edição serviram, até um certo ponto, de inspiração para a criação do livro”.
Nota: houve uma diferença significativa do primeiro para o segundo número quer em termos de traço das figuras (agora mais finas, mais estilizadas) e de papel (mais branco no segundo), que poderão levantar questões interessantes em termos de "evolução" e de "ambientação" (até directamente relacionadas com o tema do livro). Esperemos pela colecção.
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