Na verdade, o título deste post é falso. Ou pelo menos, incompleto. Se o livro de Fábio Zimbres é de facto uma construção suscitada pela colaboração com a banda de rock “da pesada” Mechanics, o outro livro é um catálogo de uma exposição patente no Museu Nacional de Etnologia. Em ambos os casos, porém, estamos perante narrativas contadas por uma sucessão de imagens sequenciais (não que esteja a reduzir a banda desenhada a essa definição, atenção; é simplesmente uma descrição e constatação de factos em relação a estes textos) que vive em diálogo ou se especifica ou se corporaliza através da música.
Em primeiro lugar, debrucemo-nos sobre a exposição Pinturas Cantadas (patente no Museu Nacional de Etnologia, desde 5 de Julho até ao final deste ano de 2007; a investigação e catálogo é da responsabilidade de Lina Fruzzetti e Ákos Östör). Trata-se, para explicar da forma mais concisa possível, de uma exposição que reúne pinturas sobre papel, colados numa espécie de rolos de tecido, que são depois desenrolados [havia escrito "desdobrados", o que prova um preconceito de leitor] e acompanhados “ao vivo” por canções que explicam as imagens, ou que com elas contam uma história. O catálogo reúne traduções em português das estórias-canções, depoimentos, fotos, scans excelentes de pormenores das pinturas, mas as reproduções das mesmas completas são francamente más; parecem ter sido scans feitos por mim. É uma tradição muito específica da região de Bengala (Índia), a que se dá o nome de pata, que correu o risco de desaparecer, e esta exposição mostra trabalhos de um grupo de mulheres de Naya que reavivou esta tradição, alterando-a em alguns pontos (na foto, a cantora-artista Manimala).
Quando Joaquim Pais de Brito, director do Museu, afirma logo na Apresentação do catálogo que as artistas “tiveram de conjugar a competência técnica do desenho e da pintura com a capacidade performativa da narrativa que se consubstancia nas canções que dão corpo à pintura”, está a revelar, pela própria construção frásica, o movimento de maré entre convergência e divergência, aproximação e afastamento, comunidade e separabilidade, dos dois tipos ou naturezas de arte aqui implícitas. Por um lado, as artes de inscrição, que largam vestígios materiais no mundo, mais ou menos perenes, transportáveis, transmissíveis e, por outro, as artes performativas, de uma realização efémera enquanto actualidade. [O fotógrafo Vik Muniz opõe as "artes da encarnação" às "da projecção gráfica"]. É óbvio que isto não pode ser visto como um retorno a velhas dicotomias insustentáveis, mas antes pólos de um espectro inanalisável em todos os seus mínimos elementos (irredutíveis a elementos mínimos discretos, isto é), um intervalo de diferenças que se fundem nas suas fronteiras. No entanto, mais do que uma consubstanciação, a junção de duas substâncias, há como um ultrapassar das substâncias originais para uma outra, “além”, “superior”: transubstanciação. Isso é já o que ocorre, a meu ver, na banda desenhada tout court, que não é uma mistura de texto (ou narrativa ou estrutura, etc.) e imagens mas antes uma convergência num mesmo espaço para a ascensão de algo que difere e ultrapassa essa união. Mais ainda aqui, onde uma outra dimensão se vem acrescentar a essa primeira, já de si complexa e implicada (não heterogénea mas múltipla-em-si-mesma).
Os temas a que estas artistas recorrem bebem tanto das fontes das suas religiões (e, curiosamente, sendo este grupo de mulheres islâmicas, revelam as suas proximidades e afinidades étnicas com as fontes hindus, quase indiferentemente em termos narrativos) como da realidade do mundo. Algumas recontam mitos, hagiografias, lendas. Mas estas pinturas, para além de servirem de suporte de estórias, acabam por permitir dois serviços públicos: por um lado, divulgam notícias de acontecimentos do mundo a uma população sem acesso à leitura de jornais ou a outros meios de comunicação como a televisão ou a internet. Um dos eventos representados mais repetidos nesta exposição, para surpresa deste lado do mundo (supostamente hegemónico), é a representação do “11 de Setembro”: em algumas imagens, os aviões surgem com cabeça de leão, noutras parecem-se com gigantescos peixes, e todos os prédios caem como se se tratassem de peças de brinquedo. Não é uma representação “ingénua”, “naïf” e muito menos “selvagem” ou “mitómana”. É uma representação, e isso deveria ser suficientemente claro, fôssemos nós igualmente capazes de discernir o que pertence ao reino da representação – e não da realidade objectiva, como se esta fosse alguma vez discernível e palpável – das nossas representações. Mas estão presentes também a “guerra contra o terrorismo” dos E.U.A. no Afeganistão ou o tsunami de 2004. Para além destas notícias, e o segundo serviço público das pata, discute-se a descriminação das mulheres nas culturas locais e informam-se dos perigos da SIDA. Não que possa reduzir-se a banda desenhada a um mero instrumento educativo, mas neste sentido, esta linguagem tem sido empregue com êxitos de grau variado para informar variadíssimas populações sem acesso a canais de informação mais democráticos e imediatos de todo um rol de problemas ou questões que lhes dizem respeito (veja-se um exemplo e explicação aqui). Essa é portanto uma outra medida que me permite aproximar estas pata da banda desenhada como campo geral.
(A exposição e estas obras de arte ainda levantam imensas questões e surpreendentes realidades que dizem respeito à consciência social, existencial e política destas mulheres, e haverá imensos frutos de teor antropológico e outros a beber delas. Aqui, como de costume, concentrar-nos-emos nas questões que nos dizem respeito.)
No artigo sobre esta exposição de Nair Alexandra, (“Cantar sobre o papel”, revista Actual, Expresso, de 25 de Agosto de 2007) descreve-se ser esta “uma tradição desconhecida entre nós: a das pinturas narrativas, acompanhada de canções”. No entanto, e sem querer com isto denegrir a apresentação excelente da jornalista, essa informação não é totalmente verdadeira ou, como disse a respeito do título deste post, é uma informação incompleta. Em primeiro lugar, se virmos bem as coisas, esta aproximação destas linguagens tão diferentes não é comum em praticamente nenhuma cultura moderna, onde os territórios ("pintura", "música") se acabaram por cristalizar no afastamento, mas podemos ver as coisas por outro lado. Ou pelas várias experiências contemporâneas – nas quais poderíamos colocar as experiências de António Jorge Gonçalves do “desenho ao vivo”, as performances de Vaughn Bode ou de Gary Panter, determinados espectáculos performativos ou operáticos de vanguarda, ou até mesmo um concerto de Jean-Michel Jarre ou de Sakamoto com artistas de “light shows”, os quais, não obstante o seu mau gosto, estão em todo o caso a pisar esse território fronteiriço. Ou por uma perspectiva da primitividade (mesmo que incorra aqui num absurdo abuso eurocêntrico) – passando a considerar as primeiras inscrições do período musteriense sobre ossos ou pedras (primeiras, isto é, sobreviventes), que implicavam inscrição de traços e performace efémera; ou vermos as várias tradições onde se combinam imagens mnemónicas e tradição oral: as churinga australianas, os códices meso-americanos, a escrita pictográfica dos inuítes ou a dos sioux; ou considerarmos a tradição japonesa do kamishibai, que era uma espécie de teatro infantil onde se apresentavam vários rolos desenhados narrativos, ou ainda os sketches, literalmente falando, de vários artistas norte-americanos no Vaudeville do início do século XX, actos conhecidos por “chalk talks” (mas com desenhos) por onde passou, facto sobejamente conhecido, Winsor McKay. (Claro, poder-se-ia acrescentar que um manual de montagem também segue essa natura mista de traços que obrigam a uma performatividade, mas estou seguro que compreendendo que apenas se reduz a essa função imediata, inimaginativa e desprovida de associações exteriores, esse objecto está fora do âmbito artístico a que nos referimos).
Ou ainda pelas experiências que aproximaram os universos da banda desenhada e da música em complementaridades especiais. Não falo aqui de histórias de banda desenhada que versem a vida de músicos, reais ou ficcionais, como as biografias de músicos de blues de Robert Crumb ou as aventuras de Red Rocket Seven de Mike Allred (não descuro a importância desse tema, e aconselho a leitura de um artigo de José Marmeleira, "Irmãos Pop", sobre este território na revista de Julho/Agosto do clube Lux, passando por muitas das mais brilhantes experiências de afinidades e proximidade entre estes meios criativos aparentemente insolúveis um no outro). Nem tampouco de bandas cujas músicas sejam reminiscentes de personagens de banda desenhada, como jazz em torno de Spirou ou as odes de Daniel Johnston ao Gasparzinho. Simplesmente, estou a falar aqui não de “ligações” mas “con-fusões”; falo de verdadeiras colaborações entre a dimensão musical e a dimensão da banda desenhada para chegar a um objecto estranho, que pode ser apreciado “em separado”, mas cuja existência se deve “em agregado”.
O exemplo mais antigo que conheço é o das medievais Cantigas de Santa Maria, imenso projecto do rei Alfonso o Sábio que apresenta imagens em sequência narrativa, versos provindos de um texto poético e a notação musical desejada. No século XX pode-se alistar o projecto de Luciano Berio com Cathy Berberian, “Stripsody”, o álbum Amenaza al Mundo dos Fantômas, ou algumas canções de Jeffrey Lewis, durante os concertos das quais o artista vai folheando as pranchas que ilustram o que canta (já o fez em Portugal, na zdb).
No artigo sobre esta exposição de Nair Alexandra, (“Cantar sobre o papel”, revista Actual, Expresso, de 25 de Agosto de 2007) descreve-se ser esta “uma tradição desconhecida entre nós: a das pinturas narrativas, acompanhada de canções”. No entanto, e sem querer com isto denegrir a apresentação excelente da jornalista, essa informação não é totalmente verdadeira ou, como disse a respeito do título deste post, é uma informação incompleta. Em primeiro lugar, se virmos bem as coisas, esta aproximação destas linguagens tão diferentes não é comum em praticamente nenhuma cultura moderna, onde os territórios ("pintura", "música") se acabaram por cristalizar no afastamento, mas podemos ver as coisas por outro lado. Ou pelas várias experiências contemporâneas – nas quais poderíamos colocar as experiências de António Jorge Gonçalves do “desenho ao vivo”, as performances de Vaughn Bode ou de Gary Panter, determinados espectáculos performativos ou operáticos de vanguarda, ou até mesmo um concerto de Jean-Michel Jarre ou de Sakamoto com artistas de “light shows”, os quais, não obstante o seu mau gosto, estão em todo o caso a pisar esse território fronteiriço. Ou por uma perspectiva da primitividade (mesmo que incorra aqui num absurdo abuso eurocêntrico) – passando a considerar as primeiras inscrições do período musteriense sobre ossos ou pedras (primeiras, isto é, sobreviventes), que implicavam inscrição de traços e performace efémera; ou vermos as várias tradições onde se combinam imagens mnemónicas e tradição oral: as churinga australianas, os códices meso-americanos, a escrita pictográfica dos inuítes ou a dos sioux; ou considerarmos a tradição japonesa do kamishibai, que era uma espécie de teatro infantil onde se apresentavam vários rolos desenhados narrativos, ou ainda os sketches, literalmente falando, de vários artistas norte-americanos no Vaudeville do início do século XX, actos conhecidos por “chalk talks” (mas com desenhos) por onde passou, facto sobejamente conhecido, Winsor McKay. (Claro, poder-se-ia acrescentar que um manual de montagem também segue essa natura mista de traços que obrigam a uma performatividade, mas estou seguro que compreendendo que apenas se reduz a essa função imediata, inimaginativa e desprovida de associações exteriores, esse objecto está fora do âmbito artístico a que nos referimos).
Ou ainda pelas experiências que aproximaram os universos da banda desenhada e da música em complementaridades especiais. Não falo aqui de histórias de banda desenhada que versem a vida de músicos, reais ou ficcionais, como as biografias de músicos de blues de Robert Crumb ou as aventuras de Red Rocket Seven de Mike Allred (não descuro a importância desse tema, e aconselho a leitura de um artigo de José Marmeleira, "Irmãos Pop", sobre este território na revista de Julho/Agosto do clube Lux, passando por muitas das mais brilhantes experiências de afinidades e proximidade entre estes meios criativos aparentemente insolúveis um no outro). Nem tampouco de bandas cujas músicas sejam reminiscentes de personagens de banda desenhada, como jazz em torno de Spirou ou as odes de Daniel Johnston ao Gasparzinho. Simplesmente, estou a falar aqui não de “ligações” mas “con-fusões”; falo de verdadeiras colaborações entre a dimensão musical e a dimensão da banda desenhada para chegar a um objecto estranho, que pode ser apreciado “em separado”, mas cuja existência se deve “em agregado”.
O exemplo mais antigo que conheço é o das medievais Cantigas de Santa Maria, imenso projecto do rei Alfonso o Sábio que apresenta imagens em sequência narrativa, versos provindos de um texto poético e a notação musical desejada. No século XX pode-se alistar o projecto de Luciano Berio com Cathy Berberian, “Stripsody”, o álbum Amenaza al Mundo dos Fantômas, ou algumas canções de Jeffrey Lewis, durante os concertos das quais o artista vai folheando as pranchas que ilustram o que canta (já o fez em Portugal, na zdb).
E é nesta estreita mas real tradição que se inscreve Música para Antropomorfos (Livros Voodoo/Monstro Discos) , projecto em colaboração dos brasileiros Mechanics (banda rock) e Fábio Zimbres (“quadrinhista”). Os trâmites deste projecto poderão recordar o método da colaboração entre os Moonspell e José Luís Peixoto, em que este acompanhou a banda na produção do seu álbum The Antidote para a elaboração de um livro de poemas intitulado Antídoto. No entanto, a colaboração entre os portugueses parece ter sido mais unilateral (Peixoto bebendo dos Moonspell mas não o contrário), ao contrário de Antropomorfos, que implicou um verdadeiro trabalho de vaivém na construção dos dois objectos finais – livro de quadrinhos e álbum de canções rock – que se acompanham a par e passo. Aliás, as palavras de Márcio Jr. na introdução são eloquentes o bastante: “Música para Antropomorfos não é a adaptação quadrinística das músicas contidas no disco. Nem a versão musical de um romance em quadrinhos. O buraco é mais embaixo”. E continua no prefácio a explicação: “é a experiência empírica de uma dissertação de Mestrado em Comunicação que estudou as possibilidades de interface entre histórias de quadrinhos e rock”. O resto do processo é explicitado, em que as pré-matérias se cozinhavam entre a banda e o artista, de trás para a frente e no tal vaivém criativo, passando por correcções, progressos, versões e finalmente se cristalizar num livro de 15 histórias e num álbum de 15 canções, as quais, “degustados em conjunto, propõem toda uma série de novas experiências e significados. Se você estiver louco, melhor”. Não está longe de um desejo real de entendimento o autor destas palavras, já que é necessário ser-se louco, em relação à “normalidade”, para entender mais profundamente que nenhuma categoria faz sentido, que não há divisórias, e que as marcas das fronteiras são afinal só marcas de tinta num papel, facilmente transpostas com um passo apenas.
Concentremo-nos, porém, no universo gráfico de Zimbres, arrebatando o livro à sua simbiose com o álbum de música. Se utilizo a palavra “universo” não é por um qualquer facilistismo ou chavão, mas porque me recorda precisamente experiências similares de construção de mundos, mais do que diálogos com o mundo, como se verificam noutros artistas. Zimbres já trabalha há muito tempo, e talvez seja injusto da minha parte recordar Mat Brinkman (sobretudo Teratoid Heights) para tentar estabelecer laços de afinidade criativa, uma vez que não desejo criar uma espécie de dívidas entre nenhum dos dois, perfeitamente independentes. Mas é nessa senda de trabalho que lhe encontro as forças, em que uma linha nervosa ainda presa ao risco ocasional constrói corpos e espaços, aparentemente associados ao mundo real (uma cidade chamada SP, personagens minimamente inscritas na relação com a realidade), mas onde se instala uma total liberdade e transfiguração perante o mesmo. As criaturas parecem viver entre uma construção sígnica perto das simplicidades infantis a que a Disney, as produções Maurício ou outras nos habituaram num certo círculo de influência, e uma interferência das imperfeições estilísitcas do cartoon apressado do underground ou do punk – um do-it-yourself onde o virtuosismo não está nos floreados ou nos acabamentos, mas antes da assunção de um nervosismo que não se deseja momentâneo, mas perene. É ainda construído o mundo que lança pontes com o real através da ironia em torno dos sistemas políticos, da inerente corrupção dos políticos, da indiferença disfarçada como fátuo interesse da parte do “povo”.
Concentremo-nos, porém, no universo gráfico de Zimbres, arrebatando o livro à sua simbiose com o álbum de música. Se utilizo a palavra “universo” não é por um qualquer facilistismo ou chavão, mas porque me recorda precisamente experiências similares de construção de mundos, mais do que diálogos com o mundo, como se verificam noutros artistas. Zimbres já trabalha há muito tempo, e talvez seja injusto da minha parte recordar Mat Brinkman (sobretudo Teratoid Heights) para tentar estabelecer laços de afinidade criativa, uma vez que não desejo criar uma espécie de dívidas entre nenhum dos dois, perfeitamente independentes. Mas é nessa senda de trabalho que lhe encontro as forças, em que uma linha nervosa ainda presa ao risco ocasional constrói corpos e espaços, aparentemente associados ao mundo real (uma cidade chamada SP, personagens minimamente inscritas na relação com a realidade), mas onde se instala uma total liberdade e transfiguração perante o mesmo. As criaturas parecem viver entre uma construção sígnica perto das simplicidades infantis a que a Disney, as produções Maurício ou outras nos habituaram num certo círculo de influência, e uma interferência das imperfeições estilísitcas do cartoon apressado do underground ou do punk – um do-it-yourself onde o virtuosismo não está nos floreados ou nos acabamentos, mas antes da assunção de um nervosismo que não se deseja momentâneo, mas perene. É ainda construído o mundo que lança pontes com o real através da ironia em torno dos sistemas políticos, da inerente corrupção dos políticos, da indiferença disfarçada como fátuo interesse da parte do “povo”.
Mas todas essas camadas de sentido, como se se tratassem de uma das camadas instrumentais que se misturarão depois na canção apresentada, vão cruzando-se de formas mais ou menos complexas, sobretudo com personagens que atravessam de uma estória para outra, assumindo um protagonismo aqui e reduzindo-se a figurante ali. Um momento que me parece alto é a história-faixa intitulada O Sombra: o papel do eremita. Trata-se tão-somente de cinco desenhos (que ocupam cada um duas páginas, e podemos ver aqui dois exemplos), onde uma personagem acocorada simplesmente “se deixa estar”, e é o cenário que muda por baixo dela, não como se fosse um espaço que pudesse ser habitado, mas uma fina camada que se dilui e refigura a cada virar das páginas. Esta personagem, o suposto eremita, também surge mudo e calado noutras estórias, por vezes invisível ou por outras notado pelas restantes personagens. Assim, ganha como que uma dimensão estranha, de intersticial, que pode ser visto como um elemento normal e insuspeito da restante construção gráfica, as suas linhas não se diferenciado das outras em termos de função actancial, ou como uma presença absoluta de diferenciação, de convergência dos sentidos, de compactação e de imo da criação de Zimbres. Aparentemente simples, descomprometido, e quase que “ao acaso”, reúne nela todas as potencialidades do cruzamento entre o fragmentário e a leitura possível.
Antropomorfos, assim, parece ser a palavra exacta para decifrar estas personagens que parecem partilhar a mesma forma dos homens mas não sendo homens exactamente, mas sem nunca se perceber também exactamente se por estarem num espaço além ou aquém do nosso. Ambas as experiências oscilam entre um ponto e outro das artes que parecem viver separadas, e é essa oscilação o que as une, a as transubstancia num novo corpo. É confuso, porque converge e funde. Mas dá que pensar.
Adenda: numa conversa informal em torno do mesmo tema, como José Marmeleira, apercebi-me ter esquecido mencionar uma experiência fundamental. Não se trata de acrescentar mais um nome a uma lista, exercício eventualmente infindável e, quanto mais extenso, menos produtivo. Mas sim de sublinhar a tão única qualidade deste livro em falta: La Musique du Dessin, de Edmond Baudoin.
Nota final: agradecimentos a Fábio Zimbres, pela oferta do seu livro e o CD dos Mechanics.
Nota final: agradecimentos a Fábio Zimbres, pela oferta do seu livro e o CD dos Mechanics.
Esse livro do Zimbres é uma jóia rara
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