
Como se imaginava na leitura do primeiro volume, é aqui que se adensam algumas tramas e se resolvem outras linhas descosidas no início (descosidas propositadamente, de maneira a que o fio se desenrolasse, corresse, dobrasse e dobasse). A elipse entre a publicação de um volume e o outro é curiosamente explorada pelos autores, como se ela se ressentisse na própria cronologia da diegese, abrindo-se para nós nestas primeiras páginas um tempo (“três anos depois”) que corresponderia a uma espera e à mudança na vida do protagonista Victor. Nesse tempo, desdobram-se características menos felizes de Victor, atingindo-se a expectável miséria que vem intimamente associada à glória superficial que ganhou através da “fórmula”, e a sua correspondente venda, comercialização, ou melhor, prostituição... O leão Abraão, aliás, recorda todos os fáusticos pactos da história, e o preço daí advindo. Arco perfeito, segue-se a redenção possível. Final, drástica, melodramática, sempre justa.

Se exemplo de antecedente houver, e ainda que A fórmula da felicidade não cumpra o mesmo papel de exploração literária, da linguagem da própria banda desenhada e de um grau de filosofia mais complexo como do autor francês, penso que é a obra de Régis Franc aquela que mais pautaria este livro. Claro, existem as soluções de Sokal (Canardo), de Veyron-Rochette (Edmond, o porco), Canales-Guarnido (Blacksad), mas essoutros títulos estão demasiado subsumidos a géneros mais estreitos (e o grande exemplo de Maus é uma classe à parte, em que a questão da representação funda uma crise e uma metalinguagem especiais). Em a Fórmula, a modelação das personagens antropomórficas com cabeças de animais não procuram empregar as características desses mesmos animais senão de um modo telegráfico, rápido, quase de um modo como certos budistas adivinham o animal que uma pessoa era numa vida anterior, sem que se explorem de imediato quais os traços de comportamento sobreviventes... Algo para além da fisiognomia à la Le Brun , algo aquém da metempsicose.

O jogo de A fórmula da felicidade é um tabuleiro simples, e com um objectivo claro, mas todo ele, e as suas peças, estão esculpidas de uma forma perfeitamente ajustada e acabada. Como não sei ler a fórmula do Victor, não atinjo o grau de felicidade que parece prometer, mas a leitura do livro em si traz uma outra, num grau talvez menor, talvez suficiente.
Nota final: por teimosia tecnológica, as imagens deste post foram retiradas a outros blogs (As leituras do Pedro e Leituras de bd). As minhas desculpas e agradecimentos.
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