
A proximidade da figura de Taniguchi e de Boilet vai dando frutos em termos editoriais, já que se nota por este título a rapidez com que um trabalho tão recente do autor japonês encontra a sua edição francesa. Mas isso não significa que o autor de O Homem que Caminha e da enorme e bela adaptação da saga literária Au Temps de Botchan mantenha sempre o mesmo nível das expectativas criadas por essoutras narrativas. Un Ciel Radieux parte de um expediente relativamente comum na ficção do fantástico no Japão: duas pessoas à beira da morte, e em que a alma de uma ocupa o corpo da outra (o mesmo se verificou num filme intitulado Segredo, de 2000, realizado por Takita Yojiro, em que a alma da mãe ocupa o corpo da filha). Nesta história em particular, essas pessoas são o jovem Takuya Onodera e o pai de família Kazuhiro Kubota, morrendo o corpo deste último no hospital depois de um acidente rodoviário entre os dois. Todavia, a alma ou o espírito de Kubota sobrevive durante algum tempo, comandando mesmo, no corpo de Onodera. Ao princípio, emerge o facto como uma terrível troca, mas quando a consciência do jovem Takuya começa a despertar “lá atrás”, sem grande controlo do corpo, as coisas começam a ganhar outros contornos, de desespero, de entendimento da fugacidade do tempo, das “verdadeiras coisas importantes” e um punhado de outros chavões um bocadinho delicodoces, mas não falsos, da existência humana.

Depois, se no caso do filme citado se lançava uma conturbada rede de dúvidas em torno do incesto filial, aqui o tom positivo de “esperança no futuro” é por demais sentido para que se construa algo de surpreendente ou eficaz em termos humanos. É uma papa feita. Para além disso, se o estilo pouco expressivo e hirto das figuras de Taniguchi serve para as contemplações amenas de um flâneur japonês ou até para tragédias de escala doméstica, não se conduz bem num enredo tão melodramático. Esperemos outro Taniguchi.

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