Já nos havíamos cruzado com Anna Sailamaa nas páginas da Glömp no. 9, precisamente com uma das histórias reunidas nesta pequena publicação. Ollaan nätisti é traduzível por “portem-se bem” (esta publicação é em finlandês mas tem uma tradução inglesa no pé da página) e é um dos recados que o pai dá aos seus três filhos, um menino e duas meninas, uma das quais, presume-se, é a própria Anna, a menos que estejamos aqui perante um exercício de auto-ficção ou de uma inscrição dissimulada da autora real no corpo das suas personagens.
As guardas do livrinho [imagem a seguir] mostra uma espécie de constelação, de manchas de pontinhos que, acumulados, parecem fazer uma estrela brilhante, as quais despedem raios fazendo todas as ligações possíveis. É como se se tratasse de uma imagem metafórica que quer representar a ideia de família, e é exactamente à família que estas histórias são dedicadas. Em primeiro lugar, cada uma das 5 histórias que compõem Ollaan nätisti é intitulada com um dos membros da família: “Avó”, “Irmã”, “Mãe”, “Irmão” e “Pai”. Mesmo que uns surjam nas outras histórias, é aquela que se encontra destacada no título que assume o protagonismo do retrato, ainda que a focalização esteja sempre perto de uma das filhas, presumimos nós que Anna. Em segundo lugar, porque apesar da idade dessa personagem-filha se alterar de história para história, não apenas surge como condensadora dessa constelação familiar como orientadora das restantes relações. Ao longo desses episódios descobrimos a típica flutuação de humores entre os membros de uma família, da rivalidade à parvoíce fraternal a discussões mais sérias, até ás marcas profundas que os pais deixam de um modo quase negativo mesmo que eles não o tenham feito com essa intenção. O problema é que as intenções usualmente dão frutos de sinal contrário ao previsto, e isso é particularmente verdadeiro no seio de uma família.
Não se pense estar perante um livro que explora essas maleitas e crises de um modo directo ou dolorido. Com a excepção da última história, não há acesso ao pensamento interno das personagens, ou a uma voz narradora que, pela sua própria existência, tem necessariamente de se afastar do nível da diegese. É somente pelas relações estabelecidas em cada curto relato, e o seu acumular e passagem de um capítulo ao outro, e pelas suas vozes dialogantes, que construímos uma ideia flutuante dessas mesmas relações... flutua tal qual uma constelação, já que o desenho unindo as estrelas não existem objectivamente mas são modos dos seus observadores (nós) as mapearmos para nosso maior conforto e controlo do universo.
Uma vez que os episódios foram sendo criados para várias outras publicações, conforme as suas circunstâncias específicas e condições de produção, notar-se-á no trabalho de Sailamaa alguma diferenciação de traço de história para história: aqui parecem ser as figuras criadas por pinceladas de tinta-da-china, ali traços descomprometidos a caneta, onde a perspectiva e a volumetria é preterida em nome de uma óptica mais dinâmica e que talvez deseje traduzir o olhar infantil (de então, do momento representado).
A composição das páginas é muito simples, quase sempre de um modo regular e rectilíneo, mas isso apenas evidencia a liberdade da figuração e a dinâmica líquida das sensações. Tal como uma família, cujas ligações podem ser descritas de modo linear e nuclear (papá-mamã-filhotes), mas nada dizem dos modos como as paixões se instalam no seu interior.
Nota: agradecimentos a Marcos Farrajota, por ter actuado como dealer. Entre nós, à venda na Chili com Carne.
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