3 de setembro de 2006
El Circo del Desaliento. David Rubín (Astiberri)
“David Rubín é responsável por vários trabalhos de banda desenhada que têm sido editados em revistas, fanzines e jornais galegos desde o início deste novo século. Conhecido do grande público desde o surgimento da série ‘Os Kinkilláns’, publicada no suplemento de banda desenhada Golfiño do jornal La Voz de Galicia, Rubín foi também um dos fundadores do colectivo Polaquia, projecto incontornável na banda desenhada galega contemporânea e muito responsável pela internacionalização de alguns dos seus autores mais recentes, bem como por projectos editoriais como o fanzine Barsowia ou o Colectivo Chapapote (aquando do desastre do Prestige). Para além da banda desenhada, David Rubín trabalha também na área da animação, tendo assinado algumas curtas-metragens e vários spots televisivos.” (Sara Figueiredo Costa).
Em suma, David Rubín é um actor central na cena da banda desenhada galega, e que assim não deve ser subestimado, mas o seu peso começa a sentir-se numa área bem mais alargada, graças às edições simultâneas em castelhano (apesar da Astiberri ser basca) e até em português, já que se prevê uma edição de Onde ninguén pode chegar (não é gralha, é galego) na Polvo, a maior história que Rubín produziu até à data (53 pranchas), que lhe angariou um destacado prémio em Espanha e que se estreia nesta antologia que aqui se apresenta. Desconheço se a edição da Polvo corresponderá ao total de El Circo del Desaliento ou se apenas essa história.
El Circo... reúne um total de 11 histórias, a já indicada sendo a maior, as mais pequenas tendo 2 pranchas, algumas éditas outras inéditas; e ainda se apresenta um prólogo e um epílogo em banda desenhada que cercam todos os trabalhos do autor, por mais díspares que sejam, numa única vontade autoral (ainda que A balada estúpida do neno gaivota tenha argumento e texto de María Lado), e ainda textos de Miguelanxo Prado e Carlos Portela sobre o autor e a sua obra. A eles me acrescento e para eles remeto.
Como disse, apesar de algumas das histórias se revestirem de um humor relativamente simples e até de um formalismo próximo do da banda desenhada infantil (El Fulgor Blanco, de que se apresentam duas vinhetas, recorda-me trabalhos na veia de um Aaron Renier ou o C. Thompson de Chunky Rice) e outras bem mais próximas de um realismo muito estilizado e distorcido que recordará alguns dos artistas principais da Oni Press, como Scott Morse, Troy Nixey, Andy Watson ou Jim Mahfood, e ainda Paul Pope. Existem muitos autores portugueses com estas qualidades, se bem que a sua exposição não tenha sido a mais merecida: indicaria apenas a título de exemplo e sem detrimento aos demais os nomes de Paulo Monteiro e Jorge Coelho. Trata-se de um traço claro, que não deixa dúvidas dos objectos em questão, muito dado à evidente expressividade de cada personagem em cada circunstância particular, revelando um grande respeito e preocupação pela máxima legibilidade das histórias a que se propõe, mas que ainda assim se abre a um espaço dedicado e particular de estilo pessoal, de marca própria, e de torções sobre esse realismo de base. No caso de Rubín essa torção passa por uma clara influência por uma banda desenhada japonesa – não só pelas referências mas pela presença de linhas dinâmicas e de explosão de acção – e um substantivo uso de tramas e traços para criar sombreados de grande dramaticidade.
Pois no fim de contas estas histórias são pequenos dramas. Não obstante as personagens jamais se repetirem – e parecendo por vezes experiências de personagens “a ver se pega” para aventuras futuras – todas elas se assemelham não só por certas características físicas (que coincidem com as do autor-enquanto-personagem, v. prólogo & epílogo e capa) mas também por certas formas de estar na vida, próximas de um clássico “anti-herói” ou de um “homem de boas intenções contra o mundo”. A ideia do “anti-herói” é por demais óbvia na recorrência a um imaginário dos super-heróis, colocando-os porém num ambiente de sofrimento amoroso, de relações difíceis ou impossíveis, mesmo que causadas pelo próprio, como se fosse dado mais lastro ao peso de “Clark Kent” do que ao de “Kal El” nestes heróis... Mesmo as histórias em que surge uma maior ênfase numa poeticidade matizada a bílis (As vosas almas apestan, A sombra xigante que me afoga, e Que se lo coma el salitre) partilham-se essas mesmas características de personagens “pop” ou “míticas” em situações dolorosamente realistas e banais ou simplesmente na equação da impossibilidade da comunicação real entre dois seres humanos. Apenas numa se prova o seu contrário, Las Sínfonias Congeladas, também inédita, e a meu ver, a mais bela história aqui incluída, pelo que se inclui uma prancha completa). Mas tudo isto soa bem mais pretensioso que as histórias de Rubín, que acabam por ser desafectadas de um maior peso pela leveza com que se estruturam, um ritmo muito calmo, excelentemente plasmado ao mesmo que seguimos ao virar as páginas.
Estranhamente, é a primeira e mais longa história, Onde ninguén pode chegar, aquela que se apresenta com um menor fulgor gráfico, e que até apresenta em certos pontos exageros de dramaticidade (o ataque de fúria do marido, as explosões emocionais de Ana, a aparente falta de vontade de Ulyses, a sua auto-comiseração e depois a sua satisfação adquirida) que não estavam previstos nos contos mais curtos e anteriores incluídos neste livro. Não estando presentes a um experimentador ou um inovador da linguagem da banda desenhada, é uma excelente e bem-disposta obra de quem sabe que, por vezes, saber contar boas histórias é uma grande vitória.
Nota: agradecimentos a Sara Figueiredo Costa, por ter aceite escrever o texto que usei acima como introdução.
Sem comentários:
Enviar um comentário