Não tem nada a ver com nostalgia. A nostalgia é uma dor que apenas encontra no passado as coisas boas e apaga as más e nos faz vê-lo como intrinsecamente melhor do que o presente (e que transforma o futuro num incerto medo, mais do que num desafio para se crescer). Mas quando uma pessoa destas morre, alguma mossa deve deixar, e nós deixá-la visível devemos.
Vasco Granja tem a ver, a meu ver, com uma capacidade de educação sem proselitismo, com uma capacidade de descoberta ampla, e de uma descomprometida capacidade de preservar uma certa maravilha ao longo da vida.
Quanto mais aprendo sobre animação, por exemplo, mais me apercebo que - qual lição de Platão - descubro que não estou a ver novidades, mas a ver em adulto aquilo que já havia conhecido em criança e, as mais das vezes, através dos programas de Vasco Granja (Um exemplo? A Fome, de Peter Foldes). Quanto mais releio aspectos que aprendera há muito sobre banda desenhada, mais redescubro terem-se tratado de artigos de Vasco Granja (na tintin, por exemplo).
Quando da produção do Verbd, pensámos - o realizador e eu - em contactá-lo para o convidar a fazer um depoimento. Infelizmente, a sua condição física e de saúde não o permitiam já. Ficou a pena e o desencontro. Agora é irremediável. Ou não, se, ao invés de homenagens atrozes sob a forma de torturas comerciais, se se providenciasse à recuperação da sua memória, dos seus programas, dos seus escritos (prezo um pequeno volume sobre Dziga Vertov, da Livros Horizonte, escrito por Granja). Goste-se ou não se goste, critique-se muito ou pouco, faz parte de uma herança e é com ela que temos de viver e é dela que temos de crescer.
Nunca o conheci pessoalmente, por isso não posso falar de Vasco Granja como pessoa real (que teria, invariavelmente típico da espécie humana, as suas idiossincracias). Dele aproveito então esse serviço público, essas lições, que ficaram.
Para mais: Uma entrevista (de onde retirei a fotografia), e um artigo.
Adeus, amigo.
Nunca é fácil dizer o que me vai na alma em situações destas. Muito menos relativamente a alguém que foi tão importante na minha formação. Tem toda a razão quando se refere a Vasco Granja como educador. Foi com ele e com meu pai, que aprendi a apreciar a beleza de dois ou três riscos num papel, dois ou três pedaços de plasticina...
ResponderEliminarE não esqueço o seu sorriso e a sua voz...
Obrigada Vasco! :)
(E obrigada também a si, Pedro, por me ceder este espaço para esta simples homenagem a Vasco Granja)
Vasco Granja, para mim é voltar a pequenino, é voltar a ouvir a minha mãe chamar-me a mim e ao meu irmão para ir ver os desenhos animados, é tanta coisa junta, que mal consigo descrever. Já há muito não ouvia falar dele, mas imaginava-o na mesma, como se o tempo tivesse parado para aquele senhor gentil que me levava em horas mágicas. O homem em mim diz Adeus ao Vasco e a criança que sempre viverá em mim, diz apenas, vejo-te à hora dos desenhos animados...
ResponderEliminarOs anos 70 da minha infância não tinham sido o mesmo, não fossem aqueles minutos passados, religiosamente à frente do pequeno ecrã, a preto e branco, onde um senhor simpático, com voz pausada, nos ensinava a "ver" a banda desenhada, a gostar daquela animação de Leste, dos bonecos de plasticina que mágicamente ganhavam vida... ele era um GRANDE idolo da minha infância. Ainda guardo o seu autografo num cantinho especial, pedido com mãos trémulas de excitação, ao ver-me perante esta pessoa tão importante para mim. Tenho 35 anos... Obrigado, Vasco Granja, fica o orgulho de ter assistido a estes instantes que são pérolas. Sandra
ResponderEliminarFoi o formador da criatividade animada neste país durante anos.
ResponderEliminarPara ele, e já agora para mim, fazia todo o sentido ver um filme do Jyri Trnka experimental seguido da animação desabrida e anarquista do Tex Avery! Era um festim de liberdade artística e um delírio para os olhos e cerebelo.
Agora, com dois filhos, tento, com algum sucesso, dar-lhes o mesmo tratamento animado que recebi do Vasco Granja.
Na verdade, também me lembro de me levantar do sofá, não havia ainda comandos de televisão, sempre que ele falava, não gostava de o ouvir...eh eh.
Uma herança a não esquecer.
Para quando a edição total dos seus programas?
Sim. Vasco, é uma das personalidades deste País de quem gostava de poder ter conhecido intimamente pois, pelo forma como nos davas a ver os desenhos animados deliciosos, julgo que serias uma pessoa simpática, educada, rica, de boa conversa. Ficam as memórias dos programas televisivos que bem podiam passar no RTP Memória como homenagem a alguém que ajudou a educar muitos de nós. Fica a saudade de um tempo em que TV ainda tinha bastante de formação educativa. Adeus camarada Vasco!
ResponderEliminarQue notícia triste. Recordo-me bem de, sentado em cima da mesa de jantar, quando tinha 6 anos, olhar fascinado para este homem e as suas introduções aos filmes curtos animados mais extraordinários possível. Um marco na minha (e de muitos, seguramente) infância. Descanse em paz.
ResponderEliminarEle era a grande cena! Que grande transmissor da diversidade e criatividade globais, para as criançinhas de um Portugal pequeno...
ResponderEliminarQuem dera que voltassem a dar os programas dele! Isso é que era serviço público, em vez daquelas chachadas que nos impingem os (pobres!) canais generalistas.
A notícia da morte de Vasco Granja passa quase despercebida na voragem estúpida e medíocre dos media.
ResponderEliminarMas não faz mal; o importante é a memória grande e densa que guardamos de Vasco Granja.
Crescemos com ele, a sua cara simpática, com a sua voz tranquila e a banda desenhada inteligente, lúdica, infantil que nos deu a conhecer.
Guardo especial memória do "rapaz do lápis mágico" que me fez acreditar que podia ser tudo neste mundo.
Obrigado tio Vasco pelos horizontes que nos deste e pela memória que nos alimenta o futuro.
Grande Abraço,
Alexandre Dias
"A Fome" foi um dos filmes que mais me impressionaram, quando eu era miúdo (ainda estes dias estive a falar sobre ele a uma pessoa conhecida) e o vi no programa do Vasco Granja. Lembro-me (ainda) muito bem dele, tal foi o impacto.
ResponderEliminarConheci o Vasco Granja na tertúlia do Geraldes Lino, há uns anos, e tive a oportunidade de lhe dizer, pessoalmente, que tinha gostado bastante desse filme. E de muitos outros.
Abraço.
David Soares
Para mim não foi uma influencia assim tão grande so passava os olhos nesse programa para ver a Pantera,o resto não me puxava ate via 1 desenho de vez em quando mas não os via da mesma maneira que as Turtles,He-man,Rambo,etc
ResponderEliminarRip.
Querido Vasco Granja: é este um dia triste mas, nessa tristeza encontro ainda assim alegria, pois que da Lei da Morte te libertaste já: serás Eterno, e lembrado muito mais do que hoje se imagina. O teu mister era abrir-nos Mundo, e a ternura com que o fazias é indelével nas nossas memórias. Na TV e no Tintim, que passado todos estes anos dei em encadernar e reler, eras mais que tu, eras um País inteiro de olhos abertos de espanto e maravilhamento. E a nossa Utopia de crianças revelou-se muito mais sólida e capaz de nos preparar para a vida do que as Utopias que então ocupavam os adultos. Bem Hajas e se há céu e justiça que tenhas lá um t5 com lareira e a companhia de todos os teus queridos heróis. Sim, porque o Céu da BD também acolhe Ateus. É uma questão de ternura… Até Sempre!
ResponderEliminarPedro Barreto
Também eu cresci com Vasco Granja nas tardes (?) de sábado a mostrar-nos Friz Freleng, o mirabolante Tex Avery e os originais desenhos animados de Leste. Lembram-se de como terminavam? KONEC. Pois, todos temos o nosso...
ResponderEliminaraqui um lugar! de infancia pelo prazer de o olhar! Com olhos de...ver ...e sonhar
ResponderEliminarguardar na memoria esse Konec que deixava um sorriso meigo para que no outro dia descobrissemos mais um novo desenho que abria a imaginação fazia rodopiar as palavras e encontrava no Amigo esse enorme desejo de poder contar em imagem...uma historia! A tua Vasco Obrigado Konec em letras desenhadas para um novo amanhã
Grande blog.. diz me uma coisa? tens tido sucesso com o adsense? Obrigado.. passa pelo www.acredarticle.blogspot.com e comenta.
ResponderEliminarArtigos de Vasco Granja na revista Tintin? A que é que te referes, Pedro? À tradução de artigos publicados na revista Phénix? É isso?
ResponderEliminarDavid Soares: haja Zeus que alguém se lembrou de nomear a tertúlia BD de Lisboa como local que, se mais nenhum mérito tivesse, teve esse pelo menos: o de dar a conhecer pessoalmente Vasco Granja (assim como muitos autores de BD que pouca gente conhece, e que lá tem sido homenageados, e com quem os presentes têm tido oportunidade de conversar, como tu fizeste com Vasco Granja.
ResponderEliminarJá agora, aproveito para esclarecer alguém que assina "ad" que a morte de Vasco Granja passou quase despercebido dos média.
Não é assim tão linear: de facto, em vários jornais foram publicados artigos, que eu tenha visto, no Jornal de Notícias, no Diário de Notícias, no Público (duas páginas!).
E a Internet, com os seus blogues e "sites", pode considerar-se já uma "mass media", e nela, nesses vários espaços internéticos, Vasco Granja foi devidamente recordado e homenageado (até um aspecto pouco conhecido da actividade de VG, o seu fanzine "Quadrinhos", editado entre início de 1972 e fins de 1974eu relembrei no meu blogue http://fanzinesdebandadesenhada.blogspot.com
Corrijo a frase: Já agora aproveito para esclarecer alguém que assina "ad" e que afirma que a morte de Vasco Granja passou quase despercebida dos média.
ResponderEliminarSe havia hora sagrada era a do Vasco Granja. O chão sagrado era o da primeira fila e sim, concordo com (quase) todos: aquele genuíno interesse pela animação, mesmo falando de filmes algo difíceis, tinha a capacidade de seduzir através da simpatia e eloquência (esta última discutível, talvez seja fruto da tal nostalgia), julgo eu que pensando nos públicos filhos e pais, ambos possivelmente com o mesmo grau de (des)conhecimento em relação à animação.
ResponderEliminarMais tarde pude cruzar-me de novo com o trabalho de N.Mclaren e soube dizer "eu conheço isto!" E a partir de então compreendi melhor o amor de Vasco Granja.
É essa mesma a razão mais importante que me leva a falar de Vasco Granja: é termos visto aquilo tudo em crianças, mais ou menos de um modo descomplicado e sem divisões, simplesmente abertos ao fascínio do que nos mostrava (e o fascínio tem precisamente a ver com não ver as divisões)... E, depois, mais tarde, já instaladas todas as lições sociais e as manias e as hierarquias (que poderão ou não ter o seu valor), re-descobrimos ter já antes passado por aquela experiência, tendo portanto mais a ver com reminiscência do que com a mera memória...
ResponderEliminarO pobre kitt parece-me duplamente enganado: em primeiro lugar, porque sem querer transformar Granja num inatacável ídolo, a sua influência é bem maior do que aquela que kitt quer dar a entender, e tendo em conta os desenhos animados que cita, só posso apontar para uma diferença substancial quer de geração quer de formação intelectual (que é da nossa responsabilidade, acima de tudo, na medida em que perseguimos a nossa curiosidade natural ou não), em segundo lugar porque este não é um espaço de demarcação de "prós" e "contras", mas simplesmente um contributo a dar a César o que é de César.
Caro Domingos, é provável que tenhas razão, pois muitos dos artigos eram traduções de várias publicações de língua francesa, mas muitos outros eram, incorro eu no risco de afirmar, originalmente para a "tintin", como o "ABC da animação", por exemplo... Claro que devo confessar que, na casa dos 8 a 12 anos, a minha atenção a esses artigos era, no mínimo, mínima, mas ficavam pelo menos as imagens (o olho cortado de "Un Chien Andalou", por exemplo... ou estarei a enganar-me?), os nomes, as referências, que mais tarde lá se iam consolidando como podiam... Não os coloco em nenhuma hierarquia, simplesmente existiam, e isso é, julgo, saudável...
Abraços a todos.
Pedro
Pois, Pedro, artigos de Vasco Graja sobre animação na revista _Tintin_ suponho que existiram (francamente não me lembro, nunca liguei muito a esse tipo de cinema, mea culpa), mas eu estava a comentar esta passagem: "Quanto mais releio aspectos que aprendera há muito sobre banda desenhada, mais redescubro terem-se tratado de artigos de Vasco Granja (na tintin, por exemplo)."
ResponderEliminarAs minhas desculpas por não ter sido mais explícito.
Sim, e também eu deveria ser mais explícito a dizer que isso se trata de uma impressão vaga e não de uma total confirmação de cada ponto da memória. Por exemplo, lembro-me de ter aprendido da existência do Druillet através da "tintin" - recordemo-nos de que tinha seis a oito anos, por isso não gostei imediatamente nem sabia que se poderiam procurar livros daquela pessoa, mas ficou-me a imagem na cabeça - e, mais tarde, quando "descobri" Druillet, apercebia-me que já tinha por ali passado... Mas, volto a repetir, isto tem mais a ver com a construção de um imaginário, de impressões, de fantasmas, do que de uma aprendizagem sistemática e intelectual. O mesmo se passa com a animação, sobre a qual apenas agora posso dizer estar a ser estudada mais ordeiramente.
ResponderEliminarAbraços!
Pedro
Vasco Granja foi para mim, tão só,o melhores prestador de ensino publico artistico. Com ele e com os autores/realizadores que me dava a conhecer, aprendi a noção da diferença, do alternativo, da capacidade de abstração, da descodificação da imagem e um novo olhar sobre o mundo.
ResponderEliminarÉ efectivamente lamentavel que os Meios de Comunicação tenham dado tão pouco relevo ao seu trabalho a quando da sua morte.
Ele fará parte da História com igual ou maior importancia que muitos Artistas Plásticos, Escritores ou Realizadores.
O seu programa, era Mágico e Sagrado.
Obrigado Vasco Granja!