17 de agosto de 2006
La Nouvelle Pornographie. Lewis Trondheim (L'Association)
Gostaria que todos aqueles fãs de banda desenhada erótica (na verdade, semi-pornográfica e de uma atroz qualidade artística, independentemente do seu sucesso por entre as “massas”) pudessem receber este pequeno livro em suas casas (ou os espaços onde lêem essas obras, já que se protegem, ou à sua leitura, dos olhos dos outros).
Todos sabemos que a excitação – uma reacção física, sem dúvida, mas onde participa todo o ser - está sempre mais na imaginação de quem vê do que nas intenções ou acções do objecto de desejo – o que traz grandes problemas e mal-entendidos quando não há desejo correspondente, ou nem sequer desejo num dos pólos, e que se reveste em situações mais ou menos graves. A esmagadora maioria das bandas desenhadas que se dedicam a este território acabam por ser pouco inteligentes, preferindo jogar num campo de expectativas baixas (falo das revistinhas de banca, mas também dos Serpieris e Manaras ao molho). Na minha perspectiva, apenas Guido Crepax conseguiu sublimar, jamais saindo do campo do erótico (mas um erótico cultíssimo e educadíssimo), a sua arte numa franca experimentação de estratégias gráficas, territórios artísticos, complexidades narrativas, etc. Havendo divertimento no campo, prefiro apontar coisas tão tresloucadas e “diferentes” como a série de livros Dirty Stories, True Porn, Birdland de Gilbert Hernandez, ou então absolutos exageros como Bondage Fairies de Kondom (Teruo Kakuta).
Aliás, nessa diferença e elevação de expectativas, penso especificamente na participação de Renée French, a única que apresentou um grande desvio em relação à representação directa do sexo e preferiu sublinhar esses interstícios onde é a mente mais perversa que consegue encontrar carga erótica no mais simples e cândido dos gestos quotidianos. E mentes perversas podem muito.
Lewis Trondheim estabelece aqui um fantástico exercício ao apresentar pranchas seguidas de pranchas (pequenas, já que este é um volume da Patte de Mouche) onde apenas vemos, superficialmente, figuras geométricas mutando de forma – recordando outro dos seus exercícios formais anteriores, Bleu. Já sabemos também que pornografia e erotismo têm por vezes fronteiras muito diluídas, e podem andar de mãos dadas de formas conturbadas e inovadoras. O recentemente publicado A Vida Sexual Secreta de... Catherine Millet (Asa), directora da Artpress, aponta para o facto de que a existência de sexualidades selvagens e indomadas pode existir a par da mais profunda, ampla e subtil das culturas ditas “altas” (não é assim tão surpreendente como isso, só que é pouco público).
Trondheim resolve chamar a cada “estória” Figures (“figuras”). Se bem que não terá mais associações senão o facto de que se apresentam sob a forma de, precisamente, figuras geométricas, é bem possível que Trondheim as esteja a apresentar como uma sublimação de uma pesquisa sobre as variações possíveis da sexualidade, e como elas podem ser agrupadas em “classes” organizadas – assim ecoando os vários volumes de Figures, de Genette, pesquisa a que me referia, ainda que noutro território (o literário). E não deixa isso de fazer sentido, se repararmos como os vários “episódios” ou “estórias” terminam na última figura, totalmente diferente, e que serve não só de pedra de fecho de toda a estrutura, como as recoloca num outro relacionamento entre si – até moral, já que o “fim” do sexo foi a “reprodução”...
O livro, ainda que heterossexual (afora um episódio), mostra ser equilibrado na felicidade sexual, já que a alegria feminina está constantemente presente num “sorriso” e a masculina na costumeira, ainda que redutora, “explosão”. Não se surpreendam com reacções físicas mesmo presente estas figuras, já que neste caso a imaginação estará a providenciar os espaços vazios com muito mais informação nossa do que os exemplos mais clássicos do “frenesi do visível” (Linda Williams).
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