A revista é em inglês, reúne trabalhos de autores um pouco de todo o mundo (Brasil, Coreia do Sul, Europa em geral), e não se fecha a estilos ou temáticas. Isso leva, pelo que se depreende do editorial, a certas queixas locais, que não nos poderiam ser mais indiferentes. Mas se as transpormos aos problemas usualmente emergentes em Portugal, apercebemo-nos de que não só não somos impermeáveis a essas quedas umbiguistas como essas questões se tornam de facto “mesquinhas” (isto é, minúsculas, insignificantes). A aposta deve fazer-se, sempre, em relação ao público imediato: se um autor tem consciência de estar a trabalhar para um território menor, em termos de massa de público, e que o seu público pode ou é composto pelos leitores internacionais, de uma comunidade inserida num circuito mais ou menos coeso e capaz de fazer circular informação, não há quaisquer obstáculos a que esse mesmo autor crie e faça o seu gesto na direcção desse público mais alargado. É o que a Stripburger tem feito ao longo dos últimos anos, quer através da própria revista quer através da sua editora, com ma mão-cheia de antologias.
Este número reúne vários autores, como se esperará, uns mais fortes que outros. Falemos daqueles que mais se destacam. O autor em destaque deste número é do franco-brasileiro Matthias Lehmann, com a capa (toda à volta), uma entrevista e a primeira e maior história da publicação. Esta é uma pequena novela que se passa totalmente no interior da casa de Sonia, mostrando os últimos preparativos para uma festa, a chegada dos convidados, e depois, saltando de conversa em conversa, impedindo qualquer atenção continuada junto a qualquer uma das personagens, como se fôssemos um insecto nervoso, vai construindo-se uma terrível e tensa rede de relações entre todos que explode numa discussão final, que a todos arrasta. Apesar da individualidade das personagens, apercebemo-nos de que esta história não é mais do que uma capacidade de ficcionalização da mais básica observação (básica por ser universal, não por ser fraca) dos comportamentos humanos.
Por razões de interesse pessoal, destaca-se também a coreana Choi, Juhyun, que apresenta uma simples e breve história, mas que é ao mesmo tempo um retrato social contemporâneo: o acto de resistência dos papéis sexuais em que uma mulher jovem incorre quando fuma em público. Bendik Kaltenborn contribui com cinco histórias curtas, sem qualquer ligação entre si, coloridas e com o tipo de humor absurdo, mas ao mesmo tempo estranhamente familiar, para não dizer universal, a que nos habituou noutros seus trabalhos espalhados em antologias. Finalmente, uma história maior da sueca Anneli Furmark, “International Women’s Day”, que ao início parece uma variação de baixa intensidade da escrita diarística feminina, subitamente torna-se numa pequena aventura de sedução lésbica que faz mais emergir os modos como os seres humanos rapidamente se tentam aproveitar das situações para se sentirem bem consigo mesmos do que uma verdadeira entrega à descoberta e à sinceridade social.
Não quero dar a entender que as restantes participações são menos dignas de atenção, simplesmente que estas são as que se destacam na perspectiva tomada (parcial e temporária, como sempre). Terminemos esta nota indicando que também foi publicada uma história sem título de Filipe Abranches (que havia sido publicada no primeiro número da Cheval Sans Tête, da Amok, em 1996, e mais tarde em Portugal na Azul BD Três) e ainda duas recensões críticas a Babinksi e a Já não há maçãs no Paraíso, voltando desta forma à discussão inicial.
Nota: agradecimentos a Filipe Abranches, pela oferta.
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