Pequeno aviso: a edição portuguesa foi co-traduzida pelo Pedro Silva, o editor, e por mim. Tenho por isso, uma implicação pessoal na publicitação que aqui faço deste livro. Por essa razão, serei breve. Mais, esta será mais uma nota pessoal que qualquer outra coisa.
A primeira vez que escrevi um artigo sobre banda desenhada num espaço relativamente público foi na década de 1990 (na Urbe) precisamente sobre The Tragical Comedy or Comical Tragedy of Mr. Punch, ainda não estava suficientemente familiarizado com a série The Sandman. Pouco me importam as hierarquias ou concursos olímpicos que começam por estabelecer quais os “melhores” artistas de um determinado tempo. Apenas à História será dada a última palavra, e ela é como o gato de Cheshire, que ri por último até sobrar apenas o sorriso e que nos ultima, como o fez a Alice, que chegaremos a algures se caminharmos o suficiente. Há, então, que caminhar sobretudo. Gaiman criou no início da sua carreira alguns títulos despretensiosa e imediatamente adultos: Signal to Noise, Violent Cases e Mr. Punch. Todos eles com Dave McKean, ofertou aos seus leitores uma pequena variação sobre as potencialidades da banda desenhada enquanto género narrativo mas cujo fundamento visual se apresentava com uma elasticidade de virtuoso e plasmada aos sujeitos que a habitavam. Depois seguir-se-iam as grandes aventuras no middlestream norte-americano, com The Books of Magic, The Sandman, outros... Mais tarde ainda, voltaria à escrita da banda desenhada, mas no mais minado centro do mainstream e com obras francamente medíocres, senão inócuas, como 1602 (pouco importam com que intenções) E The Eternals.
Mas de todas estas histórias, se bem que The Sandman seja aquela que um maior edifício diegético criou, a força dos três ou quatro últimos “arcos” tenha superado as próprias expectativas criadas nos primeiros volumes, e tenha sido essa série a que mais o colocou no centro das atenções e que tenha exercido maior poder de influência em obras futuras (como Testament, para citar um pobre exemplo), é Mr. Punch aquela que maior ressonância terá junto a um público mais adulto e que exijam maior universalidade na experiências das personagens.
Se bem que já Violent Cases apresente uma implicação de autobiografia da parte de Gaiman (estratégia que utiliza em muitos contos curtos de banda desenhada, como em Heliogabolus), é em Mr. Punch que a memória (do protagonista enquanto criança) assume uma centralidade mais vincada, direito de cidadania, palco de estruturação da narrativa. Em alguns casos, sente-se uma pequena sombra do professor Alan Moore (e Oscar Zarate), sobretudo de A Small Killing, também esse livro sobre o fim da experiência do sono infantil para a vigília do adulto. A amálgama, com o intuito de primeiro confundir e depois iluminar ambas, de uma tradição ficcional, a um só tempo cómica e horrenda, e a vida quase-banal de uma pessoa real também não seria uma experiência única na escrita de Gaiman, se nos recordarmos de Arlequim Valentim (publicado entre nós pela Devir). A arte de McKean está aqui já nas promessas do que faria em Cages, e a sua plena integração num só espaço – o do livro de banda desenhada – de várias técnicas (desenho, fotografia, manipulação digital, teatro) não é senão uma via para abrir esta história à universalidade humana pretendida. Como penso ter já dito deste livro antes, é um mundo de facto apenas a preto e branco onde o olhar da criança-protagonista consegue impor (ou descobrir) as suas cores.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarSabe se existem intenções de editar em Portugal o Signal to noise ou o Violent cases. Uma vez que a devir já editou o Black Orquid e agora a Vitamina BD o Mr. Punch.
ResponderEliminarUma pena que a devir tenha parado de editar Sandman, e estranhamente saltaram do volume 1 para o 3, porque não lançaram o 2?.
Cumprimentos
Olá.
ResponderEliminarNão digo que saiba o que se passa nos bastidores dos editores portugueses, mas creio não haver planos para editar essas duas obras (infelizmente); em todo o caso, existem edições brasileiras, cujas traduções e aspectos materiais da edição não são dos mais felizes, mas também não são totalmente nulos.
Quanto aos lançamentos da Devir, não percebi. Na sua edição, existem três volumes, que saíram por essa ordem. Se está a falar em relação à edição em trade paperbacks original, a opção de ter passado por cima da Doll's House devia-se a garantir novos leitores, através das histórias curtas do Dream's Country, já que o primeiro volume da série é o mais fraco a todos os níveis. Infelizmente, o mercado global tem por vezes tristes surpresas e cortaram a possibilidade da Devir continuar o seu trabalho.
Provavelmente saberá, mas indico na mesma que a Devir tem mais três títulos do Gaiman no seu catálogo, e a Vitamina BD o livro ilustrado por Dave McKean, O dia em que troquei o meu pai por dois peixinhos vermelhos.
Boa leitura.
Pedro
Sim, estava a falar do Doll´s House.
ResponderEliminarEu tenho a maior parte dos livros que falei em Inglês e continuo a juntar dinheiro para terminar a colecção, apenas achei que eram livros que mereciam ser editados por cá, há pessoas que se estiverem em inglês não vão ler por exemplo.
Nestas alturas lembro-me do prefácio que Neil Gaiman escreveu no primeiro livro de Sandman editado pela devir, em que ele estranha que um país de sonhadores tenha demorado tanto a editar o sandman (se bem me recordo).
Obrigado