Esta pequena revista reúne alguns episódios, uns inéditos, outros não, da personagem Alien do autor finlandês, que já sido o protagonista do seu livro de maior sucesso (por ter edição internacional, da FRMK), La mort rôde ici. Mas marca, paradoxalmente, o início do fim. Numa prevista série de quatro números, da qual este é o primeiro, Ufoja Lahdessa (traduzido por “Ovnis em Lahti”, uma cidade no sul da Finlândia), apresentará os últimos trabalhos de Turunen com esta mesma personagem.
O formato é o de uma revista, cujo tamanho nos fará lembrar um comic book americano, mas num papel mais espesso e totalmente a preto-e-branco, que procura imitar, como somos informados pelo autor, “revistas baratas finlandesas sobre ovnis dos anos 70”. Uma vez que se trata de uma revista, acompanhada por inquéritos aos leitores sobre as suas próprias eventuais experiências com objectos voadores não-identificados e encontros de terceiro grau, o espaço de venda delas mais apropriado deveriam ser os quiosques, mas pertencendo ao círculo da edição independente, viverão somente naqueles círculos artísticos pelos quais o autor se habituou com os seus trabalhos (quer de edição, de filmes ou de exposições artísticas).
Para além das histórias com o pequeno Alien (que já havíamos exposto como uma espécie de alter-ego do autor), e com algumas personagens secundárias, das quais se destaca a “mulher”, nas histórias escritas por ou com Annemari Hietanen, mulher de Marko Turunen), há dois episódios, um verboso e ou outro não, com uma personagem chamada, em finlandês, “Tohtori Outotauti”, traduzido em inglês (esta é uma edição, como sempre na Daada, com traduções inglesas em nota de pé de página) como “Dr. Strangedisease”, fazendo recordar inevitavelmente o jogo similar da personagem de Kubrik, o Dr. Strangelove.
No entanto, a estranheza destas histórias, escritas por ou com Hans Nissen, não se prendem com um segredo que é ocultado a quase todas as personagens mas não à perspicácia do espectador, como no caso do filme citado. A estranheza que Marko pretende criar nas suas histórias, e que é aqui continuada pelos trabalhos de colaboração, prende-se com o facto de que o ambiente das histórias é construído nos pequenos bairros residenciais da Finlândia (de Lahti, presumo), seguindo-se acções aparentemente inócuas e banais – a recepção de uma encomenda postal, um livro comprado na internet, a observação do desenvolvimento de uma mazela – mas serem protagonizadas por personagens cuja representação nos faria pensar numa esfera qualquer do fantástico: um alienígena, uma mulher vestida como numa sessão hard de rubberplay, um homem mumificado e com uma pala num olho, um demónio do inferno, Thor, o deus do trovão...
Estamos de facto naquele território a que se dá o nome, por vezes abusado, do Unheimliche de Freud, o “estranho familiar”. Como o pai da psicanálise diz, “esse estranho não é nada novo ou alheio, porém algo que é familiar e há muito estabelecido na mente, e que somente se alienou desta através do processo da repressão. Essa referência ao fator da repressão permite-nos, ademais, compreender a definição de Schelling do estranho como algo que deveria ter permanecido oculto mas veio à luz” (Das Unheimliche, traduzido como “O estranho”, ed. port., Brasil, de As Obras Completas). No território da ficção imaginativa, contra um fundo de aparente correspondência com o nosso mundo empírico, surgem altamente contrastados os corpos destas personagens, que parecem querer representar algo de mais profundo, algo que nos fala a um só tempo de um modo inédito e íntimo, paradoxo traduzido pelo conceito do “estranho familiar”. Talvez não seja possível explicitar totalmente, à luz, o que era esse oculto, mas o sabê-lo é desde logo um passo decisivo à sua captura.
Estando de momento a preparar um ensaio mais alongado sobre a obra deste autor, fica aqui apenas o início dessa ideia, que se verá desenvolvida, explicada e fundamentada mais tarde.
Nota: agradecimentos ao autor, pelo envio da publicação e as conversas.
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