Na contracapa deste livro, lê-se que Verticali expande uma certa verve cómica que não havia sido visível na obra de Gipi até Ma vie mal dessinée. E, com efeito, apenas poderemos concordar que o signo deste pequeno volume é o do humor, quase tomando de assalto todas e quaisquer outras das características a que havíamos associado este autor. Se bem que seja possível incorrer num erro de perspectiva e integração, estamos em crer que a génese deste Verticali é como que uma resposta ao trabalho de Joann Sfar, sobretudo no que diz respeito aos volumes que este autor francês tem na colecção Côtelette, da L’Association (como Harmonica, Banjo, Piano…), isto é, um repositório gráfico de toda aquela verve do desenho e da palavra (não necessariamente associados da forma mais consensual ou expectável) que não encontra espaço de divulgação em formatos mais comercializáveis (o álbum, o livro, etc.). Aliás, a aproximação destes dois nomes (e outros) já não é novidade neste espaço, principalmente quando nos referimos aquilo a que damos o nome de “desenho caligráfico”. Gipi tem-no cultivado de obra para obra, mas parece ter encontrado aqui uma oportunidade para somente explorar essa sua potencialidade, e não subsumir o primeiro traço à subsequente elaboração do desenho “acabado”, “cristalino”, “narrativo”. Não se trata exactamente de um desenho livre, nem de uma procura por uma vertente artística (leia-se, comercializável galerística ou museograficamente), mas sim de um desenho que se desenha como quem escreve. A velocidade da captura da ideia, e a sua união à expressão mais imediata possível é a chave destes trabalhos.
Verticali reúne uma mão-cheia de pequenas histórias, algumas delas não merecendo outro nome senão o de “anedotas”, uma apenas (“Lost”, em torno dos escritores da famosa série televisiva) a mais elaborada em termos de tempo e de diálogos. Todas elas se pautam por apontamentos gráficos mínimos – as personagens e quase nada mais – que são sustentáculo básico dos textos ou das acções demonstradas. Há apenas uma imagem por página, o que faz com que a sua leitura seja fisicamente rápida e acompanhada ritmicamente pelo virar de cada página. O humor está presente, como se indicou, mas não se trata de nada por demais elaborado. Por vezes é daquele humor estranhamente absurdo que mais causará um breve momento de silêncio ou de estupefacção do que gargalhadas. Essa outra dimensão faz-nos recordar alguns dos livros de Anders Nielsen. Há temas recorrentes ou que espelham especificidades de Gipi: um certa vivência pequeno-urbana, a cultura popular e as suas consequências (inclusive a própria banda desenhada, a violência que pode demonstrar um lado mais ternurento mas, por isso mesmo, de um ridículo absoluto, personagens patéticas que não suscitam qualquer simpatia da parte dos leitores, por maior que seja a desgraça com que seja coroada. E uma mão, amputada do corpo, vagueando como uma fera selvagem, e alimentando-se de canetas. Talvez uma metáfora à febril vontade de desenhar/escrever, e cuja presa maior é devolvida, com este mesmo livro.
Nota: agradecimentos a Simona Accattatis, pela oferta do livro.
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