Nenhum destes livros é, em rigor, de banda desenhada, nem de ilustração, nem de uma qualquer área contígua àquela que, usualmente, paira enquanto fantasma neste espaço. Ainda assim, pelas suas virtudes de objecto livresco, de imagens que obrigam a uma leitura, a um sucessivo folhamento aliado ao prazer de humorada descoberta, trago-o aqui à consideração. Aliás, quer um quer outro possuem aquilo a que se chama o “efeito Pringles” (no meu caso pessoal, é mis o “efeito frutos secos”): só se fica satisfeito quando se chega ao fundo do frasco ou do pires, cada nova página virada apenas despertando o desejo imediato de degustar a próxima e cada uma aumentando o prazer geral. Enfim, um prazer de acumulação, egoísta, sôfrego, mas não por isso menos prazenteiro.
Aliam-se toda uma série de sentidos com estes livros: o visual e o táctil são os mais óbvios, naturalmente, mas eles só serão cumpridos se o eixo da sua leitura estiver em movimento. Isto é mais claro com o livro pop-up, que nos obriga a abaná-lo, movê-lo, espreitar mal se abre uma nova página, assegurando-nos de que vemos o outro lado, que tocamos, ao de leve, nas estruturas que se nos oferecem... De variadíssimos modos, as prateleiras onde ambos os livros se devem encontrar partilharão espaço com as obras de Robert Sabuda, de Jan Svenkmajer, de David A. Carter, de Katsumi Komagata. O sentido do gosto estão presentes no segundo livro, como se verá, ainda que seja desencadeado pela imaginação. Os restantes estão mais diluídos, mas queremos acreditar que são uma possibilidade.
O ABC3D, de Marion Bataille é um dos livros de letras mais maravilhosos que conheço. Tanto servirá para ensinar a ideia do movimento das letras aos mais pequenos (a ideia de caligrafia, de escrita viva, multímoda) como os adultos descobrirão modos de se divertirem e aprenderem e até pensarem ou jogarem com ele. O próprio título é um achado, e a capa demonstra uma outra dimensão desse trocadilho.
Quanto a Food Play, da dupla Saxton Freymann e Joost Elffers, é um volume que reúne trabalhos anteriormente editados, quer narrativos (One lonely sea horse) quer da mesma tipologia deste: fotografias de vegetais e frutos esculpidos em forma de criaturas imediatamente reconhecíveis, e que tanto nos obrigam a pensar nelas, como nas origens formais do que lhes deu origem, como o espaço de encontro entre ambas... Um poodle-couve-flor, uma girafa-banana, dois amantes-morango beijando-se...
A Isabel Carvalho, ao ver este livro, confrontou-me com outros dois livros publicados em Portugal (traduções): um intitulado ABC do Tomatinho, escrito por Michel Rio e fotografado por Therese Zadora (da Porto Editora, 1988), e outro um livro de cozinha (não me lembro do título) para crianças em que cada receita apresentava o prato esculpido sob a forma de um qualquer animal ou rosto: pepinos-crocodilho, bolos-cara-de-palhaço, etc. Food Play não é nem narrativo nem para cozinhar, mas certamente que levará os seus leitores a descascar batatas e laranjas de um modo mais pausado.
Digitalizar algumas das imagens de ABC3D não faria jus às suas dimensões, por isso optei (por de pouca qualidade que seja) por um vídeo, e aproveitei a boleia para o outro. Espero que sirva. Há muitos outros vídeos no youtube com o livro de Marion Bataille, bem melhor filmados, por isso aproveitem.
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