13 de setembro de 2006
Eternals. Neil Gaiman e John Romita Jr. (Marvel)
Não tendo esta série terminado, corremos o risco de ainda virmos a ser surpreendidos por uma fulguração final. No entanto, o leitor não deve ficar refém da esperança numa resolução final, na qual todos os elementos inertes de uma narrativa se encontrem e sobre a qual convirjam, mas antes embrenhar-se, imbricar-se, perder-se na imediatez e força desses mesmos elementos. Ora isso não ocorre em Eternals.
Não há dúvida de que os melhores livros de Neil Gaiman (de banda desenhada) – tomando como critérios precisamente uma coesão interna e um propósito concertado e orgânico da trama narrativa, a permanente presença da sua voz autoral, e uma profunda relação de existência indestrinçável com os desenhos – são os seus mais antigos títulos: Violent Cases, Signal to Noise e, quiçá mais significativamente, Mr. Punch (a editar em Portugal). A série The Sandman (editada entre nós pela Devir) é um caminho longo, que revela grande esforço, quer da parte de lá (criativa, editorial, de adequação de artistas) quer da parte de cá (uma infinita espera paciente dos leitores por um sentido, que apenas retrospectivamente beneficia a série na sua completude).
Depois, existe em Gaiman o justamente oposto em termos da presença da voz, onde esta se apaga quase por completo reduzida a simples “ideia”, descarnada e perseguida com os mais medíocres dos instrumentos e estratégias: foi o caso do Marvel 1602, é o caso agora de Eternals (é notável que estas duas instâncias de redução a “ideia” se dê precisamente na editora conhecida como “Casa das Ideias”).
É verdade que já ninguém retorna aos momentos em que se aproximavam Gaiman e Moore para trabalhar o sentido de cada um dos autores; mas o seu cotejamento, aqui, ainda se torna pertinente por tomar em conta o facto de ambos trabalharem um território quase coincidente, pelos seus projectos de escrita serem relativamente contíguos, e pela atitude de ambos partir de um pressuposto idêntico, mas rapidamente divergir. Se as duas primeiras características são de fácil, senão óbvia, verificação, esclareça-se a terceira.
Parece-me que Gaiman é demasiado consciente (“self-conscious”, diz-se em inglês) do cruzamento de uma cultura erudita, da literatura de língua inglesa, da pressão e estilos experimentados nessa área (conhecimentos que Gaiman tem academicamente e deixo a outros a discussão se os seus romances os possuem) e os “livros aos quadradinhos”. Mas se Alan Moore é bem mais descontraído nesse cruzamento, nesse casamento, procurando que valores e forças poderão nascer no interior das tradições específicas da banda desenhada, e possui um elemento-chave inestimável, o humor, Gaiman parece seguir preferencialmente, e para manter a imagem do casamento, pela conveniência, acabando antes por nos ofertar um convívio de dois cônjuges que acabaram juntos pelas forças da circunstância e se vão aturando, a mal ou a bem, mas sem qualquer tipo de entrega amorosa ou programa de construção comum...
Se bem que não estejamos perante material de primeira água com The Eternals, série a que Jack Kirby deu à luz e a lume, a sua reutilização poderia ter criado uma narrativa forte e até de sentidos últimos para com o “Universo Marvel”, esta série de Gaiman e John Romita Jr. (que não parece ter herdado os valores do pai, mesmo que normativos, mas antes seguir um estilo despersonalizado contemporâneo do mainstream norte-americano, demasiado influenciado por uma mangá crassamente comercial) acaba por ser, não enigmática, mas pobremente elíptica, apontando mais a “segredos a desvendar” do que realmente a criar uma vontade encadeada em seguir os sucessivos desvendamentos e lento emergir da teia de relações entre os dormentes “Eternos”, espalhados em papéis terrenos e alheios aos desígnios dos seus inimigos. Mais, se Kirby (e outros autores) tinham desculpa – sociológica, histórica, política – em estarem mergulhados num maniqueísmo gritante, Gaiman tem uma responsabilidade mais alerta, logo, uma maior falta ao manter esse mesmo nível nesta sua exploração deste universo diegético. Mais uma vez, Moore fazia o mesmo, mimando o género, amplificando essa política até à ruptura total no ridículo. Gaiman parece manter o status quo.
(Nota: a imagem, desta feita, não é da publicação, que vai no 4º número de 6, mas de material promocional; as capas correspondem somente aos dois primeiros números)
Eu estou totalmente insano para ler isto...
ResponderEliminarafinal neil gaiman é oootimo !!!
eu estou lendo atualmente o belas maldicoes... hilario !!
Olá, Dr. Suicide... Eu não digo que Neil Gaiman não é "oootimo", mas cinge-se essa exceleência a meia-dúzia de outros títulos. O "Eternals" vai no seu quarto número e mantenho o que disse; não deixa de ser um título para jovens, mas pouco mais, e constrói pouco em Kirby. Não sei qual é o "Belas Maldições": a que título em inglês corresponde?
ResponderEliminarObrigado,
Pedro