Balanço 3. Uma outra forma ainda de criar balanços é constituído pelas antologias, reunindo materiais diversos, heteróclitos e dispersos, irmanados por um qualquer princípio organizador. Neste caso, o facto de estarem relacionados com uma publicação. A revista Combate era um órgão periódico afecto ao Partido Socialista Revolucionário, uma das colunas vertebrais do que se tornaria uma nova linha da esquerda em Portugal e que hoje faz corpo presente na vida política pelo Bloco de Esquerda. Não me competirá a mim falar do seu papel na esfera do político, nem nesse fenómeno histórico, mas sim apontar como essa publicação, ora próxima ora mais afastada dos princípios políticos estritos do PSR, contava com a colaboração de toda uma bateria do que seria visto, e é visto, como um par de gerações de ilustradores portugueses.
É muito difícil destrinçar a presença desses autores do papel fundamental, senão mesmo fundador, do director de arte dessa publicação, Jorge Silva. O papel deste não pode ser alguma vez despromovido na importância que teve na visibilidade, amplitude e presença destes nomes da ilustração, até porque assumiria funções idênticas no jornal Público (recordemos a presença inédita de ilustradores nesse jornal sob a sua direcção, incluíndo os números especiais do Salão Lisboa, exclusivamente ilustrados), numa série de editoras e projectos editoriais e gráficos, inclusive camarárias (em Lisboa) e junto à Bedeteca de Lisboa, sobretudo no núcleo das exposições Ilustração Portuguesa. Jorge Silva não apenas foi promotor desses nomes, como paladino da presença da ilustração nesses centros, atento e condutor dos melhores trabalhos, propugnador da ontologia da ilustração e propulsionador do melhor ambiente possível para que ela fosse transmitida da forma mais nobre e acabada possível. Haverá eventualmente casos em que se poderiam fazer críticas ou acertos mais específicos em casos concretos, escolhas, mas isso caberia no foro de um trabalho mais especializado, e em nada diminuiria, repito, o papel fundamental e incontornável que teve nessa mesma produção, comparável a mais ninguém em termos individuais. É ele quem faz a apresentação (e edição) desta antologia, com todo o direito, tomando a palavra num prefácio que faz as vezes de contextualizador histórico, especificador das circunstâncias de produção, das estratégias e das escolhas. Jorge Silva era, ele mesmo, ilustrador, e este volume dá-nos a conhecer alguns dos seus trabalhos. Não será ele mesmo quem assumiria um papel central enquanto artista e criador de ilustração, mas sem dúvida que é a ele a quem todo o mote da dança que se seguiria pertence.
A apresentação destas imagens é, inevitavelmente, desassociada dos textos que instigaram a criação das imagens (a maioria, pois algumas são autónomas e existem casos mesmo de banda desenhada), mas – como é costumeiro nas publicações deste género, como os catálogos da Ilustração Portuguesa que dirigiu – existem sempre as informações relativas à data, à técnica, ao título (nos casos pertinentes, dos artigos correspondentes e dos seus autores). O editor informa que a organização do volume segue uma linha cronológica por “preguiça assumida”, mas as alternativas (por autor, por “temas” fosse isso possível e categorizável, ou por natureza da ilustração, ainda mais complicado) levantariam outras questões que não me parecem ser as centrais deste volume. Não é ele completo, mas sim revelador de uma escolha segunda sobre as presenças originais, mas arrisco a ideia de que este é um retrato justo e amplo das gerações que pelo Combate passaram, lá deixaram marca e hoje ainda a exercem. Nalguns casos, é curioso revisitar trabalhos de pessoas que cumprem outros papéis hoje em dia (o caso de João Garcia Miguel, ou Jonas, hoje conhecido encenador e director teatral), noutros, é ver os primeiros passos de quem hoje ocupa lugares de destaque nesta arte específica (Richard Câmara, José Feitor, Pedro Zamith, João Fazenda), noutros ainda, é ver a verve e o exercício da cidadania política - não confundir com proselitismo ou militância dogmático-partidária, já que não havia qualquer relação entre a participação artística na revista e a integração partidária – neste particular contexto (José Carlos Fernandes, José Relvas, Alice Geirinhas, João Fonte Santa, Pedro Amaral, Pedro Burgos, Joanna Latka, e tantos outros).
No fundo, é uma forma de dar a ver, fora do contexto do jornal, o qual eventualmente chegaria às mãos somente daqueles que partilhariam alguns princípios em comum, afinidades, ou confortos ideológicos que não eram impeditivos, toda uma série de vozes da ilustração portuguesa contemporânea, diversa, musculada, viva e recomendada.
Nota: agradecimentos a José Feitor, pelo empréstimo do seu exemplar.
Sobre José Carlos Fernandes, tens notícias da continuação da Pior Banda do Mundo?
ResponderEliminarAté mais!
E continue com o excelente trabalho. Já descobri coisas muito boas através dos seus textos.
Olá.
ResponderEliminarNão sei se serei a pessoa mais indicada para dar essa informação, mas tendo em consideração a saída do JCF da Devir, ou melhor, o facto desta ter parado de editar banda desenhada da forma como o fazia, faz-me imaginar que o autor terá parado com esse projecto. Mas ele tem editado outros livros noutras editoras, sobretudo a Tinta-da-China (e sobre os quais falei: "A Metrópole Feérica" e "O que está escrito nas estrelas").
Até breve
pedro