3 de setembro de 2006
La Torre Blanca. Pablo Auladell (Edicions de Ponent)
Pablo Auladell, autor espanhol relativamente jovem cujo trabalho se tem desdobrado mais no campo da ilustração, a qual é muito interessante e com um estilo que, a um só tempo, se associa a uma continuidade de trabalho de outros artistas e é muito pessoal, do que na da banda desenhada, cujo El caminho del titiritero recebeu grande atenção, e é um autor sobre quem já tive oportunidade de mencionar.
La Torre Blanca está na continuação de outros trabalhos de Auladell, sobre a visita que é possível fazer à infância, e até no modo como faz acompanhar o protagonista por uma outra personagem totalmente fictícia, imaginária (isto é, na mente do protagonista): um unicórnio inchado que serve de metáfora à incapacidade de regressarmos às origens de um tempo perdido.
A associação entre títulos diferentes torna-se importante, pois julgo ser necessária uma contínua busca de uma historicização crítica da banda desenhada; essa associação, no caso presente, parece-me ser clara, ainda que vá buscar dois exemplos da banda desenhada britânica: A Small Killing, de Alan Moore e Oscar Zarate, e Mr. Punch, de Neil Gaiman e Dave McKean. Em ambos os casos, estamos perante obras de arte acabadas e redondas que trabalham sobre as relações que os adultos estabelecem com as suas memórias de infância, e o peso que elas exercem sobre os desejos do presente, sobre as responsabilidades que se ganham perante essas memórias, e o modo através do qual elas são empregues para poder avançar na vida. É com a primeira, A Small Killing, que os ecos se tornam mais densos, uma vez que é um erro de percepção das memórias o que está em causa também em La Torre Blanca. Ou um malentendido que se herdou na vida.
O protagonista balança-se na consciência de que a salvação do tempo que passou é impossível e nas contínuas tentativas em resgatá-lo. La Torre Blanca, enquanto espaço, é o palco onde tanto se pode descer como subir nesse caminho. O balanço e o reequilíbrio é até o tema deste livro.
Há uma escolha formal de Auladell clara, que qualquer um de nós verificará por si: existem páginas a preto e branco (e alguns cinzentos, e ainda os lábios da “Medusa”) e outras a cores (ainda que primárias, pouco vivas como sob uma patina de pó). Essa escolha formal está associada, como entenderá qualquer pessoa que leia o livro, a dois momentos diferentes da diegese: as a preto e branco ao “presente”, ao momento em que o protagonista revisita enquanto adulto a estância de Verão da sua infância, as a cores ao “passado”, as memórias revividas dessa mesma infância. Não me parece que Auladell faça aqui uma crítica às memórias (como é explícito em A Small Killing, outra vez por exemplo), nem que queira fazer redescobrir “segredos” esquecidos (como Mr. Punch), e muito menos fazer confrontar o protagonista com essas memórias: este deseja pura e simplesmente tentar a sua sorte mais uma vez, procurar um fio perdido nessa infância, comprovar se um desejo incumprido poderia ainda ser resgatado. Nada disso é atingido, obviamente. A não ser que se veja o cumprimento através do sucedâneo (Medusa) como a única recompensa possível. A última palavra do “presente” revela não só a sua relação com o “fulgor do passado”, mas define o próprio protagonista: “incapaz”.
Nota: agradecimentos a Richard Câmara, por mo ter trazido, e a Filipe Abranches, por ter insistido a que tivesse mais atenção a Auladell.
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