
Dito isto, por mais que me tente libertar da leitura e, confesso-o, permanente fascínio com essa outra obra (que mais parece um caleidoscópio de dobras a qual, sob a repetente leitura, se vão desvendando sobre novas dobras a desvendar, e assim para todo o sempre), não consigo senão notar como todos os esforços de Vaughn-James posteriores parecem querer, a um só tempo, libertar-se do peso que ela havia criado – a destituição do seu universo diegético das obrigações para com a continuidade espácio-temporal, o apagar do corpo humano enquanto personagem necessária – e repetir um mesmo gesto de inauguração criativa. The Cage é ainda hoje uma obra fundamental. A sua força é fulcral para um entendimento amplo e consolidado do nosso campo. E exerce um campo magnético de interesse para com outras obras, mormente as do seu autor. Mas é um fôlego irrepetível.
Tal como L’Enquêteur, Chambres Noires desenvolve-se em torno dos elementos que compõem aquilo a que se dá o nome de “policial”. Mas esses elementos não se encontram agregados para a formação de uma trama, de uma história, de um (só) sentido. É como se habitassem as câmaras do sonho, onde um troço narrativo lançasse um qualquer elo inabalável a outro troço, apesar do próprio elo ser inanalisável, invisível mesmo, mas ainda assim puxasse para junto um do outro esses troços, fazendo deles uma unidade maior. Quer dizer, é precisamente pela desagregação dos elementos que eles podem novamente ser agregados. Tal como acontecera com L’Enquêteur – e em certa medida com todas as obras de Vaughn-James – não há uma decisão em ficarmo-nos num só “universo diegético”, havendo espaço para que vários se concatenem no espaço comum da unidade maior – o “livro”.
Apercebemo-nos que existem, porém, nódulos recorrentes. Por exemplo, a de quem alguém – o narrador-protagonista? – se encontra num quarto de hotel. Passará um filme na televisão desse quarto de hotel? Ou vários filmes, que um eventual sono do protagonista torna a percepção intermitente, quebrada, unida apenas pelos breves momentos da vigília (uma outra forma de apresentar os elos de que falava atrás)? Misturar-se-á a ficção (ou ficções) interna à “realidade” da ficção de Chambres Noires, levando-se a uma indecisão de separar a realidade da irrealidade?

A arte de Chambres Noires não é, de modo algum, nem surpreendente, nem muscular, nem sequer “bonita”. De novo, tal como L’Enquêteur e The Cage, verifica-se à apresentação de uma meia-dúzia de objectos (isto é, de representações de personagens, de espaços e de objectos propriamente ditos) que atravessam pequenas torções e variações. Se em The Cage isso levaria a uma fantasmagoria humana (sigo um artigo de Domingos Isabelinho), e em L’Enquêteur se entregava às variações possíveis e passíveis do romance policial, uma espécie de pastiche-homenagem-experimentalismo, aqui eleva-se a uma dispersão maior. Mas essa dispersão não termina como uma sua fortaleza. É antes uma mescla de epigonismo (mesmo que de si mesmo) e de maneirismo levado às últimas consequências, que, teme-se, é o niilismo do estilo.
Nota: agradecimentos a Martin Vaughn-James, pela oferta do seu livro.
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